terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Calote no apagar das luzes
A porta de entrada do palacete Édson Dias Dantas, onde funcionam o gabinete do prefeito e o setor financeiro da prefeitura de Xapuri, trancada com cadeado e corrente em pleno horário de expediente, afora a situação lastimável em que a cidade se encontra, é a imagem mais marcante dos momentos finais da desastrosa administração do prefeito Vanderley Viana de Lima (PPS).
Na manhã e tarde desta terça-feira (30), um grupo de empresários de vários ramos, que se aventuraram a vender para o município nos últimos anos, se aglomerava do lado de fora do prédio, entre lamúrias e protestos, a esperar pela improvável possibilidade de escapar do calote anunciado e consumado pelo próprio prefeito contra fornecedores de Xapuri e de Rio Branco.
Do lado dentro, à portas fechadas, somente a assessora na área de finanças da prefeitura, Aucelina Oliveira, e o contador Ozéias D'Ávila de Paula. Segundo relato dos empresários e comerciantes impedidos de entrar no prédio, o acesso foi permitido somente aos também empresários Pedro Leite Silva, o Pedro Tarauacá, e Luiz Fernando, o Fefa. De acordo com as informações, nem mesmo o presidente da Câmara, Ronaldo Ferraz (PMDB) conseguiu entrar.
O empresário Paulo Gean, representante de uma empresa distribuidora de medicamentos e de uma loja de material de construção na capital, diz ter R$ 30 mil empenhados no setor financeiro, cujo pagamento não foi efetuado, segundo ele, por se negar a pagar propina para o prefeito. "O prefeito me disse que só me pagaria mediante uma 'chuva' porque precisava viajar no final do ano", afirmou.
Outro empresário de Rio Branco, Uchôa Cavalcante, reclama o recebimento de cerca de R$ 90 mil em serviços de publicidade realizados para a prefeitura nos últimos 2 anos. Ele também afirma que recebeu pedido de propina do prefeito para que houvesse agilidade nos seus processos de pagamento. Uchôa afirma que também foi intimado a colaborar com a campanha à reeleição de Vanderley, em outubro passado, como forma de ser beneficiado na hora de receber os débitos.
No desespero, os dois empresários tentaram apelar à juíza da vara cível, Zenair Ferreira Bueno, e ao promotor de justiça, Mariano Jeorge, para garantir o direito de terem acesso ao setor financeiro, mas ambos encontram-se em recesso. Paulo Gean e Uchôa Cavalcante temem que os documentos que comprovam as dívidas sejam extraviados propositadamente.
O telefone do gabinete do prefeito, que dá acesso aos demais ramais, não atende. Segundo informações ainda não confirmadas, o prefeito não estaria mais em Xapuri nesta terça-feira. Teria viajado para Rio Branco de onde embarcaria para a Paraíba, acompanhado do presidente da Fundação de Cultura e Desportos, Jean Ferreira.
Os empresários Paulo Gean e Uchôa Cavalcante afirmam que o destino de Vanderley é a casa de um tal Sairo, fornecedor que teria vendido 2 milhões de reais em medicamentos para o município e entregado somente 200 mil. A denúncia é grave e, vinda de pessoas ligadas ao mundo dos fornecedores da prefeitura, merece ser devidamente apurada.
Os empresários vão além e afirmam haver um verdadeiro mar de lama dentro da prefeitura, envolvendo pagamento de propinas ao prefeito, esquema de notas frias e licitações direcionadas. Pagamentos irregulares estariam sendo efetuados à revelia da Câmara num verdadeiro rateio do que sobra de recursos públicos nos cofres da prefeitura.
Uchôa Cavalcante e Paulo Gean: Denúncias de calote e "mar de lama" na prefeitura de Xapuri.
Araçá-boi
O araçá-boi (Eugenia stipitata) é uma fruteira da Amazônia Ocidental, usualmente cultivada no Brasil, Peru e Bolívia. Pertence à família das Mirtáceas, que é a mesma da goiaba e jabuticaba. A planta é um arbusto com cerca de três metros de altura, com ramos desde o solo. O fruto tem cor amarelada quando maduro, contém em média 11 sementes e chega a pesar 450 gramas. Seu suco é delicioso.
Ausência
Vinicius de Moraes
Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amor os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderia dar senão a mágoa
de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida.
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser
tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados.
Para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada. Que ficou sobre a minha carne
como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvia tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensas no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu,
das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amor os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderia dar senão a mágoa
de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida.
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser
tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados.
Para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada. Que ficou sobre a minha carne
como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvia tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensas no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu,
das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
Passeio no seringal Cachoeira
Os artistas plásticos Renata e Marcos vieram de São Paulo, capital, para passar dois dias na pousada ecológica do seringal Cachoeira, em Xapuri. Não conseguiram. Estranhamente, a pousada está fechada para turistas nestes últimos dias do final de ano.
Marcos e Renata me telefonaram no final da tarde do domingo. Altino Machado já avisara que o casal me procuraria para ajudá-los a chegar às famosas matas do seringal Cachoeira, onde pretendiam, inicialmente, se hospedar por dois dias na pousada ecológica inaugurada no ano passado pelo governo do Acre.
Saímos de Xapuri por volta das 8 horas da manhã debaixo de uma chuva fina que ameaçava não nos deixar percorrer os 18 quilômetros de ramal que dão acesso à comunidade Fazendinha, sede do seringal povoado pela família de Chico Mendes e que foi palco dos grandes "empates" de mais de 20 anos atrás. Depois uns 40 minutos de viagem tranqüila chegamos ao nosso destino. Apesar de ser de chão, a estrada vicinal é muito bem conservada.
Ao chegar, a surpresa: a pousada não estava funcionando. Sebastião Mendes, um dos líderes da comunidade, chega em seguida e explica que os funcionários tiveram folga neste final de ano por ordem do secretário de Turismo Cassiano Marques. Além disso, as estadias no local devem ser reservadas com antecipação, disse ele.
Nílson, irmão mais novo de Sebastião e primo de Chico Mendes, não concorda e critica a medida. "Isso é falta de organização. Isso aqui não pode ficar fechado. É prejuízo certo. Aqui não tem dia para chegar gente de tudo quanto é lugar para se hospedar na pousada".
O empreendimento do governo do Estado, cujo objetivo é consolidar a rota turística "Caminhos de Chico Mendes", custou cerca R$ 200 mil e tem capacidade para abrigar 31 visitantes. Suas instalações contam com recepção, restaurante, cozinha, 1 chalé, 2 quartos com sala, 2 belichários (masculino e feminino) e dois apartamentos.
As diárias variam de R$ 50,00 (belichários) a R$ 180,00 (chalé com uma suíte e um quarto para solteiro). As principais atrações são as trilhas por dentro da mata virgem, onde os visitantes podem conhecer como se procede a extração de látex e a coleta de castanha e ainda manter contato com alguns animais em seu habitat.
Apesar do contratempo, a viagem não foi perdida para o casal paulistano, que visita o Acre pela primeira vez. Guiados por Sebastião, Renata e Marcos acompanharam o corte da seringa, comeram castanhas e se maravilharam com as enormes castanheiras e com o tamanho das sapopembas da gigantesca samaúma, chamada de "Rainha da Floresta".
- Nunca havia entrado na Floresta Amazônica e tinha uma expectativa muito grande quanto ao que iria encontrar, mas o que vi aqui me deixou surpreso e deslumbrado, disse Marcos.
Sebastião Mendes
Sebastião Teixeira Mendes, o "Tião", é primo-irmão de Chico Mendes e, hoje, um dos guardiões do santuário em que se converteu o seringal Cachoeira após a morte do líder sindical. Depois de cortar seringa durante 46 anos, hoje só pega na "cabrita" para fazer demonstrações aos turistas.
Aposentado do corte da seringa, Tião trabalha, atualmente, como guia da pousada ecológica. Percorre as trilhas mostrando aos visitantes o dia-a-dia do seringueiro dentro da floresta e contando histórias reais e do imaginário dos habitantes dos seringais. Recebe R$ 25,00 por grupo que orienta.
O seringueiro conta que foram difíceis e perigosos aqueles tempos, quando participou, junto com Chico Mendes, dos empates contra os moto-serras de Darly Alves. "Ele chegou a vir aqui dizer que ia fazer uma igreja para nós na beira do Chipamanu", relembra deixando claro que se tratava de uma ameaça velada.
A samaúma ou "Rainha da Floresta" citada a cima - árvore de porte gigantesco e certamente centenária - é um dos grandes orgulhos e das principais atrações mostradas por Tião Mendes aos visitantes naquelas matas. Para se chegar ao local anda-se cerca de quinhetos metros dentro da mata, mas o resultado vale a pena.
Considerada sagrada, a árvore guarda água no seu tronco que em algumas ocasiões, como a fase da Lua, se desloca para a copa ou raízes, ela serve ainda para a comunicação entre os povos da floresta. Ao bater no seu tronco produz-se um ruído que pode ser ouvido a quilômetros de distância.
Nílson Mendes
Da comunidade Fazendinha, fomos até a residência de Nílson Mendes, 9 quilômetros adiante. A beleza da mata que margeia a estrada, dalí pra frente, nos faz esquecer o medo de ser atingidos por ouriços de castanha de árvores extremamente carregadas bem acima de nossas cabeças.
Ao chegar a casa de Nílson, fui remetido ao refúgio do lunático personagem do ator José Mayer, na novela A favorita, da Rede Globo, o Augusto César. Construída em dois andares, com luz elétrica, antena parabólica, geladeira e tudo mais, a moradia do seringueiro de 46 anos é de fazer inveja a quem vive na cidade.
A interação com a natureza e o conhecimento da maior parte das espécies de plantas e árvores que rodeiam sua casa é uma das principais marcas de Nílson Mendes, que nos recebeu com uma cobra na ponta de uma vara - segundo ele, não venenosa - que acabara de capturar no quintal e que rapidamente tratou de devolver ao meio ambiente.
Nílson, que herdou um grave problema de surdez de um acidente sofrido há alguns anos, afirma que vive do extrativismo da borracha e da castanha, além da experiência de manejo florestal madeireiro desenvolvida no seringal Cachoeira. Segundo ele, a combinação de atividades diferentes possibilita ao seringueiro, nos dias atuais, uma vida melhor que a de outrora.
Depois de beber um suco de araçá-boi, fruto colhido na hora, do quintal de Nílson, pegamos o caminho de volta para Xapuri. No dia 1º de janeiro, devo voltar. Sou convidado do aniversário de 83 anos da matriarca Cecília Mendes, dona da proeza de trazer à luz 19 filhos e um dos símbolos da resistência dos seringueiros nos empates que impediram que hoje o seringal Cachoeira fosse um grande pasto.
Marcos e Renata me telefonaram no final da tarde do domingo. Altino Machado já avisara que o casal me procuraria para ajudá-los a chegar às famosas matas do seringal Cachoeira, onde pretendiam, inicialmente, se hospedar por dois dias na pousada ecológica inaugurada no ano passado pelo governo do Acre.
Saímos de Xapuri por volta das 8 horas da manhã debaixo de uma chuva fina que ameaçava não nos deixar percorrer os 18 quilômetros de ramal que dão acesso à comunidade Fazendinha, sede do seringal povoado pela família de Chico Mendes e que foi palco dos grandes "empates" de mais de 20 anos atrás. Depois uns 40 minutos de viagem tranqüila chegamos ao nosso destino. Apesar de ser de chão, a estrada vicinal é muito bem conservada.
Ao chegar, a surpresa: a pousada não estava funcionando. Sebastião Mendes, um dos líderes da comunidade, chega em seguida e explica que os funcionários tiveram folga neste final de ano por ordem do secretário de Turismo Cassiano Marques. Além disso, as estadias no local devem ser reservadas com antecipação, disse ele.
Nílson, irmão mais novo de Sebastião e primo de Chico Mendes, não concorda e critica a medida. "Isso é falta de organização. Isso aqui não pode ficar fechado. É prejuízo certo. Aqui não tem dia para chegar gente de tudo quanto é lugar para se hospedar na pousada".
O empreendimento do governo do Estado, cujo objetivo é consolidar a rota turística "Caminhos de Chico Mendes", custou cerca R$ 200 mil e tem capacidade para abrigar 31 visitantes. Suas instalações contam com recepção, restaurante, cozinha, 1 chalé, 2 quartos com sala, 2 belichários (masculino e feminino) e dois apartamentos.
As diárias variam de R$ 50,00 (belichários) a R$ 180,00 (chalé com uma suíte e um quarto para solteiro). As principais atrações são as trilhas por dentro da mata virgem, onde os visitantes podem conhecer como se procede a extração de látex e a coleta de castanha e ainda manter contato com alguns animais em seu habitat.
Apesar do contratempo, a viagem não foi perdida para o casal paulistano, que visita o Acre pela primeira vez. Guiados por Sebastião, Renata e Marcos acompanharam o corte da seringa, comeram castanhas e se maravilharam com as enormes castanheiras e com o tamanho das sapopembas da gigantesca samaúma, chamada de "Rainha da Floresta".
- Nunca havia entrado na Floresta Amazônica e tinha uma expectativa muito grande quanto ao que iria encontrar, mas o que vi aqui me deixou surpreso e deslumbrado, disse Marcos.
Sebastião Mendes
Sebastião Teixeira Mendes, o "Tião", é primo-irmão de Chico Mendes e, hoje, um dos guardiões do santuário em que se converteu o seringal Cachoeira após a morte do líder sindical. Depois de cortar seringa durante 46 anos, hoje só pega na "cabrita" para fazer demonstrações aos turistas.
Aposentado do corte da seringa, Tião trabalha, atualmente, como guia da pousada ecológica. Percorre as trilhas mostrando aos visitantes o dia-a-dia do seringueiro dentro da floresta e contando histórias reais e do imaginário dos habitantes dos seringais. Recebe R$ 25,00 por grupo que orienta.
