segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Passeio no seringal Cachoeira

Os artistas plásticos Renata e Marcos vieram de São Paulo, capital, para passar dois dias na pousada ecológica do seringal Cachoeira, em Xapuri. Não conseguiram. Estranhamente, a pousada está fechada para turistas nestes últimos dias do final de ano.



Marcos e Renata me telefonaram no final da tarde do domingo. Altino Machado já avisara que o casal me procuraria para ajudá-los a chegar às famosas matas do seringal Cachoeira, onde pretendiam, inicialmente, se hospedar por dois dias na pousada ecológica inaugurada no ano passado pelo governo do Acre.

Saímos de Xapuri por volta das 8 horas da manhã debaixo de uma chuva fina que ameaçava não nos deixar percorrer os 18 quilômetros de ramal que dão acesso à comunidade Fazendinha, sede do seringal povoado pela família de Chico Mendes e que foi palco dos grandes "empates" de mais de 20 anos atrás. Depois uns 40 minutos de viagem tranqüila chegamos ao nosso destino. Apesar de ser de chão, a estrada vicinal é muito bem conservada.

Ao chegar, a surpresa: a pousada não estava funcionando. Sebastião Mendes, um dos líderes da comunidade, chega em seguida e explica que os funcionários tiveram folga neste final de ano por ordem do secretário de Turismo Cassiano Marques. Além disso, as estadias no local devem ser reservadas com antecipação, disse ele.

Nílson, irmão mais novo de Sebastião e primo de Chico Mendes, não concorda e critica a medida. "Isso é falta de organização. Isso aqui não pode ficar fechado. É prejuízo certo. Aqui não tem dia para chegar gente de tudo quanto é lugar para se hospedar na pousada".

O empreendimento do governo do Estado, cujo objetivo é consolidar a rota turística "Caminhos de Chico Mendes", custou cerca R$ 200 mil e tem capacidade para abrigar 31 visitantes. Suas instalações contam com recepção, restaurante, cozinha, 1 chalé, 2 quartos com sala, 2 belichários (masculino e feminino) e dois apartamentos.

As diárias variam de R$ 50,00 (belichários) a R$ 180,00 (chalé com uma suíte e um quarto para solteiro). As principais atrações são as trilhas por dentro da mata virgem, onde os visitantes podem conhecer como se procede a extração de látex e a coleta de castanha e ainda manter contato com alguns animais em seu habitat.

Apesar do contratempo, a viagem não foi perdida para o casal paulistano, que visita o Acre pela primeira vez. Guiados por Sebastião, Renata e Marcos acompanharam o corte da seringa, comeram castanhas e se maravilharam com as enormes castanheiras e com o tamanho das sapopembas da gigantesca samaúma, chamada de "Rainha da Floresta".

- Nunca havia entrado na Floresta Amazônica e tinha uma expectativa muito grande quanto ao que iria encontrar, mas o que vi aqui me deixou surpreso e deslumbrado, disse Marcos.

Sebastião Mendes



Sebastião Teixeira Mendes, o "Tião", é primo-irmão de Chico Mendes e, hoje, um dos guardiões do santuário em que se converteu o seringal Cachoeira após a morte do líder sindical. Depois de cortar seringa durante 46 anos, hoje só pega na "cabrita" para fazer demonstrações aos turistas.

Aposentado do corte da seringa, Tião trabalha, atualmente, como guia da pousada ecológica. Percorre as trilhas mostrando aos visitantes o dia-a-dia do seringueiro dentro da floresta e contando histórias reais e do imaginário dos habitantes dos seringais. Recebe R$ 25,00 por grupo que orienta.

O seringueiro conta que foram difíceis e perigosos aqueles tempos, quando participou, junto com Chico Mendes, dos empates contra os moto-serras de Darly Alves. "Ele chegou a vir aqui dizer que ia fazer uma igreja para nós na beira do Chipamanu", relembra deixando claro que se tratava de uma ameaça velada.

A samaúma ou "Rainha da Floresta" citada a cima - árvore de porte gigantesco e certamente centenária - é um dos grandes orgulhos e das principais atrações mostradas por Tião Mendes aos visitantes naquelas matas. Para se chegar ao local anda-se cerca de quinhetos metros dentro da mata, mas o resultado vale a pena.



Considerada sagrada, a árvore guarda água no seu tronco que em algumas ocasiões, como a fase da Lua, se desloca para a copa ou raízes, ela serve ainda para a comunicação entre os povos da floresta. Ao bater no seu tronco produz-se um ruído que pode ser ouvido a quilômetros de distância.

Nílson Mendes



Da comunidade Fazendinha, fomos até a residência de Nílson Mendes, 9 quilômetros adiante. A beleza da mata que margeia a estrada, dalí pra frente, nos faz esquecer o medo de ser atingidos por ouriços de castanha de árvores extremamente carregadas bem acima de nossas cabeças.



Ao chegar a casa de Nílson, fui remetido ao refúgio do lunático personagem do ator José Mayer, na novela A favorita, da Rede Globo, o Augusto César. Construída em dois andares, com luz elétrica, antena parabólica, geladeira e tudo mais, a moradia do seringueiro de 46 anos é de fazer inveja a quem vive na cidade.

A interação com a natureza e o conhecimento da maior parte das espécies de plantas e árvores que rodeiam sua casa é uma das principais marcas de Nílson Mendes, que nos recebeu com uma cobra na ponta de uma vara - segundo ele, não venenosa - que acabara de capturar no quintal e que rapidamente tratou de devolver ao meio ambiente.

Nílson, que herdou um grave problema de surdez de um acidente sofrido há alguns anos, afirma que vive do extrativismo da borracha e da castanha, além da experiência de manejo florestal madeireiro desenvolvida no seringal Cachoeira. Segundo ele, a combinação de atividades diferentes possibilita ao seringueiro, nos dias atuais, uma vida melhor que a de outrora.

Depois de beber um suco de araçá-boi, fruto colhido na hora, do quintal de Nílson, pegamos o caminho de volta para Xapuri. No dia 1º de janeiro, devo voltar. Sou convidado do aniversário de 83 anos da matriarca Cecília Mendes, dona da proeza de trazer à luz 19 filhos e um dos símbolos da resistência dos seringueiros nos empates que impediram que hoje o seringal Cachoeira fosse um grande pasto.

Um comentário:

Rubens disse...

Esse, é o Nilson. Abraços irmão.