Marina Silva
No dia 1º de março, o programa "Fantástico" trouxe reportagem sobre os municípios últimos colocados no ranking brasileiro do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Entre eles, Jordão, no Acre. A reportagem falava do alto preço dos produtos vindos de fora e da falta de água tratada e colocava Jordão como campeão de crianças fora da escola e quarta pior renda per capita.
Desde então, a discussão no Acre é apaixonada. Detalhes inusitados ganharam destaque: um entrevistado, para falar do isolamento do município, dizia que ali chuchu era luxo, quase ninguém sabia o que era chuchu.
O tema - não o chuchu, mas o IDH - é oportuníssimo para refletir sobre desenvolvimento. Antes é preciso dizer que o Jordão de 2000, base do IDH citado, não é o de hoje. Aliás, o Acre subiu quatro posições, de 21º para 17º, no IDH dos Estados entre 2000 e 2005.
Jordão, elevado a município só em 1992, vivia situação difícil: faltavam ensino médio, hospital e água potável e a energia elétrica funcionava apenas por algumas horas. Hoje dispõe de hospital e eletricidade em tempo integral, a água potável serve 80% do município e, em lugar da única escola, há 54 na zona rural e três na urbana, com excesso de vagas. Os professores recebem o mesmo salário pago em Rio Branco, o mais alto salário inicial do país. A maioria concluiu ou cursa o ensino superior em campi avançados da Universidade Federal do Acre. As escolas seguem o padrão construtivo da capital e o ensino é bilingue, porque a maioria da população é indígena, da etnia kaxinawá ou huni kuin.
Jordão continua sendo um município pobre, mas aí começa a sua diferença e a da maioria dos municípios amazônicos. Se chuchu é raro e frutas vindas de fora são caras, a cesta básica não está só no supermercado.
Renda baixa ali não implica falta de alimentos de qualidade. Não se come maçã e pera, mas o açaí, a bacaba, o buriti, a banana, o patoá, o milho, a mandioca estão nos quintais, na mata ou são vendidos a preço muito baixo. O peixe custa R$ 1 o quilo. Ser pobre na Amazônia, quando se conta com os produtos da floresta, não envolve risco de fome ou desnutrição, ao contrário de outras regiões e mesmo da periferia das grandes cidades.
O IDH, composto de expectativa de vida, educação e renda, é enorme passo à frente do PIB, limitado à dimensão econômica. Busca a qualidade do desenvolvimento.
Mas há que avançar na direção da complexidade das sociedades, das comunidades, das culturas, das famílias, agregando outras dimensões e ferramentas para evitar a diluição das diferenças. Que indicadores captariam, de fato, o IDH da Amazônia?
◙ A senadora Marina Silva escreve às segundas-feiras na coluna Opinião da Folha de São Paulo.
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