O seringueiro conta que foram difíceis e perigosos aqueles tempos, quando participou, junto com Chico Mendes, dos empates contra os moto-serras de Darly Alves. "Ele chegou a vir aqui dizer que ia fazer uma igreja para nós na beira do Chipamanu", relembra deixando claro que se tratava de uma ameaça velada.
A samaúma ou "Rainha da Floresta" citada a cima - árvore de porte gigantesco e certamente centenária - é um dos grandes orgulhos e das principais atrações mostradas por Tião Mendes aos visitantes naquelas matas. Para se chegar ao local anda-se cerca de quinhetos metros dentro da mata, mas o resultado vale a pena.
Considerada sagrada, a árvore guarda água no seu tronco que em algumas ocasiões, como a fase da Lua, se desloca para a copa ou raízes, ela serve ainda para a comunicação entre os povos da floresta. Ao bater no seu tronco produz-se um ruído que pode ser ouvido a quilômetros de distância.
Nílson Mendes
Da comunidade Fazendinha, fomos até a residência de Nílson Mendes, 9 quilômetros adiante. A beleza da mata que margeia a estrada, dalí pra frente, nos faz esquecer o medo de ser atingidos por ouriços de castanha de árvores extremamente carregadas bem acima de nossas cabeças.
Ao chegar a casa de Nílson, fui remetido ao refúgio do lunático personagem do ator José Mayer, na novela A favorita, da Rede Globo, o Augusto César. Construída em dois andares, com luz elétrica, antena parabólica, geladeira e tudo mais, a moradia do seringueiro de 46 anos é de fazer inveja a quem vive na cidade.
A interação com a natureza e o conhecimento da maior parte das espécies de plantas e árvores que rodeiam sua casa é uma das principais marcas de Nílson Mendes, que nos recebeu com uma cobra na ponta de uma vara - segundo ele, não venenosa - que acabara de capturar no quintal e que rapidamente tratou de devolver ao meio ambiente.
Nílson, que herdou um grave problema de surdez de um acidente sofrido há alguns anos, afirma que vive do extrativismo da borracha e da castanha, além da experiência de manejo florestal madeireiro desenvolvida no seringal Cachoeira. Segundo ele, a combinação de atividades diferentes possibilita ao seringueiro, nos dias atuais, uma vida melhor que a de outrora.
Depois de beber um suco de araçá-boi, fruto colhido na hora, do quintal de Nílson, pegamos o caminho de volta para Xapuri. No dia 1º de janeiro, devo voltar. Sou convidado do aniversário de 83 anos da matriarca Cecília Mendes, dona da proeza de trazer à luz 19 filhos e um dos símbolos da resistência dos seringueiros nos empates que impediram que hoje o seringal Cachoeira fosse um grande pasto.
domingo, 28 de dezembro de 2008
Sobre alianças, democracia, suplência e a Justiça
Leonildo Rosas
A maior construção política da história acreana foi a Frente Popular do Acre (FPA). Digo isso porque, até 1990, os partidos tinham como prática concorrer com candidatos próprios sem a preocupação com a formação de alianças capazes de lhe assegurar vitórias eleitorais. O partido ganhava sozinho e governava na mesma solidão.
Há 18 anos, o país tinha acabado de sair de uma ditadura militar, que cerceou a democracia por mais de 20 anos. Nesse período, as eleições que havia para o Parlamento fortaleceram o bipartidarismo, representado pela Arena e o MDB, agremiações que contavam com filiados da situação e da oposição consentidas.
No Acre, os governadores da Arena nomeados pelos presidentes da República ditaram os nossos destinos até 1982, quando foi realizada a segunda eleição da nossa história. O peemedebista Nabor Júnior venceu o pedessista Jorge Kalume e foi eleito democraticamente para governar o Estado.
Democracia no Acre é coisa nova. Faz menos de 30 anos que passamos a ter o direito de eleger nossos governantes. Em mais de 100 anos de história, tivemos apenas sete governadores eleitos democraticamente pelo voto.
A falta de práticas democráticas começou desde a nossa origem. Os acreanos que lutaram contra os bolivianos para transformar esta região em terras brasileiras não respiraram os ares democráticos em nenhum momento. Logo após a anexação deste pedaço de terra amazônico, o governo federal criou o monstrengo jurídico chamado Território Federal.
Às pessoas que moravam no Território Federal eram negados os mais elementares direitos à democracia. O Território Federal unificou os descontentes em torno de uma nova causa: a autonomia, que só foi conquistada no dia 15 de junho 1962, quando o Acre foi transformado em Estado e ganhou, no papel, a autonomia política, administrativa e financeira.
A transformação do Território Federal em Estado trouxe uma democracia, que teve vida curta. Em 1964, os militares tomaram o poder em nível nacional. No Acre, professor José Augusto de Araújo, o primeiro governador eleito, foi deposto, e em seu lugar assumiu o militar Edgar Cerqueira, que contou, inclusive, com o apoio da maioria dos deputados com assento na Assembléia Legislativa.
É bom retornar na história, falar de bipartidarismo e da falta de democracia para entender o porquê de a FPA ser uma construção tão moderna e avançada para sua época. Foi por meio dela que se pôs fim à disputa de apenas dois partidos no Acre. Foi a partir dela que os partidos ditos de esquerda começaram a sonhar ter perspectiva e chegaram ao poder.
Até as eleições de 1990, os chamados partidos de esquerda entravam no processo eleitoral meramente para marcar posição. Os candidatos majoritários tinham resultados eleitorais pífios e as raras vitórias dos proporcionais eram comemoradas como se fosse marcado um gol de placa.
Em 1990, o resultado foi diferente. Muito provavelmente porque o sentimento de acreanidade falou mais alto contra o discurso ufanista do mineiro Rubem Branquinho ou contra o desgaste do PMDB, que estava no segundo mandato e indicou como candidato o fraco Osmir Lima.
Mas, embora tenha sido um ano importante, não foi em 1990 que os partidos de esquerda conseguiram ganhar o governo. Talvez tenha sido melhor assim. A vitória sorriu para o então deputado Edmundo Pinto, um político com profundas relações políticas com a Arena, que passara a se chamar PDS.
Aquela, muito provavelmente, talvez tenha sido a derrota mais comemorada da história política do Acre. Pela primeira vez um candidato do PT conseguiu levar a disputa para o segundo turno. O jovem engenheiro florestal Jorge Viana acabara de trazer para dentro da esquerda acreana a política aliancista. Política essa que dera resultado.
A política de alianças foi importante porque as divergências estudantis, sindicais e românticas, que sempre marcaram os partidos de esquerda, cederam espaço para o projeto maior de chegar ao poder e assegurar o controle do Estado. A FPA nasceu dois anos após a morte de Chico Mendes, um homem à frente do seu tempo. De certa forma, a coligação também deu certo porque estava à frente do tempo político em que o Acre vivia. Era um tempo em que os interesses e negócios pessoais sobrepunham os coletivos. O pessoal da Frente Popular chegou com uma proposta nova, que foi assimilada e aprovada pela maioria da população.
Hoje, passados 18 anos, a coligação começa a dar demonstrações de velhice precoce. Práticas antes abominadas começam a ser encaradas como normais e aceitáveis. Quase tudo passou a ser permitido e tolerado sobre o argumento de que é o melhor para o Acre e os acreanos.
Jovens que acreditavam na revolução pararam no tempo e esqueceram-se de fazer a revolução interna nos seus conceitos. Os cargos e o acúmulo de poder são danados para impedir que os poderosos enxerguem seus erros.
Os partidos que compõem a FPA, como PT, PC do B e PSB, que formam o núcleo mais ideológico da aliança, cresceram porque se juntaram a outras agremiações maiores ou menores. Sozinhos, certamente ainda estariam patinando em suas convicções filosóficas e sectárias.
Foi preciso ceder ideologicamente para conquistar o Estado. A perspectiva de crescimento coletivo foi o que manteve a FPA unida e em constante processo de conquistas eleitorais em todos os níveis. Desconsiderar tal fato é cometer um erro histórico e imperdoável.
Nesses 18 anos, todos os partidos cresceram. O PT, por ser uma agremiação que sempre emprestou seus quadros para as disputas majoritárias, cresceu mais do que os outros. É a legenda detentora do governo do Estado, da maioria das prefeituras, do maior número de senadores, deputados estaduais, deputados federais e prefeitos.
O mesmo PT que tinha resultados eleitorais pífios e risíveis até 1990 é, em menos de duas décadas, a maior força política e eleitoral do Estado. Tanta potência, no entanto, não foi conquistada sozinha. Dificilmente o partido teria obtido tanto sucesso se continuasse fazendo uma política estreita e sem aliança com forças muitas vezes completamente destoantes na ideologia.
O que tornou o PT forte foi o discurso bem fundamentado em favor da causa do Acre. Foi isso que atraiu políticos de todas as matizes e ganhou a simpatia da maioria da população. Agir de forma arrogante, agora, é começar a jogar as primeiras pás de cal nos sucessivos processos vitoriosos.
É necessário afirmar que foram as alianças que garantiram o sucesso da FPA para comentar o que está acontecendo na Assembléia Legislativa, onde o PT e seus suplentes recorreram à Justiça para assegurar mandatos que, em tese, pertencem a suplentes de outras agremiações aliadas.
Desde o ano passado, vem se arrastando na Justiça Eleitoral uma disputa envolvendo o petista Merla Albuquerque e o atual deputado Josemir Anute (PR), que assumiu o mandato deixado pela ex-petista Naluh Gouveia para tomar posse como Conselheira do Tribunal de Contas do Estado.
Numa decisão recheada de controvérsias, a Justiça Eleitoral acreana entendeu que o mandato de Naluh Gouveia pertence a Merla Albuquerque. Josemir Anute recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral e se mantém no cargo por meio de uma liminar. Merla Albuquerque não atacou apenas numa frente. Semana passada, o desembargador Feliciano Vasconcelos concedeu liminar assegurando que o mandato do também petista Juarez Leitão, que tomará posse como prefeito de Feijó no próximo dia 1º de janeiro, também é do PT, embora não haja qualquer resquício de infidelidade nesse caso.
O fato grave nessa decisão de Feliciano Vasconcelos é que a ação requerendo o mandato foi ajuizada por um advogado contratado pelo PT. Tal decisão partidária sinaliza que os petistas não irão querer, a partir de agora, firmar alianças proporcionais com os demais partidos da FPA. É provável que, doravante, saiam com chapas próprias. É isso que dá para entender.
O PT ou qualquer partido com acúmulo de poder tem que aprender a queimar gorduras com os demais aliados. Focar apenas nos interesses partidários dá margem para as mais diversas interpretações e espanta aliados.
É complicado quando os partidos saem do campo político para buscar mandatos na esfera judicial contra aliados. É preciso tirar lições do passado. Afinal, a mesma Justiça que deu o mandato a um petista é a que, em 2002, cassou a candidatura à reeleição do ex-governador Jorge Viana.
A cassação de Jorge Viana uniu o Acre e transformou uma eleição difícil numa mera formalidade eleitoral. Não dá para ficar cegos, surdos e mudos diante do que está acontecendo. A Justiça é cega. A mesma cegueira não pode ser imputada à população e aos políticos.
É preciso respeitar a vontade das urnas. Quando entrou na Justiça requerendo um mandato que, em tese, pertence à coligação, o PT voltou a ser pequeno. Regressou a um gueto perigoso, que põe em risco projetos futuros. Afinal, doravante, quem vai querer aliança com os petistas?
A FPA caminha para a maioridade. Quem vai chegando à idade adulta tem que, por necessidade, tomar decisões adultas. Em 1990, Jorge Viana chegou ao segundo turno com o discurso de que o Acre teria jeito. Ao se eleger governador por dois mandatos, o engenheiro florestal demonstrou que não tinha apenas discurso. Realmente o Estado tomou jeito de Estado.
A FPA, assim como o Acre, tem jeito. Mas, se não se ajeitar e permitir que a política de alianças seja deixada de lado, corre o risco de entregar o melhor lugar para se viver na Amazônia a partir de 2010 nas mãos dos adversários. E ficar assistindo do lado de fora não é nada bom.
◙ Leonildo Rosas é jornalista e assina a coluna Poronga, no jornal Página 20.
A maior construção política da história acreana foi a Frente Popular do Acre (FPA). Digo isso porque, até 1990, os partidos tinham como prática concorrer com candidatos próprios sem a preocupação com a formação de alianças capazes de lhe assegurar vitórias eleitorais. O partido ganhava sozinho e governava na mesma solidão.
Há 18 anos, o país tinha acabado de sair de uma ditadura militar, que cerceou a democracia por mais de 20 anos. Nesse período, as eleições que havia para o Parlamento fortaleceram o bipartidarismo, representado pela Arena e o MDB, agremiações que contavam com filiados da situação e da oposição consentidas.
No Acre, os governadores da Arena nomeados pelos presidentes da República ditaram os nossos destinos até 1982, quando foi realizada a segunda eleição da nossa história. O peemedebista Nabor Júnior venceu o pedessista Jorge Kalume e foi eleito democraticamente para governar o Estado.
Democracia no Acre é coisa nova. Faz menos de 30 anos que passamos a ter o direito de eleger nossos governantes. Em mais de 100 anos de história, tivemos apenas sete governadores eleitos democraticamente pelo voto.
A falta de práticas democráticas começou desde a nossa origem. Os acreanos que lutaram contra os bolivianos para transformar esta região em terras brasileiras não respiraram os ares democráticos em nenhum momento. Logo após a anexação deste pedaço de terra amazônico, o governo federal criou o monstrengo jurídico chamado Território Federal.
Às pessoas que moravam no Território Federal eram negados os mais elementares direitos à democracia. O Território Federal unificou os descontentes em torno de uma nova causa: a autonomia, que só foi conquistada no dia 15 de junho 1962, quando o Acre foi transformado em Estado e ganhou, no papel, a autonomia política, administrativa e financeira.
