Há datas que não se explicam, apenas se sentem. O Dia de Finados é uma delas. Não é um dia de luto, ainda que nele a saudade tenha lugar cativo; é um dia de lembrança — e, sobretudo, de amor. Em meio às flores que repousam sobre as lápides e às preces que se elevam silenciosas, há algo que ultrapassa qualquer doutrina, religiosa ou não: a certeza de que o vínculo humano, quando é verdadeiro, não se desfaz nem mesmo diante da morte.
Neste dia intenso e cheio de significados, o cemitério
deixa de ser apenas um território de ausência. Ele se torna um espaço simbólico
onde a vida dialoga com a eternidade. É ali que os passos lentos dos que
visitam os túmulos, jazigos e mausoléus se misturam a uma ternura que,
paradoxalmente, reafirma o sentido de existir. Porque quem chora um amor que
partiu, no fundo, celebra a beleza de tê-lo vivido.
Em um de seus poemas, Fernando Pessoa escreveu que “a morte
é a curva da estrada, morrer é só não ser visto”. Em sua aparente simplicidade,
essa frase encerra uma verdade que conforta: o que amamos não se apaga, apenas
muda de forma. A lembrança, a voz que ecoa na memória, o gesto que reaparece em
nós sem percebermos — tudo isso é a continuidade invisível dos que amamos. Em
cada vida que segue, há sempre um pouco daquelas que ficaram no caminho.
O Dia de Finados, portanto, não deve ser um convite à
tristeza paralisante, mas à serenidade. A saudade tem o direito de existir — e
também o dever de se transformar. Ela é, em certo sentido, o modo mais delicado
de o amor continuar. Mas é preciso permitir que esse amor nos ensine a seguir.
Porque os que partiram, se pudessem nos dizer algo, talvez repetissem o que
Guimarães Rosa um dia escreveu: “As pessoas não morrem, ficam encantadas.”
E é desse encantamento que nasce a força para continuar
vivendo. Há, nesse equilíbrio entre a ausência e a presença, uma sabedoria
antiga: honrar os que se foram não é aprisionar-se à perda, mas prolongar a
vida deles por meio dos nossos gestos, das nossas escolhas, da nossa bondade.
Assim, cada ato de amor que praticamos é uma forma silenciosa de ressurreição.
Hoje, diante da memória dos que amamos, podemos olhar para
o céu — ou para dentro de nós — e dizer com gratidão: “obrigado por ter
existido”. Porque o amor, quando verdadeiro, não cabe em um só plano
existencial. Ele atravessa a morte, e volta, de um jeito ou de outro, para nos
ensinar a viver melhor.
No fim, o Dia de Finados é um espelho de duas faces, em que
vemos, ao mesmo tempo, o passado que amamos e o futuro que ainda temos a
construir. É um lembrete manso de que a vida continua, e que o maior tributo
que podemos oferecer aos que se foram é continuar — com gratidão, com coragem e
com fé — a sermos dignos do amor que deles recebemos.

Nenhum comentário:
Postar um comentário