segunda-feira, 13 de julho de 2020

Um pouco da história da aviação no Acre

No último dia 5 de maio, a história da aviação no Acre completou 84 anos. O começo de tudo foi no distante ano de 1936, quando o legendário hidroavião Taquary aquaplanou no rio Acre, no estirão do Bagé, em Rio Branco, onde hoje se localiza o bairro que foi batizado com o nome da aeronave, segundo registro do historiador acreano Marcos Vinicius Neves em publicação do jornal A Gazeta, em 2015.

Segundo Neves, a época era de desencanto com a crise da borracha, causada pelas plantações de seringa traficadas da Amazônia para a Malásia havia cerca de 20 anos. Nesse contexto, o então interventor federal do Acre, Manoel Martiniano Prado, proclamou que o território deveria entrar para a modernidade nas asas dos aviões, num tempo em que o isolamento dos acreanos era quase absoluto.

Da “ousadia” do interventor, e pela mão de obra de famílias acreanas, nasceu, então, o primeiro “Campo de Aviação” de Rio Branco, onde passaram a pousar os aviões da Panair, da Cruzeiro e do Correio Aéreo Nacional (CAN). Era o início da história da aviação no Acre. Em pouco tempo, João Donato Filho se tornaria o primeiro piloto acreano, razão pela qual batiza um dos helicópteros do governo do estado na atualidade.

Antes que as estradas por aqui se tornassem uma realidade, a aviação se tornou uma opção de integração entre as cidades acreanas quando apenas o lento transporte pelos rios e o telégrafo serviam de contato com o resto do mundo. A partir de 1946, a atividade se consolidou no ainda território federal com a compra de diversos aviões pelo governo, na gestão de José Guiomard dos Santos.

Com a efetivação dos voos pelos municípios do interior não tardou que começassem a ocorrer os primeiros acidentes, alguns deles de enorme comoção social e grande repercussão histórica. O primeiro registro encontrado nas pesquisas feitas pela reportagem do ac24horas foi de um desastre aéreo ocorrido em Xapuri, no dia 30 de abril de 1951.

No acidente, morreram, José Raimundo de Melo, que acabara de ser nomeado Delegado Geral da cidade, pelo governo territorial, e o cidadão Miguel Gomes Bezerra, junto com o piloto, o tenente Manoel de Souza Fortes. A tragédia abalou a sociedade da época e momentos como a celebração da missa de corpo presente em frente à igreja de São Sebastião ainda em construção continua na lembrança dos moradores mais antigos.

Segundo informou o jornal oficial da época, O Acre, em edição do dia 6 de maio daquele ano, o avião Beechcraft-Bonanza “Tarauacá”, de prefixo PP HTI, do Serviço Aéreo do Governo do Acre, caiu após sobrevoar a cidade e bater em uma castanheira quando se preparava para pousar. Na queda, a aeronave explodiu matando carbonizados o piloto e os dois passageiros.

O radialista e professor Nader Sarkis, neto de José Raimundo de Melo, conta, com base em relatos da família, que o seu avô viria de barco para Xapuri quando foi avisado de que um avião sairia para a cidade. Como a viagem de subida pelo rio durava cerca de quatro dias, ele teria optado pelo voo fatal.

“Pela história que ouço desde criança, o avião caiu após o piloto fazer um voo rasante sobre a cidade, como maneira de avisar de sua chegada a uma namorada, como era habitual fazer. Depois disso, não teria conseguido retomar a altitude vindo a colidir com uma castanheira e cair. Após a queda, meu pai, Elias Sarkis, junto com seu amigo Afonso Zaire, se deslocou rumo ao lugar do acidente e avistou a fumaça do avião na região do igarapé Santa Rosa”, explica.


No dia 9 de julho de 1956, o Acre registrou um novo acidente aéreo: um avião C-47 do Correio Aéreo Nacional, da Força Aérea Brasileira, caiu após a decolagem do aeroporto de Rio Branco, matando 4 dos 20 ocupantes. Em publicação do blog Alma Acreana, assinado por Isaac Melo, é possível encontrar uma imagem dessa aeronave que pertencia ao Serviço Postal Militar Brasileiro, iniciado em 1931, além de outras informações sobre a história da aviação no Acre.

Acidente em 1971, em Sena Madureira, matou o bispo Dom Giocondo, na maior tragédia da aviação no Acre, em número de vítimas.

