Rubens Santana de Menezes
Ainda quando o Acre pertencia à Bolívia e chamava-se Mariscal Sucre, já apresentava relevada importância dentro da economia seringueira por sua produção e também posição geoestratégica, o que a colocava em pé de igualdade com Puerto Alonso, o gargalo onde se cobravam os impostos sobre a produção de borracha.
Para eliminar qualquer tentativa de ser apanhado em fogo cruzado e de unificação das tropas bolivianas, Plácido de Castro e seu exército seringueiro, ali acordam o Intendente Boliviano na madrugada de 6 de agosto. Não era “temprano” e tampouco “fiesta”; era uma revolução!
Colonizadas por nordestinos (cearenses em sua maioria) e comerciantes das mais variadas nacionalidades: sírio-libaneses, turcos, israelenses, espanhóis e portugueses, as terras xapurienses transformaram-se num cadinho onde o caldo cultural daí resultante, fermentou, amadureceu e gerou uma grande quantidade de pessoas ilustres. É também, a única cidade do Acre, que possui uma Banda de Música Municipal.
Durante o período das gordas vacas seringueiras, adquiriu maior importância ainda como centro econômico e cultural acreano e rivalizou com Rio Branco, pois possuía teatro, cassino e a única empresa aviadora fora de Belém e Manaus: a Limitada.
Os filhos da camada social mais abastada eram mandados a apurar sua formação intelectual e profissional em Belém, Rio de Janeiro e Europa, o que de uma forma ou de outra, sempre proporcionou intercâmbio e troca de experiências, socializando os conhecimentos adquiridos de outros locais: Jorge Kalume, Adib Jatene, Armando Nogueira, Jarbas Passarinho, Elaís Meira, Euri Figueiredo, Maestro Zeca Torres, Ciulnides Ferraz, José Cláudio e José Porfiro, dentre muitos.
No final do século passado, um ousado sujeito buchudinho, de fartos bigodes e sem o refinamento intelectual dos anteriores, detona nova revolução a partir e Xapuri que muda os paradigmas da relação Homem x Natureza. Da luta de Chico Mendes e dos demais povos da floresta, restou provado que é possível, senão a convivência harmônica, pelo menos uma relação menos predatória com a natureza. É possível o desenvolvimento sobre as bases teóricas da sustentabilidade.
Desenvolveu-se, neste local, uma população altamente politizada, de bom nível cultural, pacata, ordeira, de espírito alegre e extrovertido que transparece em seus baixos índices de criminalidade. Ocorrência policial é acontecimento raro, pois as pessoas de lá preferem ocupar melhor seu tempo com o levar de suas vidas em paz e tranquilidade. Tem-se a impressão de que, lá, o tempo passa até mais lentamente.
Portanto, se alguém pretende visitá-la tendo como objetivo encontrar o agito e a algazarra de outras localidades, estará no lugar errado e poderá incomodar a seus moradores. Ali é um lugar para se livrar do “stress” da batalha pelo cotidiano. Ali,é para se recarregar as baterias! Ali, crianças ainda
brincam na rua, vizinhos e famílias se reúnem embaixo de mangueiras no quintal e o meio de transporte mais utilizado é a bicicleta.
No dia 5 de maio do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2012, em nossa cidade, será criada a ONG Filhos e Amigos de Xapuri.
É um grupo multi e suprapartidário esboçado ainda nos anos 90 pela tentativa de - alguns de nós que moramos em Rio Branco - retribuir e colaborar com o desenvolvimento da localidade. Por alguns problemas de estratégia e ausência de objetivos mais claros, teve curta duração. A iniciativa partiu de nossos irmãos Antônio Ferraz, Rui Sant’Ana e José Andrias.
Este embrião foi reavivado com as postagens de reminiscências no site xapurionline que resgatou histórias, fotografias, acontecimentos e os arquivou no formato eletrônico. De dentro de antigos álbuns de famílias, saltou uma enxurrada de fotografias, que com a ajuda de muitas e boas memórias, identificaram-se as pessoas fotografadas, estimaram-se e/ou precisaram-se datas e acontecimentos. Transformaram-se em documentos.
A decisão de dar identidade jurídica ao grupo, surge espontaneamente após a postagem de uma destas fotografias em que aparece a vitrine do antigo bar Ponto Chic. Em meio às trocas de informações sobre este documento, Aldenor Ferreira lança o desafio de se restaurar o Ponto Chic em sua arquitetura original. A rede energizou-se: José Porfiro, lá do Rio de Janeiro onde concluía seu doutorado opinou e já não conseguia mais dormir; ganhou, carinhosamente, o apelido de Curumim. Sim, pois, quando em Xapuri, alguém ganha um apelido, funciona como uma senha e quer dizer: “Seja bem vindo! Você é um de nós!
