Fátima Almeida
Que idéia estranha foi aquela de Francisco Wanderley Dantas, o Dantinha, que governou o Acre no período 1971-1974, de atrair pecuaristas do Centro-Sul, com a oferta de terras baratas, sem nunca ter passado pelo seu pensamento, entre um gole e outro de uísque, que nos seringais desativados habitavam famílias às centenas? Para onde elas iriam? Como viveriam? Ele nada pensou sobre isso.
À semelhança dos coronéis que mandavam localmente, por séculos, neste país, e que enviavam seus filhos para estudar em Lisboa ou Coimbra, os “coronéis de barranco” do Acre enviavam seus filhos para estudar no Rio de Janeiro. Aqueles, bacharéis, de retorno à pátria iam compor o corpo dirigente da nação.
Dantinha, filho de coronel de barranco, formado engenheiro no Rio segundo essa tradição, feito governador, promoveu o maior descalabro social, ambiental, cultural que já pode ter ocorrido no Acre. Mas o nome de seu pai, o coronel Sebastião Dantas, ainda infunde respeito, nas massas, e é nome de ponte e de corrida pedestre. Como explicar essa contradição?
As castas dirigentes lançam mão do recurso eleitoral com seus pacotes embrulhados com propagandas, distribuem cargos menores às camadas médias, instruídas, cabos eleitorais em potencial, estruturando desse modo um tipo de gestão pública que prioriza a manutenção do status quo.
Ficam de fora dessa esfera as massas que crescem como se nelas houvessem colocado fermento, perdidas nessa obscuridade que é a exclusão dos negócios rendosos estabelecidos no Estado.
Mas os muros de contenção estão cheio de fendas por toda parte, por onde a barbárie invade e vez por outra vem ceifar a vida dos bem nascidos, como ocorreu com Ana, assessora parlamentar assassinada em sua casa. Em seu próprio meio a violência é lugar comum, natural, diuturna, preponderante, constante. A barbárie põe seus ovos.
O coronelismo estará também botando os seus?
A Roma antiga, baluarte da civilização, não teve forças para barrar as invasões bárbaras e caiu. Em parte, a corrupção e sua companheira, a decadência, contribuíram internamente para que isso acontecesse. Da desagregação emergiu o império da fé cega.
Do mesmo modo como a expansão da consciência ilumina as zonas escuras do inconsciente de um indivíduo, as políticas educacionais deveriam ter como mote o alcance maior das luzes da arte e da ciência no meio das massas bárbaras. Mas as castas dirigentes não podem traçar estratégias no sentido da inclusão de fato pelo risco de vir a desaparecer.
Esse dilema é histórico e marca registrada da evolução histórica do país. Muitas ilusões ainda deverão vir abaixo, tais como a de se colocar um sociólogo da USP ou um metalúrgico sindicalista na presidência, ou ainda uma ex-militante de esquerda.
As práticas políticas ainda dão sustentação aos velhos quadros e por extensão ao latifúndio, hoje denominado com o pomposo nome de agronegócio. As massas continuam sendo deslocadas para um lado e para outro, porque, no Brasil, falar em migrações internas é eufemismo.
Teatro, cinema, literatura, música, ciência, não estão acessíveis às massas condenadas ao escravismo do salário mínimo, ao teto precário ou sem teto entregues a própria sorte.
Tanto progresso científico-tecnológico e a barbárie ganhando terreno!
As páginas policiais atestam isso todos os dias. Não será a sentença de um juiz que irá mudar esse estado de coisas porque é pontual ou casual. Mas foi a idéia estranha do governador Wanderley Dantas que quase acabou com o Acre que nada teve de casual.
Fátima Almeida é historiadora acreana.
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