quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Ausência

Vinicius de Moraes

Eu deixarei que morra em mim

o desejo de amor os teus olhos que são doces.

Porque nada te poderia dar senão a mágoa

de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença

é qualquer coisa como a luz e a vida.

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto

e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser

tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados.

Para que eu possa levar uma gota de orvalho

nesta terra amaldiçoada. Que ficou sobre a minha carne

como uma nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás tua face em outra face

Teus dedos enlaçarão outros dedos

e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,

porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face na face da noite

e ouvia tua fala amorosa.

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa

suspensas no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.

Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu,

das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

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