A transformação do Território Federal em Estado trouxe uma democracia, que teve vida curta. Em 1964, os militares tomaram o poder em nível nacional. No Acre, professor José Augusto de Araújo, o primeiro governador eleito, foi deposto, e em seu lugar assumiu o militar Edgar Cerqueira, que contou, inclusive, com o apoio da maioria dos deputados com assento na Assembléia Legislativa.
É bom retornar na história, falar de bipartidarismo e da falta de democracia para entender o porquê de a FPA ser uma construção tão moderna e avançada para sua época. Foi por meio dela que se pôs fim à disputa de apenas dois partidos no Acre. Foi a partir dela que os partidos ditos de esquerda começaram a sonhar ter perspectiva e chegaram ao poder.
Até as eleições de 1990, os chamados partidos de esquerda entravam no processo eleitoral meramente para marcar posição. Os candidatos majoritários tinham resultados eleitorais pífios e as raras vitórias dos proporcionais eram comemoradas como se fosse marcado um gol de placa.
Em 1990, o resultado foi diferente. Muito provavelmente porque o sentimento de acreanidade falou mais alto contra o discurso ufanista do mineiro Rubem Branquinho ou contra o desgaste do PMDB, que estava no segundo mandato e indicou como candidato o fraco Osmir Lima.
Mas, embora tenha sido um ano importante, não foi em 1990 que os partidos de esquerda conseguiram ganhar o governo. Talvez tenha sido melhor assim. A vitória sorriu para o então deputado Edmundo Pinto, um político com profundas relações políticas com a Arena, que passara a se chamar PDS.
Aquela, muito provavelmente, talvez tenha sido a derrota mais comemorada da história política do Acre. Pela primeira vez um candidato do PT conseguiu levar a disputa para o segundo turno. O jovem engenheiro florestal Jorge Viana acabara de trazer para dentro da esquerda acreana a política aliancista. Política essa que dera resultado.
A política de alianças foi importante porque as divergências estudantis, sindicais e românticas, que sempre marcaram os partidos de esquerda, cederam espaço para o projeto maior de chegar ao poder e assegurar o controle do Estado. A FPA nasceu dois anos após a morte de Chico Mendes, um homem à frente do seu tempo. De certa forma, a coligação também deu certo porque estava à frente do tempo político em que o Acre vivia. Era um tempo em que os interesses e negócios pessoais sobrepunham os coletivos. O pessoal da Frente Popular chegou com uma proposta nova, que foi assimilada e aprovada pela maioria da população.
Hoje, passados 18 anos, a coligação começa a dar demonstrações de velhice precoce. Práticas antes abominadas começam a ser encaradas como normais e aceitáveis. Quase tudo passou a ser permitido e tolerado sobre o argumento de que é o melhor para o Acre e os acreanos.
Jovens que acreditavam na revolução pararam no tempo e esqueceram-se de fazer a revolução interna nos seus conceitos. Os cargos e o acúmulo de poder são danados para impedir que os poderosos enxerguem seus erros.
Os partidos que compõem a FPA, como PT, PC do B e PSB, que formam o núcleo mais ideológico da aliança, cresceram porque se juntaram a outras agremiações maiores ou menores. Sozinhos, certamente ainda estariam patinando em suas convicções filosóficas e sectárias.
Foi preciso ceder ideologicamente para conquistar o Estado. A perspectiva de crescimento coletivo foi o que manteve a FPA unida e em constante processo de conquistas eleitorais em todos os níveis. Desconsiderar tal fato é cometer um erro histórico e imperdoável.
Nesses 18 anos, todos os partidos cresceram. O PT, por ser uma agremiação que sempre emprestou seus quadros para as disputas majoritárias, cresceu mais do que os outros. É a legenda detentora do governo do Estado, da maioria das prefeituras, do maior número de senadores, deputados estaduais, deputados federais e prefeitos.
O mesmo PT que tinha resultados eleitorais pífios e risíveis até 1990 é, em menos de duas décadas, a maior força política e eleitoral do Estado. Tanta potência, no entanto, não foi conquistada sozinha. Dificilmente o partido teria obtido tanto sucesso se continuasse fazendo uma política estreita e sem aliança com forças muitas vezes completamente destoantes na ideologia.
O que tornou o PT forte foi o discurso bem fundamentado em favor da causa do Acre. Foi isso que atraiu políticos de todas as matizes e ganhou a simpatia da maioria da população. Agir de forma arrogante, agora, é começar a jogar as primeiras pás de cal nos sucessivos processos vitoriosos.
É necessário afirmar que foram as alianças que garantiram o sucesso da FPA para comentar o que está acontecendo na Assembléia Legislativa, onde o PT e seus suplentes recorreram à Justiça para assegurar mandatos que, em tese, pertencem a suplentes de outras agremiações aliadas.
Desde o ano passado, vem se arrastando na Justiça Eleitoral uma disputa envolvendo o petista Merla Albuquerque e o atual deputado Josemir Anute (PR), que assumiu o mandato deixado pela ex-petista Naluh Gouveia para tomar posse como Conselheira do Tribunal de Contas do Estado.
Numa decisão recheada de controvérsias, a Justiça Eleitoral acreana entendeu que o mandato de Naluh Gouveia pertence a Merla Albuquerque. Josemir Anute recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral e se mantém no cargo por meio de uma liminar. Merla Albuquerque não atacou apenas numa frente. Semana passada, o desembargador Feliciano Vasconcelos concedeu liminar assegurando que o mandato do também petista Juarez Leitão, que tomará posse como prefeito de Feijó no próximo dia 1º de janeiro, também é do PT, embora não haja qualquer resquício de infidelidade nesse caso.
O fato grave nessa decisão de Feliciano Vasconcelos é que a ação requerendo o mandato foi ajuizada por um advogado contratado pelo PT. Tal decisão partidária sinaliza que os petistas não irão querer, a partir de agora, firmar alianças proporcionais com os demais partidos da FPA. É provável que, doravante, saiam com chapas próprias. É isso que dá para entender.
O PT ou qualquer partido com acúmulo de poder tem que aprender a queimar gorduras com os demais aliados. Focar apenas nos interesses partidários dá margem para as mais diversas interpretações e espanta aliados.
É complicado quando os partidos saem do campo político para buscar mandatos na esfera judicial contra aliados. É preciso tirar lições do passado. Afinal, a mesma Justiça que deu o mandato a um petista é a que, em 2002, cassou a candidatura à reeleição do ex-governador Jorge Viana.
A cassação de Jorge Viana uniu o Acre e transformou uma eleição difícil numa mera formalidade eleitoral. Não dá para ficar cegos, surdos e mudos diante do que está acontecendo. A Justiça é cega. A mesma cegueira não pode ser imputada à população e aos políticos.
É preciso respeitar a vontade das urnas. Quando entrou na Justiça requerendo um mandato que, em tese, pertence à coligação, o PT voltou a ser pequeno. Regressou a um gueto perigoso, que põe em risco projetos futuros. Afinal, doravante, quem vai querer aliança com os petistas?
A FPA caminha para a maioridade. Quem vai chegando à idade adulta tem que, por necessidade, tomar decisões adultas. Em 1990, Jorge Viana chegou ao segundo turno com o discurso de que o Acre teria jeito. Ao se eleger governador por dois mandatos, o engenheiro florestal demonstrou que não tinha apenas discurso. Realmente o Estado tomou jeito de Estado.
A FPA, assim como o Acre, tem jeito. Mas, se não se ajeitar e permitir que a política de alianças seja deixada de lado, corre o risco de entregar o melhor lugar para se viver na Amazônia a partir de 2010 nas mãos dos adversários. E ficar assistindo do lado de fora não é nada bom.
◙ Leonildo Rosas é jornalista e assina a coluna Poronga, no jornal Página 20.
Uma chance para acreditar
“Acredite apenas
no que seus olhos vêem
e seus ouvidos ouvem!
Também não acredite
no que seus olhos vêem
e seus ouvidos ouvem.
Saiba também
que não crer algo
significa algo crer”.
(Brecht, 1898 – 1956)
Há 10 anos, um grupo de Prêmios Nobel da Paz reuniu-se em Paris para os 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Participavam deste encontro Norman Borlaug, Adolfo Perez Esquivel, Dalai Lama, Mikhail Gorbachev, Mairead Maguire, Nelson Mandela, Rigoberta Menchuntum, Shimon Peres, José Ramos Horta, Jopeph Roblat, Desmand Mpilo Tutu, David Trimble, Elie Wiesel e Carlos Felipo Ximenes Belo.
A UNESCO, Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura, responsável pelos eventos que ocorreriam no ano 2000, declarado Ano Internacional da Cultura de Paz, fez uma pergunta para cada ganhador do Prêmio Nobel:
- “O que qualquer pessoa pode fazer, independente de religião, ideologia, raça, para termos um mundo melhor?
Veja a resposta na última mensagem do ano do Varal de Idéias do professor e jornalista Marcos Afonso.
no que seus olhos vêem
e seus ouvidos ouvem!
Também não acredite
no que seus olhos vêem
e seus ouvidos ouvem.
Saiba também
que não crer algo
significa algo crer”.
(Brecht, 1898 – 1956)
Há 10 anos, um grupo de Prêmios Nobel da Paz reuniu-se em Paris para os 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Participavam deste encontro Norman Borlaug, Adolfo Perez Esquivel, Dalai Lama, Mikhail Gorbachev, Mairead Maguire, Nelson Mandela, Rigoberta Menchuntum, Shimon Peres, José Ramos Horta, Jopeph Roblat, Desmand Mpilo Tutu, David Trimble, Elie Wiesel e Carlos Felipo Ximenes Belo.
A UNESCO, Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura, responsável pelos eventos que ocorreriam no ano 2000, declarado Ano Internacional da Cultura de Paz, fez uma pergunta para cada ganhador do Prêmio Nobel:
- “O que qualquer pessoa pode fazer, independente de religião, ideologia, raça, para termos um mundo melhor?
Veja a resposta na última mensagem do ano do Varal de Idéias do professor e jornalista Marcos Afonso.
sábado, 27 de dezembro de 2008
A última do Português
A partir de 1º de janeiro, os brasileiros passam a escrever diferente: caem o trema e alguns acentos, mudam as regras do hífen – e instalam-se as dúvidas. O novo acordo ortográfico, enfim, é uma dessas decisões sobre as quais não parece haver acordo.
Isabela Boscov
Agora, como se diz, Inês é morta. A partir deste 1º de janeiro, quando no Brasil começa a vigorar o novo acordo ortográfico firmado entre os países de língua portuguesa, as idéias perderão um pouquinho de altura e virarão ideias; já os vôos, livres do circunflexo e transformados em voos, ganharão teto; o anti-semitismo não terá mais o hífen, passando a ser antissemitismo, mas não perderá sua feiúra – que, no primeiro dia de 2009, amanhecerá simplesmente feiura.
Para os que foram alfabetizados já dentro das normas da última reforma ortográfica, a de 1971, o ano vai começar repleto não apenas das resoluções habituais, como também de dúvidas. Para os que aprenderam a escrever entre a reforma de 1943 e a de 1971 e ainda acham estranho escrever ele sem um bom circunflexo no e tônico, os problemas se multiplicam. E, para aqueles que estudaram em cartilhas ainda mais antigas, com seus prohibidos e collocar, as esperanças de reformar a própria ortografia são mínimas.
Artigo completo em Veja (assinantes).
◙ A partir de 1º de janeiro, nós, que nascemos no Acre, não seremos mais acreanos, mas acrianos, como já indicava como mais adequado o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, apesar de os dicionários registrarem a primeira forma como preferencial.
Isabela Boscov
Agora, como se diz, Inês é morta. A partir deste 1º de janeiro, quando no Brasil começa a vigorar o novo acordo ortográfico firmado entre os países de língua portuguesa, as idéias perderão um pouquinho de altura e virarão ideias; já os vôos, livres do circunflexo e transformados em voos, ganharão teto; o anti-semitismo não terá mais o hífen, passando a ser antissemitismo, mas não perderá sua feiúra – que, no primeiro dia de 2009, amanhecerá simplesmente feiura.
Para os que foram alfabetizados já dentro das normas da última reforma ortográfica, a de 1971, o ano vai começar repleto não apenas das resoluções habituais, como também de dúvidas. Para os que aprenderam a escrever entre a reforma de 1943 e a de 1971 e ainda acham estranho escrever ele sem um bom circunflexo no e tônico, os problemas se multiplicam. E, para aqueles que estudaram em cartilhas ainda mais antigas, com seus prohibidos e collocar, as esperanças de reformar a própria ortografia são mínimas.
Artigo completo em Veja (assinantes).
◙ A partir de 1º de janeiro, nós, que nascemos no Acre, não seremos mais acreanos, mas acrianos, como já indicava como mais adequado o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, apesar de os dicionários registrarem a primeira forma como preferencial.
Aílton Farias
Na última quinta-feira, 25 de dezembro, fui surpreendido com um digno presente de Natal. Encontrei-me, depois de 4 anos, com meu ex-cunhado - a quem considero como verdadeiro irmão - Aílton Silva de Farias, 55, o ex-radialista de quem segui os passos nesta profissão.
Aílton Farias fez história na Rádio Educadora 6 de Agosto de Xapuri, de onde saiu para trabalhar em Porto-Velho (RO), no início da década de 80, passando por emissoras de rádio como Caiari e Eldorado, entre outras. Uma de suas principais habilidades era a locução esportiva, que ainda pratica até hoje.
Farias também é professor, a caminho de se aposentar, e, atualmente, assessora, na comunicação social, o secretário adjunto de Segurança, Defesa e Cidadania do Estado de Rondônia (Sedesc), Cézzar Pizzano, que também esteve de passagem por Xapuri neste Natal.
