segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

20 anos sem Chico Mendes

Há vinte anos era assassinado o grande líder ecologista Chico Mendes. Um mês antes ele estivera no Rio junto com os verdes na manifestação Salve a Amazônia.



Alfredo Sirkis

Conheci o Chico Mendes em Xapuri, em 1987. Estava organizado o PV no Acre e fui a Xapuri encontrá-lo. Foi uma amizade intensa, instantânea, e um pacto imediato de apoio nossos à luta dos seringueiros que, na nossa ótica, representava a junção das lutas sociais e ambientais. Voltando ao Rio passei a montar uma rede de apoio ao Chico Mendes que logo veio ao Rio e participou de um encontro dos verdes em Petrópolis. Nessa época apresentei o Chico a João Augusto Fortes e alguns outros empresários que começavam a se interessar pela causa verde. João já sonhava em ajudar os seringueiros a criar produtos de látex que pudessem ser comercializados e sustentar as reservas extrativistas.

Nessa época fiz uma entrevista com o Chico para o JB que não quis publicá-la. O editor de então dizia que tinha mais interesse nos garimpeiros do que nos seringueiros. Com raiva lhe respondi que possivelmente se interessaria por ele quanto fosse assassinado. Tinha uma constante preocupação com o Chico que estava ameaçado de morte por vários pecuaristas que tinha impedido de ampliar sua "fronteira de pasto" realizando "empates". Um deles, Darli Alves, parecia o mais perigoso. O mais preocupante é que parecia haver uma ligação da Policia Federal, supostamente lá para protegê-lo, com os fazendeiros inclusive Darli. O Conselho Nacional de Seringueiros descobriu que ele tinha crimes de morte no Paraná, inclusive um mandado de prisão. A informação foi vazada para ele que foi se esconder e jurou de morte o Chico que considerava responsável pela revelação de seus antecedentes.

No Rio, logo depois das eleições de novembro de 88, organizamos um grande ato chamado Salve a Amazônia, que consistia numa maratona andando, correndo e pedalando do Jardim Botânico ao Monumento a Estácio de Sá, no Aterro do Flamengo, e a colocação de um imenso pano de juta com os dizeres Salve a Amazônia. Foi uma manifestação notável da qual tenho muitas imagens até hoje. Vejo e revejo as cenas: Betinho, Lucélia Santos, John Neschling, Gabeira, Minc, Nei Matogrosso, Louise Cardoso. Há uma cena do Chico conversando comigo no meu velho Opala verde oliva quando nos dirigíamos ao bondinho do Pão de Açúcar. Falávamos sobre seus problemas de segurança e ele admitindo o perigo que representava o tal Darli Alves. Eu tentando convencê-lo a ficar no Rio até que conseguíssemos fundos para contratar um grupo de seguranças particulares, pois pelas histórias que ele contava, os policiais que o protegiam eram pouco confiáveis. A certa altura achei que o tinha convencido. Nossas amigas Rosa e Dora também faziam pressão nesse sentido. O Chico decidiu ficar no Rio. Depois por pressão da esposa que ficara sozinha - queríamos trazer a família dele também - ele decidiu passar o Natal em Xapuri.

Um mês depois foi assassinado. Tornou-se um mártir internacional da causa ecológica, um símbolo, uma bandeira de luta, mas a perda foi irreparável. Era um ser humano extraordinário: generoso, sensível, divertido e um dos poucos quadros capazes de unificar em torno de uma causa comum setores díspares: seringueiros, índios, ecologistas, ambientalistas norte-americanos, PT, PV, etc. Não se encontrou mais um líder com as mesmas características. A causa da Amazônia tornou-se internacional com a repercussão de sua morte, mas penso que teria feito muito mais, vivo. De qualquer jeito, aos que ficamos fica também a obrigação de não deixar que sua morte tenha sido em vão e isso hoje se expressa na luta para que o Brasil assuma metas de redução de queimadas e desmatamentos.

