quinta-feira, 11 de julho de 2019

A palavra foi feita para dizer

Graciliano Ramos costumava dizer que quem escreve tem que ter cuidado para a coisa não sair molhada. Que da página escrita não se deve pingar nenhuma palavra, a não ser as desnecessárias. É como pano lavado que se estira no varal.

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.

Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.

Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.

*Trecho de entrevista ao jornalista e escritor autodidata Joel Silveira. A conversa entre os dois escritores foi publicada por Joel no livro Na fogueira: Memórias, de 1998.