Junto com Aílton estavam os irmãos Mílton, o Pimba - que é segurança do secretário Pizanno -, e Amílcar, funcionário do governo do Estado de Rondônia; e o patriarca da família Farias, o ex-prefeito de Xapuri Antônio Araújo de Farias, no vigor dos 89 anos de vida.
Menino Terrível
O senhor Antônio Farias, o "Menino Terrível", 89, chegou em Xapuri em 1942. Piauiense de Parnaíba, veio para o Acre para não ir para a guerra.
Em Xapuri, foi cortar seringa numa colocação de nome "Castelo", onde trabalhou até 1970. Na cidade se tornou vereador por quatro vezes e foi prefeito em 1979.
Seu Farias é uma enciclopédia ambulante de histórias sobre o seringal e sobre Xapuri. Conta que quando aqui chegou os seringueiros tinham medo de um pássaro chamado "mutum".
- Acreditavam que o cantar do mutum dizia: "Hum, hum, hum, dos dois eu como um, diz ele.
O velho Farias garante que trabalhou muito, produziu muita borracha, mas que nunca temeu nada dentro dos seringais.
- Duas coisas nunca tive: medo nem preguiça. Nem outra: receio de fazer filho.
De fazer filho não teve mesmo. Fez 12.
Allamanda
A beleza acima foi fotografada no jardim de dona Eliana, esposa de Geraldo, filho do Sr. Sérgio Pessigatti, donos da fazenda Nossa Senhora Aparecida, localizada no encontro da estrada do Café com a BR-317, a 25 km de Xapuri.
Maria de Lourdes, a fiel escudeira do Sr. Sérgio, chama-a de "Canarinho". Na internet encontrei outro nome popular: "Trompete de Ouro". Seu nome científico é Allamanda cathartica e, além da beleza, exala um perfume maravilhoso.
Em breve postarei um texto sobre o trabalho da família Pessigatti, que garante ser possível praticar a pecuária de forma sustentável no Acre. A fazenda Nossa Senhora Aparecida possui uma área de 225 hectares dos quais apenas 80 foram transformados em pasto.
Geraldo Pessigatti afirma que mantém, atualmente, 360 cabeças de gado leiteiro e de corte nesses 80 hectares e que pretende dobrar esse número sem derrubar uma só árvore, com base no manejo de pastagens do programa Balde Cheio.
Clique na foto para ver os detalhes.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Acusado da morte de Doroty Stang é preso no Pará
Do UOL Notícias
A Polícia Federal prendeu nesta sexta-feira (26) um dos acusados de mandar matar a missionária Dorothy Stang em 2005, no Pará. O fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão, foi preso em sua casa em Altamira (PA). A prisão preventiva foi ordenada pelo juiz federal Antonio Carlos de Almeida Campelo, após pedido do Ministério Público Federal (MPF). Regivaldo Pereira Galvão esteve preso pela morte de Dorothy Stang (foto) durante mais de um ano, porém foi solto em 2006 por um habeas corpus concedido pelo STF.
Segundo nota do MPF, Taradão tentava novamente tomar posse do lote 55, em Anapu, "uma área de 3.000 hectares que foi grilada por ele no final dos anos 90 e pela qual um grave conflito fundiário se instalou, culminando com a morte da freira em 2005".
O fazendeiro esteve preso pela morte de Stang durante mais de um ano, porém foi solto em 2006 por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Atualmente aguarda o julgamento por homicídio em liberdade.
"O compromisso do MPF com a população de Anapu é garantir que os grileiros nunca mais se aproximem das terras públicas, que são posse legítima dos trabalhadores rurais. É preciso máximo rigor com os conflitos fundiários, porque são a causa de tragédias como a morte da irmã Dorothy", afirma, por meio de nota, Felício Pontes Jr, procurador da República que acompanha a situação de Anapu desde 2001.
Ainda segundo o MPF, além da acusação pela morte de Stang, o fazendeiro responde a outras ações judiciais, por trabalho escravo, crimes ambientais e fraudes contra a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). Após a prisão de hoje, o inquérito da PF pode dar origem a um novo processo contra Galvão pelos crimes de grilagem e estelionato. A prisão preventiva foi decretada, de acordo com o MPF, para garantir a continuidade do inquérito e por ameaças à ordem pública.
Histórico
No início deste ano, outro acusado de matar Stang, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi absolvido em segundo julgamento. Segundo o MPF, desde a absolvição, "as autoridades que acompanham o caso já temiam que recomeçassem as pressões sobre os assentados". "A atitude de Regivaldo, de voltar ao local do crime e mais uma vez se dizer proprietário das terras públicas exige a intervenção imediata do Judiciário", declarou, em nota, o procurador da República Alan Mansur Silva, também autor do pedido de prisão.
Mansur refere-se a uma reunião que aconteceu no último dia 28 de outubro, na sede do Incra de Altamira, em que Taradão ofereceu benfeitorias para ficar com a posse das terras. Na ocasião, ele afirmou ser o proprietário do lote 55. Esta reunião motivou a PF a abriu um inquérito contra o fazendeiro. Em depoimento, ele negou a declaração.
De acordo com o pedido de prisão, o MPF contabiliza que "a negativa de Taradão na Polícia Federal em Altamira foi a sétima versão diferente que apresentou sobre a acusação de grilagem do lote 55".
quinta-feira, 25 de dezembro de 2008
Feliz Natal
Frei Betto
Feliz Natal a quem não planta corvos nas janelas da alma, nem embebe o coração de cicuta e ousa sair pelas ruas a transpirar bom-humor.
Feliz Natal a quem cultiva ninhos de pássaros no beiral da utopia e coleciona no espírito as aquarelas do arco-íris. E a todos que trafegam pelas vias interiores e não temem as curvas abissais da oração.
Feliz Natal aos que reverenciam o silêncio como matéria-prima do amor e arrancam das cordas da dor melódicas esperanças. Também aos que se recostam em leitos de hortênsias e bordam, com os delicados fios dos sentimentos, alfombras de ternura.
Feliz Natal aos que trazem às costas aljavas repletas de relâmpagos, aspiram o perfume da rosa-dos-ventos e carregam no peito a saudade do futuro. Também aos que semeiam indignações, mergulham todas as manhãs nas fontes da verdade e, no labirinto da vida, identificam a porta que os sentidos não vêem e a razão não alcança.
Feliz Natal a todos que dançam embalados pelos próprios sonhos e nunca dizem sim às artimanhas do desejo. Aos que ignoram o alfabeto da vingança e jamais pisam na armadilha do desamor, pois sabem que o ódio destrói primeiro a quem odeia.
Feliz Natal a quem acorda, todas as manhãs, a criança adormecida em si e, moleque, sai pelas esquinas quebrando convenções que só obrigam a quem carece de convicções. E aos artífices da alegria que, no calor da dúvida, dão linha à manivela da fé.
Feliz Natal a quem recolhe cacos de mágoas pelas ruas a fim de atirá-los no lixo do olvido e guardam recatados os seus olhos no recanto da sobriedade. A quem se resguarda em câmaras secretas para reaprender a gostar de si e, diante do espelho, descobre-se belo na face do próximo.
Feliz Natal a todos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da história. E aos que suprimem a letra erre do verbo armar e se recusam a ser reféns do pessimismo.
Feliz Natal aos que fazem do estrume adubo de seu canteiro de lírios. Também aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores e aos escritores sem palavras. E a todos que jamais encontraram a pessoa a quem declarar todo o amor que os fecunda em gravidez inefável.
Feliz Natal aos ébrios de transcendência e aos filhos da misericórdia que dormem acobertados pela compaixão. E a todos que contemplam ocioso o entardecer, observando como o Menino entra na boca da noite montado em seu monociclo solar.
Feliz Natal a quem não se deixa seduzir pelo perfume das alturas e nem escala os picos em que os abutres chocam ovos. E a todos que destelham os tetos da ambição e edificam suas casas em torno da cozinha.
Feliz Natal a quem, no leito de núpcias, promove uma despudorada liturgia eucarística, transubstanciando o corpo em copo inundado do vinho embriagador da perda de si no outro. E a quem corrige o equívoco do poeta e sabe que o amor não é eterno enquanto dura, mas dura enquanto é terno.
Feliz Natal aos que repartem Deus em fatias de pão e convocam os famélicos à mesa feita com as tábuas da justiça e coberta com a toalha bordada de cumplicidades.
Feliz Natal aos que secam lágrimas no consolo da fé e plantam no chão da vida as sementes do porvir. E aos que criam hipocampos em aquários de mistério e conhecem a geometria da quadratura do círculo.
Feliz Natal a quem se embebeda de chocolate na esbórnia pascal da lucidez crítica e não receia pronunciar palavras onde a mentira costura bocas e enjaula consciências. E a todos que, com o rosto lavado das maquiagens de Narciso, dobram os joelhos à dignidade dos carvoeiros.
Feliz Natal a todos que sabem voar sem exibir as asas e abrem caminhos com os próprios passos, inebriados pelos ecos de profundas nostalgias. E aos que decifram enigmas sem revelar inconfidências e, nus, abraçam epifanias sob cachoeiras de magnólias.
Feliz Natal aos que saboreiam alvíssaras nos bosques onde vicejam anjos barrocos e nadam suas gorduras deixando os cabelos brancos flutuarem sobre a saciedade de anos bem vividos. E a todos que dão ouvidos à sinfonia cósmica e, nos salões da Via Láctea, bailam com os astros ao ritmo de siderais incertezas.
Feliz Natal também aos infelizes, aos tíbios e aos pusilânimes, aos que deixam a vida escorrer pelo ralo da mesquinhez e, no calor de seus apegos, vêem seus dias evaporar como o orvalho aquecido pelo alvorecer do verão.
Queira Deus que renasçam com o Menino que se aconchega em corações desenhados na forma de presépios.
◙ Frei Betto é escritor, autor do romance “Entre todos os homens” (Ática), entre outros livros.
Feliz Natal a quem não planta corvos nas janelas da alma, nem embebe o coração de cicuta e ousa sair pelas ruas a transpirar bom-humor.
Feliz Natal a quem cultiva ninhos de pássaros no beiral da utopia e coleciona no espírito as aquarelas do arco-íris. E a todos que trafegam pelas vias interiores e não temem as curvas abissais da oração.
Feliz Natal aos que reverenciam o silêncio como matéria-prima do amor e arrancam das cordas da dor melódicas esperanças. Também aos que se recostam em leitos de hortênsias e bordam, com os delicados fios dos sentimentos, alfombras de ternura.
Feliz Natal aos que trazem às costas aljavas repletas de relâmpagos, aspiram o perfume da rosa-dos-ventos e carregam no peito a saudade do futuro. Também aos que semeiam indignações, mergulham todas as manhãs nas fontes da verdade e, no labirinto da vida, identificam a porta que os sentidos não vêem e a razão não alcança.
Feliz Natal a todos que dançam embalados pelos próprios sonhos e nunca dizem sim às artimanhas do desejo. Aos que ignoram o alfabeto da vingança e jamais pisam na armadilha do desamor, pois sabem que o ódio destrói primeiro a quem odeia.
Feliz Natal a quem acorda, todas as manhãs, a criança adormecida em si e, moleque, sai pelas esquinas quebrando convenções que só obrigam a quem carece de convicções. E aos artífices da alegria que, no calor da dúvida, dão linha à manivela da fé.
Feliz Natal a quem recolhe cacos de mágoas pelas ruas a fim de atirá-los no lixo do olvido e guardam recatados os seus olhos no recanto da sobriedade. A quem se resguarda em câmaras secretas para reaprender a gostar de si e, diante do espelho, descobre-se belo na face do próximo.
Feliz Natal a todos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da história. E aos que suprimem a letra erre do verbo armar e se recusam a ser reféns do pessimismo.
Feliz Natal aos que fazem do estrume adubo de seu canteiro de lírios. Também aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores e aos escritores sem palavras. E a todos que jamais encontraram a pessoa a quem declarar todo o amor que os fecunda em gravidez inefável.
Feliz Natal aos ébrios de transcendência e aos filhos da misericórdia que dormem acobertados pela compaixão. E a todos que contemplam ocioso o entardecer, observando como o Menino entra na boca da noite montado em seu monociclo solar.
Feliz Natal a quem não se deixa seduzir pelo perfume das alturas e nem escala os picos em que os abutres chocam ovos. E a todos que destelham os tetos da ambição e edificam suas casas em torno da cozinha.
Feliz Natal a quem, no leito de núpcias, promove uma despudorada liturgia eucarística, transubstanciando o corpo em copo inundado do vinho embriagador da perda de si no outro. E a quem corrige o equívoco do poeta e sabe que o amor não é eterno enquanto dura, mas dura enquanto é terno.
Feliz Natal aos que repartem Deus em fatias de pão e convocam os famélicos à mesa feita com as tábuas da justiça e coberta com a toalha bordada de cumplicidades.
Feliz Natal aos que secam lágrimas no consolo da fé e plantam no chão da vida as sementes do porvir. E aos que criam hipocampos em aquários de mistério e conhecem a geometria da quadratura do círculo.
Feliz Natal a quem se embebeda de chocolate na esbórnia pascal da lucidez crítica e não receia pronunciar palavras onde a mentira costura bocas e enjaula consciências. E a todos que, com o rosto lavado das maquiagens de Narciso, dobram os joelhos à dignidade dos carvoeiros.
Feliz Natal a todos que sabem voar sem exibir as asas e abrem caminhos com os próprios passos, inebriados pelos ecos de profundas nostalgias. E aos que decifram enigmas sem revelar inconfidências e, nus, abraçam epifanias sob cachoeiras de magnólias.
Feliz Natal aos que saboreiam alvíssaras nos bosques onde vicejam anjos barrocos e nadam suas gorduras deixando os cabelos brancos flutuarem sobre a saciedade de anos bem vividos. E a todos que dão ouvidos à sinfonia cósmica e, nos salões da Via Láctea, bailam com os astros ao ritmo de siderais incertezas.
