Luciano Pires
Fui alfabetizado em 1963, em Bauru. E tenho um privilégio que poucas pessoas têm: a professora que me alfabetizou no primeiro ano primário do Grupo Escolar Rodrigues de Abreu chama-se Helena Pires. Minha mãe.
Lembro-me da cartilha usada na época e de ficar escrevendo cada letrinha, preenchendo espaços vazios e treinando, treinando, treinando. Até caderno de caligrafia eu usava e era proibido usar canetas. Só lápis. Caneta era pra quem sabia escrever.
Quando decorei o alfabeto fiquei sabendo que os caras tinham tirado fora um tal de "k" e o "w" e o "y". Alguém disse que tinha acontecido uma mudança, que hoje chamamos de "reforma ortográfica".
Só fui bom aluno de português durante um curto período no ginásio e a vida toda lutei com o "por que", "porque" e "por quê". Com as malditas crases,com os hífens, com os "estes" e "esses" e com a grafia de algumas palavras.
Mas quem não lutou? Considero-me um semi-letrado (Xi! Não tem mais hífen?) que conhece o suficiente para não passar fome e juntar umas palavrinhas. Tenho plena ciência de minhas limitações gramaticais, mas isso não impede que eu me expresse e me corrija sempre que descubro um erro.
A língua que falamos está viva, cresce e modifica-se. Coisas como"malufar", "mensalão", "deletar" tornaram-se corriqueiras e têm que ser incorporadas a nosso dia-a-dia. Se isso não acontecer ela vai estagnar e morrer... William Sheakespeare, um dos maiores escritores do idioma inglês, trabalhava com um universo de 110 mil palavras que hoje, 500 anos depois, ampliou-se para 540 mil palavras! O idioma é uma coisa viva, que cresce e evolui.
Recentemente vivi uma experiência interessante relacionada à forma como a tecnologia está impactando nosso idioma. Minha filha é absolutamente viciada pelo MSN e domina totalmente aquele jeito louco de escrever, cheio de "naum", "vc", "kd", "rsssss" e outros truques que aumentam a velocidade das conversas ao teclado. O resultado é um dialeto horrível e indecifrável, que me preocupava.
Mas no último ano, quando ela passava dos 16 para os 17 anos de idade, notei uma fantástica evolução em seu vocabulário e redação. Fora da internet ela está escrevendo direitinho, sem os vícios do MSN. A conclusão é que a garotada - desde que receba educação suficiente - consegue separar as coisas e comportar-se conforme o ambiente em que está. É uma adaptabilidade, flexibilidade e capacidade de assimilação que nós, os tiozinhos e tiazinhas não temos... Nenhum de nós consegue prestar atenção em mais de três coisas ao mesmo tempo, capacidade que a molecada desenvolveu apoiada na tecnologia do tripé televisão/internet/celular.
Isso é bom? No mundo onde fui criado, não. E me lembra da história de um amigo que foi a um Salão do Automóvel na Alemanha e experimentou um sistema de navegação no qual - em vez de volante - o carro tinha um joystick iguala os dos videogames.
Ao terminar a experiência meu amigo comentou com o técnico:
- O sistema é impressionante. Mas esse joystick é horrível. A resposta foi arrasadora:
- É que para nós o senhor já morreu.
Reformas ortográficas são bem-vindas. Se vão ser feitas direito, é outra história. Essa que estamos assistindo está sendo conduzida por vetustos senhores de vetustas academias, respeitadas por sua antigüidade (ou antiguidade?). No mundo do joystick estão mudando a cor do volante.
Precisa ser feito? Claro que sim. Mas enquanto eles vêm com a reforma amolecada aparece com a revolução.
◙ Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista.
5 comentários:
Raimari, pior que publicar comentários anônimos, é o Blog não publicar os comentários devidamente identificados. Estás com muito trabalho? O Blog está parado? Que está havendo?
Caro Édson, não compreendo sua reclamação. Todos os comentários postados estão sendo publicados, exceto aqueles que não são dignos de atenção. Grato.
É que neste post escrevi um cometário, e não houve publicação talvez tenha sido erro meu na postagem, ainda sou meio munheca em matéria de internet. Minhas desculpas.
Sinto em não poder concordar plenamente com o autor deste texto. Pois a realidade que conhecemos e sabemos é bem outra com relação a essa "linguagem digital" e que o caso que ele relata da filha dele é apenas um dos pouquíssimos fatos isolados de algumas crianças e adolescentes (como também jovens e adultos)não piorarem ainda mais a deficiência na escrita da "nossa" tão rebuscada língua materna. E que com toda certeza a influência dele na "personalidade linguística" da filha é fato, e talvez por isso e alguns fatores isolados a mais façam com que ela apresente uma escrita consideravelmente boa.
Pois na sua graaaade maioria a maneira de escrever das pessoas escreverem a nossa língua mãe tem sido bem prejudicada com os "vícios" do MSN com suas abreviaturas e palavras truncadas sim. Isto é uma realidade vivenciada por pais e professores, onde parece que a escrita está "regredindo", voltando a ser representada por sinais e não vocábulos.
É claro que se pode negar todos os inúmeros benefícios que a ERA DIGITAL nos trouxe e tem trazido para todos nós. E que se os pais tiverem o devido cuidado em acompanhar em especial os primeiros momentos (que são cruciais) do desenvolvimento linguístico e escrito de seus filhos(o que sabemos que na graaande maioria é impossível fazer por motivos mil),a INTERNET ajuda sim a aumentar agilidade de raciocínio, entre tantos outros benefícios educacionais, humanos, culturais, linguísticos, sociais que ela nos traz.
Mas não posso deixar de dizer que nada melhor do que um bom texto, um "velho" e bom livro pra nos ajudar a melhorarmos como falantes, usuários e "escritores" dessa língua tão dinâmica e complicada (sim) que é a NOSSA LÍNGUA PORTUGUESA "BRASILEIRA".
Não estou com esse meu "comentário" aqui, querendo fazer uma oposição à evolução e dinamismo das coisas e de uma língua viva em constante mudança, muito pelo contrário, a evolução além de se fazer necessária é muito boa, e as mudanças quando para benefício, serão sempre bem vindas. O que não se pode fazer é se ter uma visão "cor de rosa" para todas as coisas sem analisá-las em todos os sentidos.
Ah! E quanto às dificuldades e dúvidas com relação à "nossa" língua é impossível não tê-las, em especial pela sua origem tão erudita, dificuldades essas que não acontecem tanto com línguas de origem bárbaras. Mas mesmo assim, VIVA A LÍNGUA PORTUGUESA (em especial a BRASILEIRA)pela sua riqueza de detalhes e significados...
Fica aqui a minha humilde opinião de professora e também leitora.
Concordo com a Professora Milena. E meu comentário perdido durante a postagem, era nessa mesma linha de raciocínio. O caso da filha do Senhor Luciano é raro, aliás raríssimo. O que se vê e ouve, dá pena, com os jovens assassinando nossa língua, sob o argumento "isso é de teu tempo". Aprendem a escrever sofrivelmente, leem muito pouco, e depois vem reclamar das provas do vestibular, da OAB e concursos públicos. Os avanços da tecologia tem valor inegável, mas querer dizer que contribuem para o desenvolvimento intelectual de forma abrangente, é falácia.
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