Um dos acidentes aéreos mais lembrados da história da aviação no Acre e o maior em número de vítimas fatais foi a queda do avião DC3, da empresa Cruzeiro do Sul, que viajava de Sena Madureira com destino a Rio Branco quando apresentou problemas no motor, bateu em uma árvore e caiu em um matagal na comunidade Boca do Caeté, dia 28 de setembro de 1971, deixando um trágico saldo de 33 mortos entre passageiros e tripulação.

Entre as vítimas estava o bispo Dom Giocondo Maria Grotti, que à época chefiava a Diocese da Igreja Católica no Acre. Italiano, Grotti estava no Acre em substituição ao bispo Fontenele de Castro, e havia feito uma visita a Sena Madureira, que havia completado 67 anos de fundação 3 dias antes. No local da tragédia, algumas peças do avião ainda podem ser encontradas, como o motor e outros artefatos, onde foi erguida uma capela em homenagem ao religioso.

Vinte e seis anos depois, no dia 23 de fevereiro de 1997, Sena Madureira voltaria a ser notícia por conta de um acidente aéreo, quando o avião monomotor de prefixo PT- RAG bateu na torre da Rádio Difusora logo após decolar do aeroporto local. Na ocasião estavam a bordo a ex-prefeita de Sena Madureira Toinha Vieira, os ex-deputados Zé Vieira, seu esposo, e Márcio Bittar, hoje senador, além de alguns militares, entre eles o hoje major reformado e vice-governador Major Rocha. O piloto, conhecido como Barbinha, não resistiu aos ferimentos e morreu no local (igarapé Cafezal). O acidente ocorreu durante um sobrevoo para registrar a histórica alagação de 1997, naquele município, que afetou mais de 70% da população.

Em 2002, o Acre registrou mais um grande acidente de avião, quando o voo 4823, da Rico Linhas Aéreas, que fazia o trecho Cruzeiro do Sul - Tarauacá - Rio Branco, caiu no começo da noite do dia 30 de agosto, sob forte chuva, no momento em que se aproximava do aeroporto da capital acreana. Das 31 pessoas a bordo, 23 morreram, incluindo os 3 tripulantes. Entre as vítimas, estavam políticos, como o ex-deputado federal Idelfonso Cordeiro, pai do atual prefeito de Cruzeiro do Sul, Ilderlei Cordeiro, empresários e funcionários públicos.

Mais recentemente, no dia 18 de junho de 2006, por pouco o Acre não foi cenário de mais um desastre aéreo de grandes proporções, quando um Boeing 737 da Gol (voo 1938), que havia saído de Cruzeiro do Sul com 180 passageiros, quase se choca em pleno ar com um avião turbo hélice Tucano da Força Aérea Brasileira, a cerca de 15 quilômetros do aeroporto internacional de Rio Branco.

Tragédias e sustos à parte, a chegada da aviação no Acre permitiu a facilidade do acesso aos lugares mais distantes do antigo território, possibilitando a assistência médica, principalmente, às comunidades isoladas; mas nem todos concordam que promoveu a modernização e o desenvolvimento que o interventor Martiniano Prado vaticinou lá na distante década de 1930.

O historiador Sérgio Roberto Gomes de Souza, professor da Universidade Federal do Acre (Ufac) explica que a aviação foi muito restrita, no primeiro momento de sua presença do Acre, permitindo que apenas a elite e os homens de negócios se movimentassem, passando a ter mais facilidade de chegar à capital federal. Segundo ele, “os nossos varadouros continuaram a ser os rios”.

- Eu não sei se ela representa um grande impacto na modernização porque as relações comerciais, as movimentações de mercadorias, elas eram fluviais. Então, o avião termina sendo algo que a elite lança mão, que diminui distâncias para essa elite, mas que talvez não tenha tido grande impacto nas relações socioeconômicas do Acre. No mais, nós continuamos a vagar pelos rios – afirmou.

O médico, senador e escritor acreano Mário Maia, falecido em 26 de julho de 2000, aos 74 anos de idade, no seu renomado livro “Rios e Barrancos do Acre”, escrito em 1964 e publicado em 1968, descreveu parte da história da aviação no estado e ofereceu a sua impressão sobre a importância das “grandes águias metálicas” para o desenvolvimento dessa parte da Amazônia.

“O avião, no Acre, tornou-se o meio mais eficiente de comunicação e transporte e assim o será, ainda, por longos anos, até que o progresso venha rasgar o seio virgem da floresta, implantando estradas que permitam intercâmbio permanente entre as cidades”, escreveu o saudoso político acreano.

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