Feliz Natal também aos infelizes, aos tíbios e aos pusilânimes, aos que deixam a vida escorrer pelo ralo da mesquinhez e, no calor de seus apegos, vêem seus dias evaporar como o orvalho aquecido pelo alvorecer do verão.
Queira Deus que renasçam com o Menino que se aconchega em corações desenhados na forma de presépios.
◙ Frei Betto é escritor, autor do romance “Entre todos os homens” (Ática), entre outros livros.
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Organiza o Natal
Carlos Drummond de Andrade
Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.
Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.
Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.
A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.
A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.
Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.
O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.
Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.
A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.
O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.
E será Natal para sempre.
Texto extraído do livro "Cadeira de Balanço", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 52.
Esses abraços que não duram um dia
Por que abraçar as serpentes que cultivamos e fingir que não vemos a dor que elas produzem lá mais distante, onde meus olhos não alcançam, minha solidariedade não atinge e minha voz não leva nenhum acalanto? Queria um Natal onde o homem amasse de fato a si mesmo e aos outros.
Moisés Diniz
Fico impressionado com o comportamento das pessoas nestes dias de resguardo de Natal e aguardo de Ano Novo. É como se uma luz incandescente emergisse de cada veia e de cada neurônio. É um espetáculo o que acontece no cérebro de cada pessoa.
As pessoas ficam mais alegres, acreditam mais, reduzem os seus medos. Acreditam que o 13º salário vai quitar todas as dívidas e que, de uma hora para outra, a vida vai ser bem melhor no ano que vai nascer.
Aquele que te fez sofrer aperta a tua mão e tu respondes com ternura ao mesmo aperto de mãos. O carrasco que te algemou recebe um abraço teu, mesmo que não tenhas mãos.
O menino da periferia, de cor negra e já sem dentes básicos, aguarda inquieto aquele embrulho que vai lhe trazer alegria. O seu pobre pai, alcoolizado na esquina, não percebe o tamanho do sonho do filho. E se percebe se alcooliza para não perceber.
A menina adolescente acredita que são verdadeiras aquelas palavras lindas que ouviu no celular, que só liga a cobrar, e que não vai demorar a chegada daquele príncipe encantado.
Ela não sabe que aquele calhorda quer apenas se aproveitar de sua carne tenra. Que do outro lado da vila, da vida, da palafita ele dorme numa mansão inconsolável e que o seu sonho juvenil vai acordar com os gritos da primeira briga de rua do ano.
O dono do boteco na ponta da rua acredita que todo o bairro esquecido pelos homens do poder vai se lembrar de quitar as suas dívidas. Ele sonha encher, no ano que vem e que chega nas primeiras luzes e nos mais sutis apertos de mão, as prateleiras com mais feijão e açúcar, bolacha, sardinha e arroz, palito de fósforo, pouco papel, goiabada e cibalena, muito sal, farinha e pão dormido, lâmina de barbear semanal.
O homem do boteco é como a gente que vende sonhos a prazo, não exige assinatura, não cobra a fatura e nem digital. Tudo fica aguardando o Natal, o Ano Novo que vai chegar como búfalo, locomotiva e temporal.
Esses dias especiais vão trazer de volta o meu emprego, a minha alegria, o meu pão, a mulher perdida, a conta esquecida que o vizinho não pagou. Vai ter leite em toda mama, vergonha em todo homem, beleza em toda dama.
Não serei mais tão estúpido a ponto de não perceber os olhares do povo que exige mais abrigo, escola e pão. Vou abraçar o amanhecer e ver que a vida não passa de um pedaço do universo que também se partiu.
Verei que a felicidade humana é como um pouco de carne na boca sempre faminta de um rico qualquer. E que cada um alimenta o seu animal a partir do tamanho da alma do seu próprio dono.
Por isso me incomodam esses abraços, que parecem laços, pedaços de sonhos que não vão se realizar, como se uma serpente engolisse a outra que também lhe quer bem.
Neste Natal as serpentes de cada mente humana vão abraçar as outras serpentes. Será um abraço de quem come e dorme, veste e acorda a custa do trabalho humano, dos outros trabalhos que não são os seus.
Neste final de ano incerto eu vou abraçar meus amigos que ainda não conheci. Pois sei o quanto é fácil abraçar o meu irmão, minha filha, meu parente. Como abraçar os que choram nas ruas nas quais eu não ando, nas periferias que me fazem medo?
Como dizer ‘Feliz Natal’ para quem não nasceu e ‘Feliz Novo Ano’ para quem envelheceu? Por que abraçar as serpentes que cultivamos e fingir que não vemos a dor que elas produzem lá mais distante, onde meus olhos não alcançam, minha solidariedade não atinge e minha voz não leva nenhum acalanto?
Um Natal assim me deixa doente, é como uma doença antiga, do tempo em que o meu coração se partiu em três, quatro pedaços colossais, a amar meus desejos pequenos e a esquecer os desejos gigantes da humanidade.
Queria um Natal diferente, onde o homem amasse de fato a si mesmo e aos outros. Que as árvores não fossem sufocadas pelos coronéis do carbono, nem as águas, nem o ar, nem as larvas, nem as sementes, nem os pássaros sadios, os doentes, nem as raízes, nem os lagos, nem os homens, nem os peixes, nem os animais de pele, de escama, de asas, nem as lagartas, nem a terra.
Nenhum pedaço de sol eu posso dar, nenhuma esmola que não agüenta uma investigação. Por isso eu vou proteger o sol neste Natal, a única beleza natural que eu posso cuidar. Abraçar a lua não me deixará em conflito com os donos do poder.
Acho que vou acabar abraçando a chuva aqui nesta Amazônia indecente, que fica nua nas aldeias indígenas e não se preocupa com a cretinice dos apóstatas do verde e apóstolos do medo e da moral divina.
Vou abraçar o vento, vou falar com os pedaços soltos de asfalto, porque sei que eles são restos mortais milenares de nossos antepassados, de nossas árvores, animais, tudo que se acumulou no subsolo invisível do planeta. Com eles conversarei.
Pedirei perdão aos entes da floresta, aos meninos pobres e às adolescentes convertidas à prostituição, aos desempregados do capital, aos negros, aos povos indígenas, aos homossexuais, aos africanos, palestinos, aos latinos e iraquianos.
Feliz Natal ao homem das margens dos igarapés amazônicos, às mulheres que não lhe deram a oportunidade de pintar o cabelo, os lábios, usar um bracelete, um vestido de moda, aos pássaros que não se vestem contra o frio ou para adornar a noite.
Lutarei contra os meus medos e as minhas antipatias ao novo, ao desconhecido e a tudo aquilo que maltrata e provoca dúvida, preconceito e aversão. Uma idéia nova, uma pessoa doente, sem lar e esperança, uma nódoa na minha blusa de linho, um desvio no meu caminho, um medo de repartir, de amar.
Feliz Natal aos homens de sonho nobre, de idéias encantadas e coletivas. Que cada silêncio de rua faça nascer uma fogueira de sonhos.
Feliz Natal à humanidade que não se rende ao atraso de acumular sempre as mesmas dores no costado dos fracos e as mais iluminadas alegrias nas almas de poucos.
Feliz Natal!
◙ Moisés Diniz é professor e deputado estadual do Acre.
Moisés Diniz
Fico impressionado com o comportamento das pessoas nestes dias de resguardo de Natal e aguardo de Ano Novo. É como se uma luz incandescente emergisse de cada veia e de cada neurônio. É um espetáculo o que acontece no cérebro de cada pessoa.
As pessoas ficam mais alegres, acreditam mais, reduzem os seus medos. Acreditam que o 13º salário vai quitar todas as dívidas e que, de uma hora para outra, a vida vai ser bem melhor no ano que vai nascer.
Aquele que te fez sofrer aperta a tua mão e tu respondes com ternura ao mesmo aperto de mãos. O carrasco que te algemou recebe um abraço teu, mesmo que não tenhas mãos.
O menino da periferia, de cor negra e já sem dentes básicos, aguarda inquieto aquele embrulho que vai lhe trazer alegria. O seu pobre pai, alcoolizado na esquina, não percebe o tamanho do sonho do filho. E se percebe se alcooliza para não perceber.
A menina adolescente acredita que são verdadeiras aquelas palavras lindas que ouviu no celular, que só liga a cobrar, e que não vai demorar a chegada daquele príncipe encantado.
Ela não sabe que aquele calhorda quer apenas se aproveitar de sua carne tenra. Que do outro lado da vila, da vida, da palafita ele dorme numa mansão inconsolável e que o seu sonho juvenil vai acordar com os gritos da primeira briga de rua do ano.
O dono do boteco na ponta da rua acredita que todo o bairro esquecido pelos homens do poder vai se lembrar de quitar as suas dívidas. Ele sonha encher, no ano que vem e que chega nas primeiras luzes e nos mais sutis apertos de mão, as prateleiras com mais feijão e açúcar, bolacha, sardinha e arroz, palito de fósforo, pouco papel, goiabada e cibalena, muito sal, farinha e pão dormido, lâmina de barbear semanal.
O homem do boteco é como a gente que vende sonhos a prazo, não exige assinatura, não cobra a fatura e nem digital. Tudo fica aguardando o Natal, o Ano Novo que vai chegar como búfalo, locomotiva e temporal.
Esses dias especiais vão trazer de volta o meu emprego, a minha alegria, o meu pão, a mulher perdida, a conta esquecida que o vizinho não pagou. Vai ter leite em toda mama, vergonha em todo homem, beleza em toda dama.
Não serei mais tão estúpido a ponto de não perceber os olhares do povo que exige mais abrigo, escola e pão. Vou abraçar o amanhecer e ver que a vida não passa de um pedaço do universo que também se partiu.
Verei que a felicidade humana é como um pouco de carne na boca sempre faminta de um rico qualquer. E que cada um alimenta o seu animal a partir do tamanho da alma do seu próprio dono.
Por isso me incomodam esses abraços, que parecem laços, pedaços de sonhos que não vão se realizar, como se uma serpente engolisse a outra que também lhe quer bem.
Neste Natal as serpentes de cada mente humana vão abraçar as outras serpentes. Será um abraço de quem come e dorme, veste e acorda a custa do trabalho humano, dos outros trabalhos que não são os seus.
Neste final de ano incerto eu vou abraçar meus amigos que ainda não conheci. Pois sei o quanto é fácil abraçar o meu irmão, minha filha, meu parente. Como abraçar os que choram nas ruas nas quais eu não ando, nas periferias que me fazem medo?
Como dizer ‘Feliz Natal’ para quem não nasceu e ‘Feliz Novo Ano’ para quem envelheceu? Por que abraçar as serpentes que cultivamos e fingir que não vemos a dor que elas produzem lá mais distante, onde meus olhos não alcançam, minha solidariedade não atinge e minha voz não leva nenhum acalanto?
Um Natal assim me deixa doente, é como uma doença antiga, do tempo em que o meu coração se partiu em três, quatro pedaços colossais, a amar meus desejos pequenos e a esquecer os desejos gigantes da humanidade.
Queria um Natal diferente, onde o homem amasse de fato a si mesmo e aos outros. Que as árvores não fossem sufocadas pelos coronéis do carbono, nem as águas, nem o ar, nem as larvas, nem as sementes, nem os pássaros sadios, os doentes, nem as raízes, nem os lagos, nem os homens, nem os peixes, nem os animais de pele, de escama, de asas, nem as lagartas, nem a terra.
Nenhum pedaço de sol eu posso dar, nenhuma esmola que não agüenta uma investigação. Por isso eu vou proteger o sol neste Natal, a única beleza natural que eu posso cuidar. Abraçar a lua não me deixará em conflito com os donos do poder.
Acho que vou acabar abraçando a chuva aqui nesta Amazônia indecente, que fica nua nas aldeias indígenas e não se preocupa com a cretinice dos apóstatas do verde e apóstolos do medo e da moral divina.
Vou abraçar o vento, vou falar com os pedaços soltos de asfalto, porque sei que eles são restos mortais milenares de nossos antepassados, de nossas árvores, animais, tudo que se acumulou no subsolo invisível do planeta. Com eles conversarei.
Pedirei perdão aos entes da floresta, aos meninos pobres e às adolescentes convertidas à prostituição, aos desempregados do capital, aos negros, aos povos indígenas, aos homossexuais, aos africanos, palestinos, aos latinos e iraquianos.
Feliz Natal ao homem das margens dos igarapés amazônicos, às mulheres que não lhe deram a oportunidade de pintar o cabelo, os lábios, usar um bracelete, um vestido de moda, aos pássaros que não se vestem contra o frio ou para adornar a noite.
Lutarei contra os meus medos e as minhas antipatias ao novo, ao desconhecido e a tudo aquilo que maltrata e provoca dúvida, preconceito e aversão. Uma idéia nova, uma pessoa doente, sem lar e esperança, uma nódoa na minha blusa de linho, um desvio no meu caminho, um medo de repartir, de amar.
Feliz Natal aos homens de sonho nobre, de idéias encantadas e coletivas. Que cada silêncio de rua faça nascer uma fogueira de sonhos.
Feliz Natal à humanidade que não se rende ao atraso de acumular sempre as mesmas dores no costado dos fracos e as mais iluminadas alegrias nas almas de poucos.
Feliz Natal!
◙ Moisés Diniz é professor e deputado estadual do Acre.
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Ponto para Derci
Assisti ao vídeo do discurso do assessor do governo, Toinho Alves, ao receber o Prêmio Chico Mendes de Florestania, no último sábado, e lembrei da presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Derci Teles de Carvalho.
Toinho refletiu sobre a ausência de alternativas e a falta de foco no extrativismo que levaram o seringueiro a lançar mão daquilo contra o que se insurgiu sob o comando de Chico Mendes: a pecuária. Alguns dias antes, com outras palavras, Derci já havia dito a mesma coisa que o jornalista.