Passaram já vinte anos do assassinato de Chico Mendes e do escândalo internacional decorrente, nada é capaz de afastar essa horrenda sensação de que talvez ele tenha morrido em vão. A pecuária, as monoculturas, a extração de madeira predatória e os assentamentos e “colonização”, cinicamente apresentados como “reforma agrária” na região amazônica, vêm agravando o quadro sem tréguas. Os ganhos econômicos e os avanços sociais vinculados a esses tipos de atividade são efêmeros e perversos: a péssima qualidade do pasto, o baixo preço e o enorme desperdício da madeira extraída, as dificuldades para a exploração agrícola, os ganhos econômicos e sociais predatórios, de curtíssimo prazo, sem sustentabilidade, que vaticinam uma catástrofe de implicações planetárias, ainda no horizonte de vida de nossos filhos e netos. Isso sem falar do drama atual, das cidades infestadas de fumaça, dos aeroportos fechados, das culturas tradicionais destruídas, da biodiversidade exterminada.

Até hoje a economia vem jogando constantemente contra a ecologia, na região amazônica. A única chance de reverter esse processo de devastação, de conseqüências planetárias é viabilizar um ciclo econômico sustentável de extrativismo não predatório, ecoturismo e exploração inteligente das imensas possibilidades vinculadas à biodiversidade implementar o zoneamento ecológico e econômico da região e, sobretudo, estimular outras alternativas econômicas, inclusive nas cidades amazônicas.

Existe, em tese, a possibilidade de exploração sustentável da madeira, como também da mineração, mas é preciso que se diga alto e em bom tom, que ela é totalmente inviável no atual contexto político local, no presente estado de coisas institucional, psicossocial, cultural e técnico da região. Sem fiscalização eficaz, sem empresas minimamente responsáveis, sem instituições locais confiáveis, sem conscientização, sem organização social, num contexto totalmente dominado pelo coronelismo truculento e a corrupção, qualquer idéia de manejo sustentável, quer em áreas particulares, quer em concessões, no interior de florestas nacionais é empulhação e propaganda enganosa. Atualmente o IBAMA não tem, nem de longe, os meios e, muito raramente, a vontade política necessária para fazer frente à situação.

O que cabe neste momento, na Amazônia, é um bom “freio de arrumação”. Uma moratória por cinco anos da extração nas áreas consideradas críticas, a expulsão das madeireiras asiáticas e uma estratégia de repressão combinada com uma assistência direta do poder público aos socialmente atingidos, com a criação de um subsídio para o não-desmatamento. Podem ser criadas frentes de trabalho onde os atuais cortadores de árvores sejam remunerados para recuperar áreas degradadas. É necessário quantificar essa ação e definir as zonas prioritárias. Salvar a Amazônia, permitindo ganhar tempo para um futuro desenvolvimento sustentável, certamente não sairá mais caro do que salvar um punhado de bancos falidos. Recursos internacionais seriam mais facilmente captados e melhor gastos nesse contexto.

É dever constitucional de o Presidente solicitar o concurso das Forças Armadas para deter a destruição desta parte ameaçada da Pátria que é o ecossistema amazônico, com conseqüências planetárias. O Brasil aparece como o quarto maior emissor de CO2 em função das queimadas. Das instituições nacionais apenas elas têm a capacidade operacional para monitorar e controlar uma região tão vasta. Essas operações devem abranger a proteção à fiscalização do IBAMA, reforçada por outros órgãos, a dissuasão à eventual resistência das máfias locais, a destruição, no próprio local, de todos os equipamentos usados na devastação ilegal, a prisão dos responsáveis. O governo brasileiro precisa anunciar ao mundo, com vistas a conferencia de Copenhagen, no final de 2009, sua disposição de estabelecer objetivos de redução de suas emissões decorrentes da devastação das florestas e iniciar logo a execução do plano que anunciou em final de novembro. Há vinte anos passados da morte do herói Chico Mendes essa é a única homenagem digna que se lhe pode prestar.



Alfredo Hélio Sirkis é político, jornalista e escritor brasileiro. Na foto, participando da caminhada do leblon ao Leme, no Rio de Janeiro, organizada neste domingo (21)pelo movimento Brasil no Clima e pelo PV em homenagem a Chico Mendes.

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