quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

OS "TURCOS" E O COMÉRCIO EM XAPURI

Sérgio Roberto Gomes de Souza 
Os denominados “turcos” começaram a chegar à Amazônia na primeira década do século XX. O problema é que a arrasadora maioria dos que desembarcaram era de origem sírio-libanesa. De acordo com o geógrafo Aziz Ab’Saber, a Turquia era o centro do que ficou conhecido como Império Turco-Otomano, que teve seu auge entre os séculos XVI e XVII.
Na primeira década do século XX, teve início o desmantelamento do citado Império, fato que se consolidaria no ano de 1922, com a proclamação da República naquele país. Mesmo assim, durante as duas primeiras décadas do século XX, os turcos ainda mantinham o domínio sobre a Síria e sobre os libaneses – o Líbano foi reconhecido como país somente em 1916 - o que explica o fato de imigrantes com estas nacionalidades terem chegado ao Brasil portando passaporte do “dominador”, isto é, da Turquia, contribuindo para a constituição do estereótipo “é tudo turco” (Informações disponíveis no endereço eletrônico: www.icarabe.org. Acessado em 22 de maio de 2015).
Para chegar à Amazônia, embarcavam no Mediterrâneo, atravessavam o Atlântico e chegavam à cidade de Belém. De lá, dirigiam-se a Manaus e, posteriormente, ao Acre. Vinham no rastro da economia da borracha em expansão, com o produto sendo vendido por preços elevados no mercado internacional. Como sua principal atividade profissional foi o comércio, não demorou a adquirirem fama de “mascates interesseiros”.
Importa destacar que os “turcos” se apegaram bastante ao trabalho de carregar embarcações de pequeno e médio porte com mercadorias, com o intuito de comercializá-las pelos rios amazônicos, eram os chamados regatões. Tais figuras eram odiadas por seringalistas e proprietários de estabelecimentos comerciais, já que realizavam operações de compra e venda diretamente com os seringueiros, rompendo com isso o monopólio do barracão, condição fundamental para a manutenção do sistema de aviamento. 
Em sua edição nº 38, de 21 de maio de 1911, o jornal Folha do Acre divulgou carta de um leitor denominado “Dr. Santa Roza”, contestando matéria anteriormente publicada pelo periódico, com críticas aos regatões. A dita correspondência defendia a “classe dos regatões” e ressaltava a importância do trabalho que realizavam. O que chama atenção, neste caso, é que toda a argumentação desenvolvida pelo Dr. Santa Roza é construída na defesa dos praticantes desta atividade comercial, hora denominados “turcos”, ora “sírios”.
"Como se sabe, quase todos os regatões são de nacionalidade turca. Estrangeiros que deixam a sua terra emigrando para o Brasil confiante na hospitalidade apregoada de seus filhos e na liberdade de suas leis. 
A colônia Síria que há pouco tempo se dirige para este país, forma hoje um número tão elevado e tem se irmanado nos sentimentos dos brasileiros, de tal forma, que se tem imposto a estima e consideração pública.
[...] Os regatões, entre nós, forma uma classe laboriosa, que enfrenta todos os riscos e perigos, empregando sua atividade no comércio abundante, em embarcações sem o menor conforto. Comercializando os mesmos gêneros e mercadorias que se encontram a venda nos estabelecimentos comerciais de Rio Branco e Xapuri.
[...] Ide a Xapuri, percorrei esta cidade e direis quantas propriedades pertencem aos nacionais e quantas pertencem aos turcos e ficará vossa senhoria convencido de que esta colônia, da qual fazem parte os regatões, e a qual foi chamada de pessoas sem responsabilidade, sem amor a esta terra, que aqui vêm apenas explorar a inexperiência dos seringueiros, é um dos elementos do progresso desta região".
Não eram poucos os estabelecimentos comerciais situados em Xapuri, de propriedade de sírios e libaneses. Merece destaque, nas duas primeiras décadas do século XX, o “Bazar Paraense”, de propriedade de Sadala Koury (foto).

Sérgio Roberto Gomes de Souza é professor de História da Universidade Federal do Acre.

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