Andréa Zílio
Não, definitivamente não conseguimos ter total noção dos resultados que a cheia do Rio Madeira causou, como também não conseguimos mensurar o que está sendo feito no local por homens do Corpo de Bombeiros, Deracre e de outras instituições do governo do Acre. Afinal, nosso estado está isolado via terrestre do resto do país e precisou buscar soluções.
Aventurei-me nessa jornada acompanhando colegas da imprensa, para tentar mostrar mais do que está acontecendo nos trechos que foram comprometidos e levou a estrada à interdição. A aventura começou às 2 horas de terça-feira, quando saímos rumo à Vila Abunã e conseguimos retornar somente por volta das 19 horas, utilizando carro, balsa e barco.
Primeiro o espanto em ver um rio grandioso e assustador dominar aquele espaço. Não se trata de qualquer rio: o Madeira é um dos mais extensos do mundo, e toda sua força e fúria pôde ser vista nesse episódio.
O primeiro sinal do trabalho feito pela turma do Acre é exatamente um trecho comprometido da estrada, que ganhou uma nova base a partir de um imenso e alto tapete de pedras e sinalização improvisada, até o último domingo todo embaixo d’água. O segundo é a balsa que leva até Vila Abunã. Antes seu trajeto durava de 25 a 30 minutos, mas, com o desvio, mudou para quase três horas rio acima e 40 a 50 minutos rio abaixo.
Na simples e simpática vila, um ritmo pacato e olhares curiosos. Sentar em algum canto por ali é um convite automático a uma conversa com os moradores, sobre a situação que vivem. E sim, o Acre está olhando para eles. O sentimento é expressado no tratamento que dão aos homens que trabalham dia e noite na missão, afinal, esse pequeno depende deles.
Adiante, os sinais da vazante do Rio Madeira são vistos nas marcas deixadas pela água na vegetação, casas que foram quase todas cobertas e nos trechos em que precisaram colocar mais pedras e sinalizar para os caminhões passarem. Até hoje, o rio baixou mais de 40 centímetros.
Ver os caminhões na estrada também gera um enorme sentimento de desolação. Imaginar a agonia dessa gente que está de 15 a 20 dias ali é muito aflitivo. Também não é tarefa simples lidar com pessoas que estão no limite do estresse, pois cada um tem sua prioridade e achar o bom senso nem sempre é fácil, mas o respeito tem sido mantido. Há também depoimentos de revolta pelo isolamento e reconhecimento: “O único que olhou por nós foi o governador lá do Acre, Tião Viana, senão a gente estaria muito pior”, afirmou um morador de Vila Abunã, José Francisco, que diz estar há 54 dias isolado.
O empresário José Carlos, do Acre, estava com 22 carretas na estrada e quando viu a possibilidade do cenário mudar, tratou de ajudar os homens enviados para trabalharem em uma solução. Enviou trator e prancha para contribuir com a operação que não era só sua esperança, mas a de muitos outros homens, alguns acompanhados de esposa e filhos. Desde que o trabalho iniciou, há exatamente duas semanas, ele conseguiu passar 15 carretas. “Se o governo do Acre não estivesse aqui dando apoio, a situação estaria muito complicada, muito pior”, comenta.
Assim como demonstra a atitude do empresário, outro fator determinante nesse trabalho é a união dos caminhoneiros, solitários das estradas que não medem esforços para superar o desafio, ajudando também a equipe no que é possível.
De Porto Velho a Rio Branco, é em Jaci-Paraná um dos trechos críticos em que se atravessa dois quilômetros por balsa e 40 adiante se chega a Palmeiral, onde outro porto de atracar foi improvisado para fazer uma travessia de 17 km de balsa até o Velho Mutum. De lá, são 7 km que parecem não ter fim, em que é preciso enfrentar muita água em uma estrada que só sabemos que existe graças aos marcadores colocados um a um pelos homens que ali trabalham e para passar, só com ajuda de caminhão prancha e outras máquinas. Foi até esse ponto que foi possível chegarmos, mas foi o suficiente para vermos que se trata de uma grande operação que exige esforços e recursos, afinal, são máquinas, homens, alimentação, alojamento, água, combustível.
Ali está a concentração maior do trabalho depois que os pontos de atracagem foram feitos em vários trechos problemáticos da estrada, amenizados com pedras. Durante o dia, que começa às 5 da manhã, os homens trabalham incansavelmente na passagem de cada caminhão, e cada travessia realizada é uma vitória comemorada com gritos e abraços. Além disso, manualmente fazem o balizamento e medição diários desses trechos da estrada, utilizando varas com marcadores nas pontas. A jornada se encerra entre 20 e 22 horas. Os perigos são muitos, principalmente a correnteza do rio e as cobras, que tiveram seu habitat alterado e surgem o tempo todo, exigindo atenção e mais cuidado.
Determinação e coragem são as palavras que movem esses homens. A missão é fazer os caminhões passarem com tanta segurança quanto possível, e sabemos que é árdua. O desgaste físico e mental é imenso. Só muito humor e espírito humanitário superam e renovam cada um desses homens a cada nascer do sol.
Andréa Zílio é jornalista e atualmene exerce o cargo de secretária adjunta de Comunicação do governo do Acre.
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