Derci foi acusada de advogar em favor de fazendeiros quando saiu em defesa dos seringueiros tradicionais que começaram a ser indelicadamente abordados pelo Ibama. Anselmo Forneck chegou a chamá-la de irresponsável por ter classificado a ação do órgão ambiental como "violência contra os trabalhadores".
Na tarde da última segunda-feira, no encerramento da Semana Chico Mendes, Derci organizou uma manifestação de trabalhadores para chamar a atenção do governador Binho Marques para o problema. O ato não chegou a acontecer, mas a estratégia da sindicalista funcionou.
Uma audiência para discutir a questão com os trabalhadores foi anunciada por Adonay Oliveira Brito, da Secretaria de Articulação Institucional do governo do Estado. O governador vai se reunir com os produtores da comunidade Maloca após o Natal.
Derci diz que não é contra o cumprimento da lei com relação à Reserva, mas defende que isso ocorra sem repressão aos trabalhadores que encontraram na criação de gado a alternativa para complementar a renda do extrativismo, segundo ela insuficiente para suprir as suas necessidades de sobrevivência.
Franca, assim como o intelectual Toinho, Derci afirma que o extrativismo está falido e que muitos dos ideais de Chico Mendes foram desvirtuados no decorrer dos últimos 20 anos. Derci, que "despartidarizou" o sindicato criado por Chico Mendes, prega no deserto, mas agora ganhou a companhia de respeitado pensador da realidade acreana. Ponto para Derci.
Encerramento da Semana Chico Mendes
Missa, caminhada e visita ao túmulo do seringueiro encerram a programação do "Ano Chico Mendes". Ato quase teve manifestação de trabalhadores rurais contra o Ibama.
Cerca de duzentas pessoas caminharam na tarde desta segunda-feira, 22, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri até o túmulo onde está sepultado o seringueiro Chico Mendes, no cemitério São José. O ato foi o penúltimo da programação da Semana Chico Mendes referente ao ano de 2008, chamado de "Ano Chico Mendes".
Do cemitério, onde aconteceu uma rápida cerimônia, os participantes seguiram para a igreja de São Sebastião, onde o arcebispo de Porto Velho (RO), Dom Moacyr Grechi, celebrou a missa em memória do sindicalista, junto com o bispo Dom Joaquim, da Diocese de Rio Branco, e o pároco de Xapuri, Francisco das Chagas.
Dentre as autoridades que vieram a Xapuri estavam o governador Binho Marques, o ex-governador Jorge Viana, o senador Tião viana e o prefeito de Rio Branco, Raimundo Angelim. Os três primeiros foram convidados por Dom Moacyr, durante a celebração, a fazerem breves discursos em homenagem a Chico Mendes.
- A principal contribuição do Chico para o Acre que temos hoje foi ele ter conseguido unir os diferentes em torno de um mesmo propósito. Essa Semana Chico Mendes mostrou que aquilo que ele sonhou está se concretizando e, com certeza, isso vai continuar por muitos anos, disse o governador.
Elenira Mendes, filha do líder sindical e presidente do instituto que leva o nome do pai, afirmou que o seu sentimento, 20 anos após a morte de Chico, é um misto de tristeza e alegria, resultante da saudade e da certeza de que os ideais do ambientalista continuam vivos.
- Depois de 20 anos as lembranças são muito vivas na memória e isso traz muita tristeza, dor e saudade. Mas eu sei que os sonhos de meu pai permanecem vivos e sua memória continua viva, por isso esse momento é também de alegria por saber que ele continua vivo no coração de quem acredita nos seus ideais, disse ela.
Elenira avaliou como positiva a programação e afirmou que muita coisa mudou para melhor, mas que é preciso trabalhar para melhorar mais ainda. Ela tinha a intenção de ver acontecer alguns eventos de maior peso em Xapuri, neste ano, que não se concretizaram. Ela chegou a se encontrar com os músicos da banda mexicana Maná, tentando trazê-los ao Acre, mas o objetivo não se tornou possível.
A coordenação da programação da Semana também chegou a anunciar a possível vinda ao Acre do presidente Lula, que faria um pronunciamento a partir de Xapuri ou em Brasília, mas isso também não se concretizou. O presidente até fez um pronunciamento em rede nacional nesta segunda-feira, mas não fez nenhuma referência a Chico Mendes. Clique aqui para ler a íntegra do pronunciamento e aqui para ouvir.
Protesto
Um fato, ocorrido um pouco antes que a comitiva do governador Binho Marques chegasse ao cemitério, passou quase que despercebido. Produtores rurais da região da comunidade Maloca, na Reserva Extrativista Chico Mendes, chegaram a organizar um protesto silencioso durante a cerimônia contra a repressão que alegam estar recebendo da operação Resex Legal, do Ibama.
A intenção dos produtores, liderados pela presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Derci Teles de Carvalho, era o de chamar a atenção do governo do Estado para a questão que envolve a polêmica em torno da ação do Ibama contra os ocupantes irregulares da área de conservação notificados pelo órgão ambiental. Mesmo sem chegar a acontecer, a manifestação teve êxito.
Adonay Oliveira Brito, da Secretaria de Articulação Institucional do governo, negociou com os trabalhores e garantiu que já está na agenda do governador Binho Marques um encontro com as lideranças da comunidade, para depois do Natal, com o objetivo de discutir o problema. As faixas de protesto foram, então, retiradas.
- O governo vai tratar do problema com a devida preocupação que a questão requer. Não é uma questão simples, requer uma discussão mais profunda e nós estamos construindo essa agenda", disse ele.
Derci Teles, presidente do Sindicato, confirmou que o principal objetivo da tentativa de protesto foi alcançado, que era o de chamar a atenção do governador para o caso. A sindicalista acredita que o governo do Estado tem mais condições de discutir essa questão com o governo federal que o movimento dos trabalhadores.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Darly Alves: "Não mandei matar Chico Mendes"
Na quinta-feira da semana passada, dia 18 de dezembro, levei o jornalista Altino Machado até a fazenda Paraná, na BR-317, a 25 km de Xapuri, onde cumpre prisão domiciliar o fazendeiro Darly Alves da Silva, condenado há 18 anos como o mandante do assassinato de Chico Mendes, morto com um tiro de escopeta no peito, na porta dos fundos de sua casa, há exatos 20 anos.
Altino havia feito algumas tentativas infrutíferas de agendar uma entrevista com Darly para o Blog da Amazônia por intermédio de um dos filhos do fazendeiro, Oloci Alves, com quem chegou a conversar em Rio Branco. Recorreu a mim, que havia falado com o fazendeiro há cerca de um mês na delegacia de Xapuri, quando este foi denunciar o próprio filho, José Góes, acusado de matar a madrasta, Francisca Vanderléia, última mulher de Darly.
Naquela ocasião, depois de falar sobre o assassinato da mulher, Darly manifestou o desejo de ter espaço na mídia para contar sua versão sobre o caso Chico Mendes. Chegou a dizer que tinha vontade de ver sua história narrada em livro. Achei que o interesse do jornalista em entrevistá-lo seria um boa oportunidade para o fazendeiro trazer à luz algo de novo sobre a sua conhecida história.
Ao chegar à fazenda Paraná fomos recebidos por Guinaldo, o mais novo dos cinco filhos de Darly com a sua primeira mulher, Natalina. Desconfiado, disse que não nos levaria à presença do pai que, segundo ele, costuma ter as afirmações mal interpretadas pela imprensa, chegando a ser prejudicado por conta de informações distorcidas ou inverídicas. "Jornalista, eu não confio em nenhum", disse na nossa cara.
Guinaldo relata que a declaração que Darly fez ao repórter da Rede Globo, Ernesto Paglia, levada ao ar há duas semanas, afirmando que "Chico Mendes ninguém matou, quem se matou foi ele mesmo", aconteceu em janeiro de 2008 e que a emissora omitiu essa informação do telespectador. "Isso foi prejudicial para o pai", afirmou ele.
Argumentei que nossa intenção não era prejudicar Darly e que o fato de eu residir em Xapuri e trabalhar na Rádio Educadora 6 de Agosto seria garantia de que não publicaríamos nada que comprometesse ou desagradasse o fazendeiro. Altino, já temendo haver perdido a viagem, apelou: "Você poderia dizer a ele que nós queremos apenas conversar". Depois de pensar por alguns segundos, ordenou que Osmar, filho de Oloci, fosse até Darly informar de minha presença e de "um outro de Rio Branco".
Minutos depois o mensageiro retorna informando que Darly vem nos atender. Somos convidados a entrar e logo chega o homem que veio para o Acre em 1974 para se tornar, ao lado do irmão Alvarino, um dos mais bem sucedidos e respeitados pecuaristas da região de Xapuri. O aspecto físico e a maneira simples de se vestir e falar não o remete à fama de homem violento que o tornou uma das pessoas mais temidas do Acre.
Ao nos cumprimentar deixou claro que não concederia entrevista, alegando que isso não o ajudaria em nada e ainda poderia o prejudicar, relembrando o episódio em que fora mal interpretado pelo repórter da Globo. "Eu falei aquilo com base nas escrituras sagradas, que dizem que quem atiça a ira do outro também comete homicídio. Censuraram mal e eu peço desculpas à família de Chico Mendes", disse ele.
A firme intenção em não dar declarações foi sucumbindo frente à insistência de Altino Machado que aos poucos foi conseguindo fazê-lo ficar mais à vontade e responder algumas perguntas com gravador desligado. Porém, quando Altino tentou ligar o equipamento, Darly se enervou subitamente e quase coloca fim à conversa.
"Vou embora", afirmou se dirigindo ao filho Guinaldo, "já falei que não quero entrevista", e virando-se para mim: "Eu venho aqui lhe atender e você traz um comparsa. Você tá cumpliciando?", perguntou demonstrando aborrecimento. Digo-lhe que havia explicado a Oloci a minha intenção e que iria acompanhado de Altino que, por sua vez, coloca a mão no ombro de Darly e recomeça o trabalho de convencê-lo a deixar que ligue a câmera fotográfica no modo de filmagem para que ele possa expor as razões para não conceder a entrevista.
Mais confiante e à vontade com a nossa presença autorizou que a câmera fosse ligada e falou por cerca de 15 minutos. Se mostrando ainda abalado com a morte de Francisca Vanderléia, a "Léia", com quem se relacionava há cinco anos, Darly afirmou que tem a intenção de deixar o Acre para viver em Brasília, onde cumpriu parte de sua pena, que tem previsão de acabar somente em 2015. Sobre os comentários de que o governo prentende transformar a área em um pólo agroflorestal, disse que pode vender suas terras caso lhe ofereçam um preço justo.
Sobre a família de Chico Mendes, Darly diz que acredita que nenhum deles lhe guarda rancor e voltou a afirmar que não mandou matar o seringueiro. Sobre a suposta promessa de Darci de que iria revelar os nomes dos demais mandantes quando o crime completasse 20 anos, disse não lembrar se o filho fez essa promessa:
- Eu perguntei muitas vezes a mesma coisa, mas ele sempre ficou calado. Eu dizia que poderia ser beneficiado se ele revelasse quem mandou matar o Chico Mendes, mas nada. O que posso dizer é que nunca paguei advogado pro Darci. Alguém pagou. Não sei se foi o falecido Gastão Mota, o falecido ex-prefeito Adalberto Aragão, coronel Chicão ou outro qualquer - afirmou.
A íntegra da gravação feita por Altino Machado está disponível em Terra Magazine e a transcrição da entrevista está no Blog da Amazônia.
20 anos sem Chico Mendes
Há vinte anos era assassinado o grande líder ecologista Chico Mendes. Um mês antes ele estivera no Rio junto com os verdes na manifestação Salve a Amazônia.
Alfredo Sirkis
Conheci o Chico Mendes em Xapuri, em 1987. Estava organizado o PV no Acre e fui a Xapuri encontrá-lo. Foi uma amizade intensa, instantânea, e um pacto imediato de apoio nossos à luta dos seringueiros que, na nossa ótica, representava a junção das lutas sociais e ambientais. Voltando ao Rio passei a montar uma rede de apoio ao Chico Mendes que logo veio ao Rio e participou de um encontro dos verdes em Petrópolis. Nessa época apresentei o Chico a João Augusto Fortes e alguns outros empresários que começavam a se interessar pela causa verde. João já sonhava em ajudar os seringueiros a criar produtos de látex que pudessem ser comercializados e sustentar as reservas extrativistas.
Nessa época fiz uma entrevista com o Chico para o JB que não quis publicá-la. O editor de então dizia que tinha mais interesse nos garimpeiros do que nos seringueiros. Com raiva lhe respondi que possivelmente se interessaria por ele quanto fosse assassinado. Tinha uma constante preocupação com o Chico que estava ameaçado de morte por vários pecuaristas que tinha impedido de ampliar sua "fronteira de pasto" realizando "empates". Um deles, Darli Alves, parecia o mais perigoso. O mais preocupante é que parecia haver uma ligação da Policia Federal, supostamente lá para protegê-lo, com os fazendeiros inclusive Darli. O Conselho Nacional de Seringueiros descobriu que ele tinha crimes de morte no Paraná, inclusive um mandado de prisão. A informação foi vazada para ele que foi se esconder e jurou de morte o Chico que considerava responsável pela revelação de seus antecedentes.
