Na última quarta-feira (11), a Comissão de Justiça do Senado esbarrou na história. Pediu desculpas e passou adiante, sem desconfiar de que a história era a história.
Foi a debate um projeto que roça uma das maiores perversidades da legislação penal brasileira: a cana dos delinquentes bem-postos. Chama-se “prisão especial”.
O Aurélio traz um lote de definições para o vacábulo “especial”. Mencionem-se, por oportunas, duas das acepções:
1. Fora do comum; distinto, excelente.
2. Exclusivo, reservado.
Ofereceu-se à comissão do Senado a oportunidade de acabar com a distinção dos criminosos por faixa social e diploma profissional.
Se tivessem aproveitado a ocasião, os senadores teriam aprovado um projeto que daria sentido ao lero-lero segundo o qual todos são iguais perante a lei.
Mas a comissão de Justiça preferiu desperdiçar o seu momento. Malbaratou-o ao conservar um pedaço da lista que torna certos brasileiros mais iguais do que outros.
Excluíram-se do rol de candidatos ao xilindró especial: detetentores de diplomas de curso superior, padres, pastores, bispos evangélicos...
...Pais de santos e pessoas brindadas pelo Estado com títulos e comendas por supostos e relevantes serviços prestados à nação.
Foram mantidos na fila do ‘Canas’s Inn’: ministros, governadores, senadores, deputados federais e estaduais; prefeitos e vereadores...
...Oficiais das Forças Armadas; magistrados, conselheiros de tribunais de contas, delegados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Na prática, manteve-se a iniquidade do sistema que mede a severidade da pena não pelo tamanho do delito, mas pela origem social e pelo cargo do delinquente.
Em 2011, ano em que o sucessor de Lula tomará posse, o privilégio da prisão especial fará aniversário de 70 anos.
A aberração foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro em 1941. Naquele ano, aprovou-se a lei que garantiu celas “fora do comum” a cinco categorias de brasileiros: Governadores, prefeitos, secretários de Estado, congressistas e vereadores.
Nos anos subseqüentes, a prerrogativa foi sendo estendida a outros felizardos. Entre eles, os dirigentes sindciais (1956)...
...Os pilotos da aviação civil (1961), os jornalistas (1967), os oficiais da marinha mercante (1970) e os professores (1994).
No ano da graça de 1994, os advogados ganharam o “direito” à “sala de Estado Maior”. Trata-se de hospedaria carcerária seletíssima.
Inclui apartamento com banheiro privativo, roupa de cama limpa, três refeições ao dia, televisão e telefone ao alcance das mãos.
São facilidades que, se estendidas ao comum dos mortais, levaria as favelas brasileiras a fazer fila defronte da carceragem.
O projeto votado na comissão de Justiça, sob a relatoria de Demóstenes Torres (DEM-GO), nascera de uma comissão de juristas criada pelo Executivo em 2000.
Já havia passado pelo crivo da Câmara. Segue agora para o plenário do Senado. Ali, é improvável que sofra alterações redentoras.
O Congresso, como se sabe, prefere legislar em causa própria a fazer história. O mestre Guimarães Rosa ensinava: na vida, “faça pirâmides, não faça biscoitos”.
◙ Colunista da Folha de São Paulo
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