José Cláudio Mota Porfiro
Dia desses, deixei claro que ando devagar porque já tive pressa, parafraseando o poeta Renato Teixeira...
O carrão é novinho em folha. É bonito, sim. Estilo automóvel japonês de luxo. Mas eu já não preciso correr para realizar nada, uma vez que já consegui alcançar tudo o que penso ter direito, ou quase tudo. Não vejo porque andar a mais de sessenta quilômetros horários por estas ruas tão mal traçadas.
Essa coisa moderna chamada velocidade fica para os mais moços que precisam sentir o vento na cara e partir na busca de um futuro feliz. Corram, mas não se despedacem contra qualquer muro ou qualquer poste destas nossas belas e perigosas vicinais. Não quebrem nem o pescoço, nem as pernas...
Lembro vagamente o Nietzsche, filósofo alemão de tempos rotos. Ele deixou por aí escrito que dificilmente você consegue precipitar-se apenas uma vez. Na primeira, vai-se sempre longe demais. Precisamente por isso se costuma incorrer logo numa segunda precipitação - e desta vez fica-se demasiado perto do perigo ou do instante fatal.
E o indivíduo não precisa ficar velho para especializar-se na ameaça aos perigos, como aquele irmão meu cujo para-quedas não abriu, ou como aquele outro que pulou do caminhão que adernava em marcha. Os especialistas mais maduros, em vista da adrenalina que rareia e lhe foge das mãos, são raríssimos até porque a sua longevidade dificilmente chega à terceira década. Antes, eles se vão e levam consigo a sua coragem de mamar em onça e deixar os gatinhos com fome.
Já não se disse que as loucuras que acabam cedo são as melhores? Então! Há um punhado de doidos, no trânsito, que logo observam ser bom deixar de correr tantos riscos. Todavia, há um montão de loucos que preferem acabar consigo próprio, e se vão para outros mundos em busca de algo mais celestial, ou divino, ou angelical para fazer, não sei onde...
De tanto lidar, no dia-a-dia, com essa casta de loucos e loucas que infernizam as ruas destas cidades antes tão pacatas e hoje tão abarrotadas de carros, afirmo-vos que há algumas ou muitas espécies deles que não sobreviverão tão facilmente depois da terceira volta ao redor do sol.
Em primeiro lugar, há os que ficam ao celular mesmo sem estar conversando com ninguém... E são os piores...
Outro dia vi um bacana da Habitasa que, por estar sem celular, conversava através do isqueiro com uma vadia ou vadio quaisquer que sejam... Ou o cara tá doido, ou tá querendo aparecer, ou as duas coisas...
Nos finais de semana, os aprendizes ou juvenis bebem um copo de chope e já saem fazendo mil piruetas por aí. Dizem-lhes doerem os tenros chifres de garrotes perfeitamente domáveis por qualquer bípede emplumada um pouquinho menos burra.
Os ditos bebedores profissionais, encardidos, inveterados continuam impávidos e sempre cavalheirescos para com as damas mais novas, tomam duas caixinhas de latinhas e sequer ficam com os olhos vermelhos. Esses são geralmente os mais velhos que, acima de tudo, entre o belo sexo, optam sempre pelas mais doidivanas e mais gastosas (dispendiosas, para os de gerações anteriores).
Há os grandes e inconsequentes pilotos. Para esses ricos rudes, as nossas poucas avenidas são um grande autódromo, onde tudo pode e deve ser feito, inclusive, estacionar nos locais mais perigosos possíveis, fumar marijuana enquanto guia, ou fazer ultrapassagens à noite, a cento e quarenta quilômetros horários, na Avenida Ceará... Esses batem, capotam, matam, morrem e, depois, vão pra casa chorando pedindo pro papai pagar um prejú dos cacetes; só o prejú, posto que eles não farão a mínima falta, nem à própria família. Para estes não mais há leis. Nunca houve. Aí se incluem os motoqueiros irresponsáveis, os moto-taxistas inábeis e os bicicleteiros letais, que matam velhinhos atropelados e pensam que todos devem preservar-lhes a vida, menos eles próprios, que não sabem sequer o que é mão ou contramão.
Os metidos a sertanejos ou roqueiros fecais fecham os vidros do carro, põem o som em cem decibéis e o ar refrigerado em cinco graus, com o único e especial objetivo de estourar os ouvidos e pegar uma gripe daquelas de matar ladrão. Esses são de idade média pra baixo, até porque para ser imbecil não é preciso ser moço ou velho. Eles pensam que, através da película cem por cento, estão aparecendo para alguma moçoila de fartos peitos e inteligência oxigenada; mas, na realidade, estão buscando prejuízos incontáveis ao sistema único de saúde de quem, depois, são exigidos tímpanos novos e pulmões sintéticos.
Há outros que, ao volante, tecem um tal basilar, como dizia o Sérgio Buarque, atendem ao telefone, mexem no som, pegam nas pernas ou nos peitos da santa ao lado e, ainda, fumam a canabis sativa, isto tudo a cem quilômetros horários.
Há, enfim, os que têm medo da mulher e da lei seca e, por isto, enchem a cara no aconchego da própria vivenda, lá mesmo tomam esculachos baratos que, segundo as esposas, estão longe de valer novecentos reais, como as pesadas multas. Esses são de meia idade. Eles não perceberam que o guarda vai abordá-lo querendo ver tão somente os seus documentos e os do carro. É-lhes vedado abrir a braguilha querendo mostrar a identidade. Assim como, não lhes é permitido apresentar olhos encovados, moleira funda, pele sem elasticidade, pernas preguiçosas e traiçoeiras a quererem entregar o mamulengo que, à meia noite, pensa que a polícia já se foi para o merecido descanso da faina braba que é pegar bêbado no ar. Ele já não consegue ver sequer que a claridade é uma justa repartição de sombras e de luz.
Teje preso, pilantra!
Desse jeito, bom é dar razão à polícia. É melhor o louco varrido pagar os novecentos e tomar uma porradas da mulher, do que fazer rapel sem corda na ponte de concreto... Aí, a grande possibilidade é alguns ficarem com saudade do bêbado morto, porque o prejuízo será da família que deverá bancar a reconstrução da mureta que separa a luminosidade infernal do boteco da escuridão etérea do céu das formigas.
Tá bom! Já vou pra quinta lata e o texto está mais enviesado que eu. Fernando Pessoa tinha razão ao afirmar que a lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito...
Vai de táxi, irmão!
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