No Rio, logo depois das eleições de novembro de 88, organizamos um grande ato chamado Salve a Amazônia, que consistia numa maratona andando, correndo e pedalando do Jardim Botânico ao Monumento a Estácio de Sá, no Aterro do Flamengo, e a colocação de um imenso pano de juta com os dizeres Salve a Amazônia. Foi uma manifestação notável da qual tenho muitas imagens até hoje. Vejo e revejo as cenas: Betinho, Lucélia Santos, John Neschling, Gabeira, Minc, Nei Matogrosso, Louise Cardoso. Há uma cena do Chico conversando comigo no meu velho Opala verde oliva quando nos dirigíamos ao bondinho do Pão de Açúcar. Falávamos sobre seus problemas de segurança e ele admitindo o perigo que representava o tal Darli Alves. Eu tentando convencê-lo a ficar no Rio até que conseguíssemos fundos para contratar um grupo de seguranças particulares, pois pelas histórias que ele contava, os policiais que o protegiam eram pouco confiáveis. A certa altura achei que o tinha convencido. Nossas amigas Rosa e Dora também faziam pressão nesse sentido. O Chico decidiu ficar no Rio. Depois por pressão da esposa que ficara sozinha - queríamos trazer a família dele também - ele decidiu passar o Natal em Xapuri.
Um mês depois foi assassinado. Tornou-se um mártir internacional da causa ecológica, um símbolo, uma bandeira de luta, mas a perda foi irreparável. Era um ser humano extraordinário: generoso, sensível, divertido e um dos poucos quadros capazes de unificar em torno de uma causa comum setores díspares: seringueiros, índios, ecologistas, ambientalistas norte-americanos, PT, PV, etc. Não se encontrou mais um líder com as mesmas características. A causa da Amazônia tornou-se internacional com a repercussão de sua morte, mas penso que teria feito muito mais, vivo. De qualquer jeito, aos que ficamos fica também a obrigação de não deixar que sua morte tenha sido em vão e isso hoje se expressa na luta para que o Brasil assuma metas de redução de queimadas e desmatamentos.
Passaram já vinte anos do assassinato de Chico Mendes e do escândalo internacional decorrente, nada é capaz de afastar essa horrenda sensação de que talvez ele tenha morrido em vão. A pecuária, as monoculturas, a extração de madeira predatória e os assentamentos e “colonização”, cinicamente apresentados como “reforma agrária” na região amazônica, vêm agravando o quadro sem tréguas. Os ganhos econômicos e os avanços sociais vinculados a esses tipos de atividade são efêmeros e perversos: a péssima qualidade do pasto, o baixo preço e o enorme desperdício da madeira extraída, as dificuldades para a exploração agrícola, os ganhos econômicos e sociais predatórios, de curtíssimo prazo, sem sustentabilidade, que vaticinam uma catástrofe de implicações planetárias, ainda no horizonte de vida de nossos filhos e netos. Isso sem falar do drama atual, das cidades infestadas de fumaça, dos aeroportos fechados, das culturas tradicionais destruídas, da biodiversidade exterminada.
Até hoje a economia vem jogando constantemente contra a ecologia, na região amazônica. A única chance de reverter esse processo de devastação, de conseqüências planetárias é viabilizar um ciclo econômico sustentável de extrativismo não predatório, ecoturismo e exploração inteligente das imensas possibilidades vinculadas à biodiversidade implementar o zoneamento ecológico e econômico da região e, sobretudo, estimular outras alternativas econômicas, inclusive nas cidades amazônicas.
Existe, em tese, a possibilidade de exploração sustentável da madeira, como também da mineração, mas é preciso que se diga alto e em bom tom, que ela é totalmente inviável no atual contexto político local, no presente estado de coisas institucional, psicossocial, cultural e técnico da região. Sem fiscalização eficaz, sem empresas minimamente responsáveis, sem instituições locais confiáveis, sem conscientização, sem organização social, num contexto totalmente dominado pelo coronelismo truculento e a corrupção, qualquer idéia de manejo sustentável, quer em áreas particulares, quer em concessões, no interior de florestas nacionais é empulhação e propaganda enganosa. Atualmente o IBAMA não tem, nem de longe, os meios e, muito raramente, a vontade política necessária para fazer frente à situação.
O que cabe neste momento, na Amazônia, é um bom “freio de arrumação”. Uma moratória por cinco anos da extração nas áreas consideradas críticas, a expulsão das madeireiras asiáticas e uma estratégia de repressão combinada com uma assistência direta do poder público aos socialmente atingidos, com a criação de um subsídio para o não-desmatamento. Podem ser criadas frentes de trabalho onde os atuais cortadores de árvores sejam remunerados para recuperar áreas degradadas. É necessário quantificar essa ação e definir as zonas prioritárias. Salvar a Amazônia, permitindo ganhar tempo para um futuro desenvolvimento sustentável, certamente não sairá mais caro do que salvar um punhado de bancos falidos. Recursos internacionais seriam mais facilmente captados e melhor gastos nesse contexto.
É dever constitucional de o Presidente solicitar o concurso das Forças Armadas para deter a destruição desta parte ameaçada da Pátria que é o ecossistema amazônico, com conseqüências planetárias. O Brasil aparece como o quarto maior emissor de CO2 em função das queimadas. Das instituições nacionais apenas elas têm a capacidade operacional para monitorar e controlar uma região tão vasta. Essas operações devem abranger a proteção à fiscalização do IBAMA, reforçada por outros órgãos, a dissuasão à eventual resistência das máfias locais, a destruição, no próprio local, de todos os equipamentos usados na devastação ilegal, a prisão dos responsáveis. O governo brasileiro precisa anunciar ao mundo, com vistas a conferencia de Copenhagen, no final de 2009, sua disposição de estabelecer objetivos de redução de suas emissões decorrentes da devastação das florestas e iniciar logo a execução do plano que anunciou em final de novembro. Há vinte anos passados da morte do herói Chico Mendes essa é a única homenagem digna que se lhe pode prestar.
◙ Alfredo Hélio Sirkis é político, jornalista e escritor brasileiro. Na foto, participando da caminhada do leblon ao Leme, no Rio de Janeiro, organizada neste domingo (21)pelo movimento Brasil no Clima e pelo PV em homenagem a Chico Mendes.
Alfredo Sirkis
Conheci o Chico Mendes em Xapuri, em 1987. Estava organizado o PV no Acre e fui a Xapuri encontrá-lo. Foi uma amizade intensa, instantânea, e um pacto imediato de apoio nossos à luta dos seringueiros que, na nossa ótica, representava a junção das lutas sociais e ambientais. Voltando ao Rio passei a montar uma rede de apoio ao Chico Mendes que logo veio ao Rio e participou de um encontro dos verdes em Petrópolis. Nessa época apresentei o Chico a João Augusto Fortes e alguns outros empresários que começavam a se interessar pela causa verde. João já sonhava em ajudar os seringueiros a criar produtos de látex que pudessem ser comercializados e sustentar as reservas extrativistas.
Nessa época fiz uma entrevista com o Chico para o JB que não quis publicá-la. O editor de então dizia que tinha mais interesse nos garimpeiros do que nos seringueiros. Com raiva lhe respondi que possivelmente se interessaria por ele quanto fosse assassinado. Tinha uma constante preocupação com o Chico que estava ameaçado de morte por vários pecuaristas que tinha impedido de ampliar sua "fronteira de pasto" realizando "empates". Um deles, Darli Alves, parecia o mais perigoso. O mais preocupante é que parecia haver uma ligação da Policia Federal, supostamente lá para protegê-lo, com os fazendeiros inclusive Darli. O Conselho Nacional de Seringueiros descobriu que ele tinha crimes de morte no Paraná, inclusive um mandado de prisão. A informação foi vazada para ele que foi se esconder e jurou de morte o Chico que considerava responsável pela revelação de seus antecedentes.
No Rio, logo depois das eleições de novembro de 88, organizamos um grande ato chamado Salve a Amazônia, que consistia numa maratona andando, correndo e pedalando do Jardim Botânico ao Monumento a Estácio de Sá, no Aterro do Flamengo, e a colocação de um imenso pano de juta com os dizeres Salve a Amazônia. Foi uma manifestação notável da qual tenho muitas imagens até hoje. Vejo e revejo as cenas: Betinho, Lucélia Santos, John Neschling, Gabeira, Minc, Nei Matogrosso, Louise Cardoso. Há uma cena do Chico conversando comigo no meu velho Opala verde oliva quando nos dirigíamos ao bondinho do Pão de Açúcar. Falávamos sobre seus problemas de segurança e ele admitindo o perigo que representava o tal Darli Alves. Eu tentando convencê-lo a ficar no Rio até que conseguíssemos fundos para contratar um grupo de seguranças particulares, pois pelas histórias que ele contava, os policiais que o protegiam eram pouco confiáveis. A certa altura achei que o tinha convencido. Nossas amigas Rosa e Dora também faziam pressão nesse sentido. O Chico decidiu ficar no Rio. Depois por pressão da esposa que ficara sozinha - queríamos trazer a família dele também - ele decidiu passar o Natal em Xapuri.
Um mês depois foi assassinado. Tornou-se um mártir internacional da causa ecológica, um símbolo, uma bandeira de luta, mas a perda foi irreparável. Era um ser humano extraordinário: generoso, sensível, divertido e um dos poucos quadros capazes de unificar em torno de uma causa comum setores díspares: seringueiros, índios, ecologistas, ambientalistas norte-americanos, PT, PV, etc. Não se encontrou mais um líder com as mesmas características. A causa da Amazônia tornou-se internacional com a repercussão de sua morte, mas penso que teria feito muito mais, vivo. De qualquer jeito, aos que ficamos fica também a obrigação de não deixar que sua morte tenha sido em vão e isso hoje se expressa na luta para que o Brasil assuma metas de redução de queimadas e desmatamentos.
Passaram já vinte anos do assassinato de Chico Mendes e do escândalo internacional decorrente, nada é capaz de afastar essa horrenda sensação de que talvez ele tenha morrido em vão. A pecuária, as monoculturas, a extração de madeira predatória e os assentamentos e “colonização”, cinicamente apresentados como “reforma agrária” na região amazônica, vêm agravando o quadro sem tréguas. Os ganhos econômicos e os avanços sociais vinculados a esses tipos de atividade são efêmeros e perversos: a péssima qualidade do pasto, o baixo preço e o enorme desperdício da madeira extraída, as dificuldades para a exploração agrícola, os ganhos econômicos e sociais predatórios, de curtíssimo prazo, sem sustentabilidade, que vaticinam uma catástrofe de implicações planetárias, ainda no horizonte de vida de nossos filhos e netos. Isso sem falar do drama atual, das cidades infestadas de fumaça, dos aeroportos fechados, das culturas tradicionais destruídas, da biodiversidade exterminada.
Até hoje a economia vem jogando constantemente contra a ecologia, na região amazônica. A única chance de reverter esse processo de devastação, de conseqüências planetárias é viabilizar um ciclo econômico sustentável de extrativismo não predatório, ecoturismo e exploração inteligente das imensas possibilidades vinculadas à biodiversidade implementar o zoneamento ecológico e econômico da região e, sobretudo, estimular outras alternativas econômicas, inclusive nas cidades amazônicas.
Existe, em tese, a possibilidade de exploração sustentável da madeira, como também da mineração, mas é preciso que se diga alto e em bom tom, que ela é totalmente inviável no atual contexto político local, no presente estado de coisas institucional, psicossocial, cultural e técnico da região. Sem fiscalização eficaz, sem empresas minimamente responsáveis, sem instituições locais confiáveis, sem conscientização, sem organização social, num contexto totalmente dominado pelo coronelismo truculento e a corrupção, qualquer idéia de manejo sustentável, quer em áreas particulares, quer em concessões, no interior de florestas nacionais é empulhação e propaganda enganosa. Atualmente o IBAMA não tem, nem de longe, os meios e, muito raramente, a vontade política necessária para fazer frente à situação.
O que cabe neste momento, na Amazônia, é um bom “freio de arrumação”. Uma moratória por cinco anos da extração nas áreas consideradas críticas, a expulsão das madeireiras asiáticas e uma estratégia de repressão combinada com uma assistência direta do poder público aos socialmente atingidos, com a criação de um subsídio para o não-desmatamento. Podem ser criadas frentes de trabalho onde os atuais cortadores de árvores sejam remunerados para recuperar áreas degradadas. É necessário quantificar essa ação e definir as zonas prioritárias. Salvar a Amazônia, permitindo ganhar tempo para um futuro desenvolvimento sustentável, certamente não sairá mais caro do que salvar um punhado de bancos falidos. Recursos internacionais seriam mais facilmente captados e melhor gastos nesse contexto.
É dever constitucional de o Presidente solicitar o concurso das Forças Armadas para deter a destruição desta parte ameaçada da Pátria que é o ecossistema amazônico, com conseqüências planetárias. O Brasil aparece como o quarto maior emissor de CO2 em função das queimadas. Das instituições nacionais apenas elas têm a capacidade operacional para monitorar e controlar uma região tão vasta. Essas operações devem abranger a proteção à fiscalização do IBAMA, reforçada por outros órgãos, a dissuasão à eventual resistência das máfias locais, a destruição, no próprio local, de todos os equipamentos usados na devastação ilegal, a prisão dos responsáveis. O governo brasileiro precisa anunciar ao mundo, com vistas a conferencia de Copenhagen, no final de 2009, sua disposição de estabelecer objetivos de redução de suas emissões decorrentes da devastação das florestas e iniciar logo a execução do plano que anunciou em final de novembro. Há vinte anos passados da morte do herói Chico Mendes essa é a única homenagem digna que se lhe pode prestar.
◙ Alfredo Hélio Sirkis é político, jornalista e escritor brasileiro. Na foto, participando da caminhada do leblon ao Leme, no Rio de Janeiro, organizada neste domingo (21)pelo movimento Brasil no Clima e pelo PV em homenagem a Chico Mendes.
Guerra no campo
20 anos depois da morte do seringueiro Chico Mendes, ícone da luta agrária na Amazônia, as mortes continuam
Marcelo Raulino - Diário do Nordeste
Vinte anos depois da morte do seringueiro Chico Mendes, vítima do conflito de terras na Amazônia, a situação no campo só tem piorado. Nos últimos dez anos aconteceram no Brasil 5.028 conflitos de terra com 363 mortes, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O legado de Mendes foi disseminado pelo mundo, possibilitou a criação de uma Fundação com seu nome que preserva suas idéias, mas a vida no campo continua tão violenta quanto na sua época.
