Santo Vidal, o ciclista
de Xapuri que superou adversidades e virou símbolo do esporte no Acre
No último dia 25 de outubro, um dos mais importantes representantes
do ciclismo acreano realizou um feito para ele impensável até pouco tempo,
antes de retornar às competições depois de um hiato de quase 20 anos. Santo
Vidal conquistou o vice-campeonato estadual na categoria Master — para atletas
acima dos 50 anos de idade — após vencer as últimas duas etapas do certame
realizadas no circuito da avenida Amadeo Barbosa, em Rio Branco.
Ao retornar a Xapuri após as provas, ele participou de
entrevista na Rádio Aldeia FM, onde fez uma retrospectiva da sua carreira e demonstrou
um entusiasmo incomum para quem é tão acostumado com vitórias. Títulos na
trajetória do xapuriense se tornaram rotineiros ao longo dos anos. Elencando
apenas os mais importantes, foram 8 Campeonatos Acreanos de Ciclismo
consecutivos, 14 medalhas de ouro na Copa Norte/Nordeste, sendo duas na categoria
Elite e 12 na Master A e ainda uma Volta de Goiás na categoria de Montanha.
A volta de Vidal às pistas é repleto de simbolismos e
motivações pessoais que remetem à sua história de vida no interior do Acre,
mais precisamente na rua Major Salinas, em Xapuri, um celeiro de histórias locais
onde o barulho das bicicletas sempre se misturou aos sons que vinham das
barrancas do Rio Acre. Foi ali, nas margens do icônico manancial acreano que
nasceu e cresceu o menino inquieto e determinado, no distante ano de 1972.
A ligação com rio veio do berço. Seu pai, Adelmo Vidal, era
pescador; mas também trabalhou no hospital, na igreja de São Sebastião e no
colégio Divina Providência. A mãe, dona Júlia, uma tradicional dona de casa acreana
que — como tal — tinha como grande dedicação o lar e a família. Com eles, Santo
aprendeu desde cedo que resistência era questão de sobrevivência — e que, assim
como o rio que marcou a sua infância, jamais poderia parar de correr para se
realizar como homem.
“O Rio Acre me ensinou a ser forte. Eu
pescava com meu pai, nadava o dia inteiro, sempre tive uma ligação forte com o
rio. Lembro-me que tinha uma canoa, que os meninos da rua chamavam de ‘Navio do
Simbad’ [o famoso marujo da literatura estava em evidência em filmes que eram
exibidos na recém-chegada televisão ao vivo a Xapuri]. A brincadeira me
irritava, mas ali naquela pequena embarcação comecei a entender o valor do
esforço, do equilíbrio e da persistência”, lembra.
Além da canoa, a bicicleta foi outra presença naqueles
tempos da transição entre a infância e a adolescência. E foi pedalando pelas ruas
do lugar onde nasceu que Santo descobriu a paixão que moldaria sua vida. O
ciclismo, esporte caro e de difícil acesso, parecia distante demais para um
menino simples de Xapuri — mas a vontade foi maior. Durante 14 anos de
dedicação intensa, acumulou títulos no Acre, em diversos estados do Brasil,
especialmente no eixo Norte-Nordeste, e até fora do país, se tornando um dos
maiores ciclistas do Acre que também ajudou a organizar e consolidar o esporte
no estado e também em outras unidades da federação.
“Minha história desde o início foi uma luta muito grande.
Eu vinha de uma família simples, sem recursos, e o ciclismo sempre foi um
esporte caro — bicicleta, peça, manutenção, viagem. Tudo custava mais do que eu
podia pagar. Mas a gente nunca desistiu. Representar Xapuri e o Acre era uma
missão. Eu pedalava por mim, pelos meus pais e por todos os meninos que achavam
que não tinham chance. E a gente conseguiu mostrar que o Acre tinha força no
pedal, que daqui também saem campeões”, afirma.
A lição de Campos Pereira
Um dos maiores incentivadores da trajetória de Santo foi o saudoso
radialista Campos Pereira, entusiasta do esporte e figura decisiva na
consolidação do ciclismo no estado. Ele relembra um episódio que resume a
generosidade do amigo:
“Uma vez eu ia competir em Manaus, e um político tinha
prometido a passagem, mas não cumpriu. Eu só fui descobrir depois que o Campos
tinha comprado do próprio bolso, parcelado em dez vezes. Ele sabia que aquela
viagem não era em vão”, conta.
Naquela disputa, que os acreanos acompanharam ao vivo pelo
Amazon Sat, Santo enfrentou problemas com a bicicleta e não obteve o resultado
esperado. No ano seguinte, ficou em segundo lugar. No terceiro, foi campeão.
“Depois o Campos me disse: ‘olha só se eu não tivesse feito
aquele investimento’. Por isso sou muito grato a ele por tudo o que consegui
conquistar para o nosso estado e para o nosso município”, ressalta.
Parada e renascimento após uma perda dolorosa
Após parar de competir, Santo passou 18 anos afastado do
ciclismo. O corpo sentiu: o peso quase dobrou, de 68 para 115 quilos. Mas o que
mais pesava era o vazio emocional deixado pela morte precoce de Elizete, sua
esposa e grande incentivadora.
“Ela sempre dizia pra eu voltar a pedalar. Só depois que
ela se foi é que entendi o quanto isso fazia falta pra mim. O esporte é pro
corpo e pra mente”, afirma, com a voz embargada.
A bicicleta, então, voltou a ser, segundo suas palavras, um
remédio físico e espiritual. O retorno às
competições veio neste ano, na categoria Master, e logo os resultados começaram
a aparecer. Em setembro passado, Santo foi campeão de uma prova de Mountain
Bike em Puerto Maldonado, no Peru. No último fim de semana, no encerramento do Campeonato
Acreano de Ciclismo, quando sagrou-se vice-campeão na sua categoria, venceu as provas
Contra o Relógio e de Circuito.
Em novembro, ele volta ao Peru, onde disputará, em Cuzco,
uma competição de speed — modalidade de ciclismo de estrada, focada em alta
velocidade em vias pavimentadas. Ele diz que na bagagem, além das bicicletas e
equipamentos, leva uma nova motivação:
“Hoje, o que me move é inspirar os jovens. Quero que eles
entendam que o esporte transforma, que é caminho de disciplina, saúde e orgulho
pela nossa terra.”
O retorno às origens e o reencontro com Xapuri
De volta a Xapuri desde 2006, onde vive com o casal de
filhos, Juliana e Erick, e com o genro Kevin, Santo Vidal encontrou apoio em velhos
amigos, que o ajudam, cada qual à sua maneira, a manter-se nas competições, e
na Prefeitura do município, que tem se disponibilizado a dar suporte à sua
continuidade no esporte.
“O carinho do povo daqui é o que me dá energia. Sempre
sonhei em viver e morrer aqui. É o lugar onde me reencontro.”
Com a voz de quem já viu o tempo girar como a roda de sua
bicicleta, Santo resume sua jornada com simplicidade:
“A máquina estava só empoeirada, mas a memória muscular ficou.
O corpo pode cansar, mas o amor pelo ciclismo e por Xapuri nunca enferruja.”
A bicicleta, para ele, segue sendo mais que um instrumento
de esporte. Mais do que uma companheira de estrada, uma ponte entre o menino
que sonhava na beira do rio e o homem que pedalou para transformar sonhos em
conquistas.