Foi dado início a uma pesquisa sobre outras imagens do antigo espaço, dados sobre sua cadeia dominial, dimensões, informações e projeções cartográficas. De posse deste material, assim amealhado, Carlos Afonso Ferraz, juntou todas as informações e com a ajuda de Cacá e Emerson, brindou-nos, na reunião de 7 de abril com um espetacular passeio virtual dentro das futuras instalações do novo Ponto Chic
Conforme mostrado, o Ponto Chic terá sua parte frontal restaurada à sua arquitetura original e apresentará vários ambientes a ser vivificados com atividades culturais: museu e memorial para exposição do material coletado através de postagens na página do grupo; espaço multiuso para escolas de teatro e música, oficina de artesanato, culinária e outros que sejam pensados; bar com exposição de produtos xapurienses: cajuína, licores, aluá de milho, filhós, brevidades, mariolas, queijadinhas, etc. E um salão de bailes reversível para reuniões e centro de convenções. O Velho e o novo em harmoniosa convivência.
Na mesma sincronia, tivemos o prazer de contar com as participações de Chico Pequeno, D. Vicência, Caboco da Morena, profª Deyse Salim Pinheiro e João Garrinha a discutir alternativas para Xapuri em pé de igualdade com Ofélia Valle, Débora Cristina e Clênio Monteiro e Milena Barros. No grupo, nada há de novo, apenas estamos colecionando as percepções e ideias em um único local.
O grupo se fortalece com os mais jovens, e já se percebe sua mobilização em busca de se inserir ao movimento. Desta vez, Diego Ferraz desencadeia uma campanha para resgatar a tradição das solenidades de comemoração das datas cívicas e das fanfarras escolares. Garante-se assim, a
continuidade e a sustentabilidade destes traços culturais. Sejam benvindos, “sobrinhos”!
O novo Ponto Chic deverá ser incorporado ao que se pensa denominar Circuito Turístico Cultural, que já conta com o Memorial Chico Mendes, o Museu da Casa Branca, O Museu de Xapuri, o Museu do Prezado, o Antiquário da Pousada dos Chapurys, o conjunto arquitetônico das casas comerciais das ruas 6 de agosto e 17 de novembro, a igreja Matriz, o Cemitério Boliviano, a Fonte do Bosque, as trincheiras a Revolução Acreana. É necessário dar-lhes uma configuração de conjunto e dispor de material humano qualificado para guiar nossos visitantes dentro deste roteiro. Mas para isto, em nossa cidade, o IFAC já oferece o curso de Técnico em Turismo.
Mas Xapuri também tem suas belezas cênicas inseridas no Circuito de Ecoturismo por meio do Roteiro Caminhos de Chico Mendes e já se sabe que houve expedição técnica às cabeceiras do Rio Xapuri, em pleno coração da RESEX. O grupo Filhos e Amigos de Xapuri também planeja visitá-las, guiados por Almir Santana, no mês de junho, e buscará meios de realizar o Inventário Turístico de Xapuri e também parcerias com o Ministério do Turismo e SETUL para atingir este objetivo.
Há certa urgência em tudo isto, pois as oportunidades já se materializam também através da implantação da Rodovia do Pacífico, por onde já chegaram sondagens de Agências de Turismo Peruanas. Cuzco recebe um milhão de turistas/ano, e, se estas agências conseguirem esticar seus roteiros até Xapuri e trazer 1% deles, não teremos como recebê-los e acomodá-los. Se vier 10%, talvez nem mesmo o Acre!
Por tudo o que foi levantado aqui: sua história, o estilo de vida de seu povo, as oportunidades, a distância ideal entre Xapuri e Rio Branco - o maior mercado turístico potencial mais próximo – seus traços culturais e seu ambiente de tranquilidade, é que o Grupo Filhos e Amigos de Xapuri escolheu como sua missão tornar Xapuri Centro Cultural e Ecológico reconhecido oficialmente, posto que, de fato, já o É!
É sob este guarda-chuvas do Centro Cultural-Ecológico a ser aberto após sua oficialização, que todas as melhorias na infraestrutura urbana e financiamentos dos empreendimentos turísticos encontrarão justificativa. Até a desprivatização da vista do rio Acre. Coisa que apenas os xapurienses mais jurássicos ainda lembram.
O sonho precisa ser, no mínimo, do mesmo tamanho da realidade desejada!
Rubens Santana de Menezes, o Rubinho, é xapuriense e professor aposentado da UFAC.