O auge dos conflitos aconteceu exatamente no Governo Lula, sendo 2005 o marco, com 777 conflitos. Mas foi em 2003 o ano em que mais pessoas morreram devido a disputa de terras - 71. Os conflitos envolveram mais de 1,2 milhão de pessoas no País.
Chico Mendes foi morto na porta de casa, deixando mulher e dois filhos. Os acusados por sua morte, o fazendeiro Darly Alves da Silva e o filho dele, Darcy, foram condenados a 19 anos de cadeia, em 1990, e hoje estão em regime semi-aberto, continuam morando em Xapuri, cidade com 15 mil habitantes, berço de Chico Mendes.
Líder sindical, ele lutou quase dez anos contra o desmatamento para fazer pasto, o que acabava tirando também o ganha pão dos seringueiros. Ocorre que os donos das terras venderam a mesma para criadores de gado, iniciando a disputa, que culminou com a morte de Mendes.
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, que Chico ajudou a fundar hoje está esvaziado. Não compensa mais a lida com a seringa, pois não se consegue mais um bom preço pelo látex. A região vive da produção para a fábrica de preservativos, que absorve 10% da borracha do Acre.
Pastoral da Terra
De acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) os conflitos envolvendo trabalhadores rurais aumentaram 50% em 2007 com relação ao ano anterior. A surpresa foi a redução do número de mortes no Pará, palco do massacre do Eldorado do Carajás, em 1996, de 24 para 5 casos. Já em Roraima houve aumento da violência. Lá 63 pessoas foram ameaçadas de morte. A terra indígena Raposa Serra do Sol está no centro da disputa e mesmo com a vitória dos índios no Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu pela demarcação contínua das terras, contrariando os arrozeiros que moram nas terras, que queriam a demarcação em ilhas, os conflitos continuam, pois os não-índios continuam nas terras e há ameaças de mais violências.
No total, 28 trabalhadores foram assassinados em todo o Brasil em 2007 e 260 pessoas foram ameaçadas de morte. O relatório da CPT também aponta 66 tentativas de assassinatos e mais de 1.5 mil conflitos envolvendo trabalhadores rurais.
No Estado do Ceará em 2006 aconteceram 18 conflitos de terra, envolvendo 11.928 pessoas. Naquele ano os conflitos não resultaram em mortes.Já no ano passado, nos 26 conflitos ocorridos, que envolveram 12.714 pessoas, duas foram mortas, outras quatro sofreram tentativas de assassinatos e nove outras foram ameaçadas.
No Ceará existem sete áreas de conflitos, nos municípios de Cascavel, Chorozinho, Itapipoca (2), Pacatuba, Quixeramobim e São Luís do Curu, envolvendo um total de 924 famílias. No País, são 770 áreas de conflitos com um total de 94.9650 famílias envolvidas diretamente.
Na Amazônia ainda impera a lei do mais forte. Padres, trabalhadores rurais e missionários ou quem confrontar os chamados ´grileiros´ continuam sendo mortos. A exemplo da freira americana Dorothy Stang, assassinada em Anapu (PA), em 2005, com seis tiros, um na cabeça e cinco os redor do corpo, aos 73 anos. Vítima de um conflito sem fim.
Rol macabro
Lista da CPT indica 260 ameaçadosDe acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 260 pessoas estão ameaçadas de morte no País, devido conflitos agrários. São lideres do movimento pela reforma agrária, religiosos, dirigentes sindicais, índios, advogados, ribeirinhos e ambientalistas que defendem a preservação das águas e da floresta. O levantamento tem como base documentos, Boletins de Ocorrências ou queixas prestadas a procuradores de Justiça.
A situação mais grave encontra-se no Pará, onde 75 pessoas estão marcadas para morrer. Essas pessoas vivem em constante alerta. Recebem ameaças por escrito, por telefone e chegam a sofrer atentados. Fazer parte da lista não significa que a pessoa terá proteção dos poderes públicos. Neste ano o líder sem-terra Francisco da Silva, que integrava a relação do CPT foi morto. Ele presidia a Associação União dos Produtores Rurais do Amazonas, na cidade de Lábrea.
Outro que não contou com a proteção das autoridades foi o agricultor Valmir Mota de Oliveira, o Keno, que foi assassinado no Paraná. Militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), constava na lista da CPT e ele tinha sido ameaçado sete meses antes.
A disputa por terras na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ampliou a lista de ameaçados. Cleonildo Conceição André e Cassiano Filho, índios macuxi, e o sindicalista Flaviano Roberto estão jurados de morte, de acordo com a CPT. Das 260 pessoas apenas 10 contam com proteção policial. Os demais continuam militando e arriscando suas vidas de peito aberto.
Do Ceará,constam na lista um total de 9 pessoas - o índio Djacir Santos de Oliveira e outros 8 índios da tribo Tremembé no município de Itapipoca. O conflito acontece entre os índios e a empresa Espanhola Nova Atlântida.
Ações do governo
Desmatamento gera multas de R$ 3,45 biA Polícia Federal e os órgãos ambientais no Brasil tem atuado de forma efetiva no combate a ´grilagem´ e o desmatamento. Entre 2006 e 2007, por exemplo, foram aplicadas um total de R$ 3,45 bilhões em multas para coibir os crimes ambientais. Dados do próprio Ministério do Meio Ambiente estimam que desse total, menos de 10% chegaram efetivamente aos cofres públicos. Os nove estados da Amazônia Legal concentraram 34% dos autos de infração.
Para garantir agilidade no pagamento das multas o governo modificou a Lei de Crimes Ambientais, através do Decreto nº 6.686. A norma suspende, até dezembro de 2009, os embargos de ocupação irregular, mediante pedido de regularização da reserva legal. Além disso, quem fizer manejo florestal sem autorização prévia está sujeito à multa de R$ 1 mil por hectare ou fração.
Operações
Entre as várias operações de combate aos crimes ambientais, está a operação ´Guardiões da Amazônia´, coordenada pelo Ibama, que aplicou, este ano, R$ 382,1 milhões em multas; embargou mais de 19,4 mil hectares de terras e emitiu 132 autos de infração.
Já as operações realizadas pela Polícia Federal na Amazônia embargaram, desde fevereiro, um total de 359 áreas, totalizando 63 mil hectares. A PF aplicou R$ 361 milhões em multas e apreendeu 79,3 mil metros cúbicos de madeira em tora e 26, 7 metros cúbicos de madeira nas serrarias.
Apesar do desmatamento atingir diversos municípios, as ações estratégicas estão focadas nos 36 deles, responsáveis por 50% da derrubada da floresta. Entre as ações estão o recadastramento fundiário, limitações para novos desmatamentos, embargo das áreas ilegalmente desmatadas.
Marcelo Raulino - Diário do Nordeste
Vinte anos depois da morte do seringueiro Chico Mendes, vítima do conflito de terras na Amazônia, a situação no campo só tem piorado. Nos últimos dez anos aconteceram no Brasil 5.028 conflitos de terra com 363 mortes, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O legado de Mendes foi disseminado pelo mundo, possibilitou a criação de uma Fundação com seu nome que preserva suas idéias, mas a vida no campo continua tão violenta quanto na sua época.
O auge dos conflitos aconteceu exatamente no Governo Lula, sendo 2005 o marco, com 777 conflitos. Mas foi em 2003 o ano em que mais pessoas morreram devido a disputa de terras - 71. Os conflitos envolveram mais de 1,2 milhão de pessoas no País.
Chico Mendes foi morto na porta de casa, deixando mulher e dois filhos. Os acusados por sua morte, o fazendeiro Darly Alves da Silva e o filho dele, Darcy, foram condenados a 19 anos de cadeia, em 1990, e hoje estão em regime semi-aberto, continuam morando em Xapuri, cidade com 15 mil habitantes, berço de Chico Mendes.
Líder sindical, ele lutou quase dez anos contra o desmatamento para fazer pasto, o que acabava tirando também o ganha pão dos seringueiros. Ocorre que os donos das terras venderam a mesma para criadores de gado, iniciando a disputa, que culminou com a morte de Mendes.
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, que Chico ajudou a fundar hoje está esvaziado. Não compensa mais a lida com a seringa, pois não se consegue mais um bom preço pelo látex. A região vive da produção para a fábrica de preservativos, que absorve 10% da borracha do Acre.
Pastoral da Terra
De acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) os conflitos envolvendo trabalhadores rurais aumentaram 50% em 2007 com relação ao ano anterior. A surpresa foi a redução do número de mortes no Pará, palco do massacre do Eldorado do Carajás, em 1996, de 24 para 5 casos. Já em Roraima houve aumento da violência. Lá 63 pessoas foram ameaçadas de morte. A terra indígena Raposa Serra do Sol está no centro da disputa e mesmo com a vitória dos índios no Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu pela demarcação contínua das terras, contrariando os arrozeiros que moram nas terras, que queriam a demarcação em ilhas, os conflitos continuam, pois os não-índios continuam nas terras e há ameaças de mais violências.
No total, 28 trabalhadores foram assassinados em todo o Brasil em 2007 e 260 pessoas foram ameaçadas de morte. O relatório da CPT também aponta 66 tentativas de assassinatos e mais de 1.5 mil conflitos envolvendo trabalhadores rurais.
No Estado do Ceará em 2006 aconteceram 18 conflitos de terra, envolvendo 11.928 pessoas. Naquele ano os conflitos não resultaram em mortes.Já no ano passado, nos 26 conflitos ocorridos, que envolveram 12.714 pessoas, duas foram mortas, outras quatro sofreram tentativas de assassinatos e nove outras foram ameaçadas.
No Ceará existem sete áreas de conflitos, nos municípios de Cascavel, Chorozinho, Itapipoca (2), Pacatuba, Quixeramobim e São Luís do Curu, envolvendo um total de 924 famílias. No País, são 770 áreas de conflitos com um total de 94.9650 famílias envolvidas diretamente.
Na Amazônia ainda impera a lei do mais forte. Padres, trabalhadores rurais e missionários ou quem confrontar os chamados ´grileiros´ continuam sendo mortos. A exemplo da freira americana Dorothy Stang, assassinada em Anapu (PA), em 2005, com seis tiros, um na cabeça e cinco os redor do corpo, aos 73 anos. Vítima de um conflito sem fim.
Rol macabro
Lista da CPT indica 260 ameaçadosDe acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 260 pessoas estão ameaçadas de morte no País, devido conflitos agrários. São lideres do movimento pela reforma agrária, religiosos, dirigentes sindicais, índios, advogados, ribeirinhos e ambientalistas que defendem a preservação das águas e da floresta. O levantamento tem como base documentos, Boletins de Ocorrências ou queixas prestadas a procuradores de Justiça.
A situação mais grave encontra-se no Pará, onde 75 pessoas estão marcadas para morrer. Essas pessoas vivem em constante alerta. Recebem ameaças por escrito, por telefone e chegam a sofrer atentados. Fazer parte da lista não significa que a pessoa terá proteção dos poderes públicos. Neste ano o líder sem-terra Francisco da Silva, que integrava a relação do CPT foi morto. Ele presidia a Associação União dos Produtores Rurais do Amazonas, na cidade de Lábrea.
Outro que não contou com a proteção das autoridades foi o agricultor Valmir Mota de Oliveira, o Keno, que foi assassinado no Paraná. Militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), constava na lista da CPT e ele tinha sido ameaçado sete meses antes.
A disputa por terras na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ampliou a lista de ameaçados. Cleonildo Conceição André e Cassiano Filho, índios macuxi, e o sindicalista Flaviano Roberto estão jurados de morte, de acordo com a CPT. Das 260 pessoas apenas 10 contam com proteção policial. Os demais continuam militando e arriscando suas vidas de peito aberto.
Do Ceará,constam na lista um total de 9 pessoas - o índio Djacir Santos de Oliveira e outros 8 índios da tribo Tremembé no município de Itapipoca. O conflito acontece entre os índios e a empresa Espanhola Nova Atlântida.
Ações do governo
Desmatamento gera multas de R$ 3,45 biA Polícia Federal e os órgãos ambientais no Brasil tem atuado de forma efetiva no combate a ´grilagem´ e o desmatamento. Entre 2006 e 2007, por exemplo, foram aplicadas um total de R$ 3,45 bilhões em multas para coibir os crimes ambientais. Dados do próprio Ministério do Meio Ambiente estimam que desse total, menos de 10% chegaram efetivamente aos cofres públicos. Os nove estados da Amazônia Legal concentraram 34% dos autos de infração.
Para garantir agilidade no pagamento das multas o governo modificou a Lei de Crimes Ambientais, através do Decreto nº 6.686. A norma suspende, até dezembro de 2009, os embargos de ocupação irregular, mediante pedido de regularização da reserva legal. Além disso, quem fizer manejo florestal sem autorização prévia está sujeito à multa de R$ 1 mil por hectare ou fração.
Operações
Entre as várias operações de combate aos crimes ambientais, está a operação ´Guardiões da Amazônia´, coordenada pelo Ibama, que aplicou, este ano, R$ 382,1 milhões em multas; embargou mais de 19,4 mil hectares de terras e emitiu 132 autos de infração.
Já as operações realizadas pela Polícia Federal na Amazônia embargaram, desde fevereiro, um total de 359 áreas, totalizando 63 mil hectares. A PF aplicou R$ 361 milhões em multas e apreendeu 79,3 mil metros cúbicos de madeira em tora e 26, 7 metros cúbicos de madeira nas serrarias.
Apesar do desmatamento atingir diversos municípios, as ações estratégicas estão focadas nos 36 deles, responsáveis por 50% da derrubada da floresta. Entre as ações estão o recadastramento fundiário, limitações para novos desmatamentos, embargo das áreas ilegalmente desmatadas.
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