Carta que Tião Viana (PT-AC), candidato à presidência do Senado, despachou para os demais 80 senadores:
"Sabemos todos da singular importância da próxima eleição da Mesa do Senado Federal. Nela está em jogo, em primeiro lugar, a própria afirmação do Poder Legislativo como esteio e sustentáculo da democracia brasileira. Não por outra razão, cabe a nós, os oitenta e um brasileiros aos quais o povo confiou a honrosa missão de representar os Estados no pacto federativo que sustenta a República desde 1891, a responsabilidade de encontrar os caminhos que, em face dos inegáveis conflitos de poderes hoje existentes, fortaleçam o Congresso Nacional e recuperem a digna trajetória do Senado ao longo de seus quase cento e oitenta e três anos de existência.
Nossa responsabilidade vem de longe, tendo sua própria História. Ela não repousa tão-somente em experiências pessoais, mas se alicerça na carta de representação que lhe é conferida pela soberania popular, geração após geração. É dessa legitimidade que se nutre o Senado, permitindo aos seus integrantes engrandecer os cargos que ocupam e ampliar os encargos que recaem sobre a Casa.
Por sua natureza e pela estatura política e pessoal de seus membros, o Senado Federal não pode admitir outro tipo de liderança que não seja a exercida coletivamente. Essa liderança resulta, invariavelmente, do equilíbrio da representação partidária no Congresso Nacional, pois são os partidos políticos as instâncias fundamentais e insubstituíveis ao exercício da representação popular, vale dizer, do próprio regime democrático. Assim, em nome da legítima reivindicação do Partido dos Trabalhadores, mas motivado pela unidade da Casa e pelo respeito a todos os partidos, submeto-lhe minha candidatura à Presidência do Senado.
Venho do Acre. Sou de uma terra, margem e cabeceira dos rios que formam o grande Amazonas, onde irmãos nordestinos, sulistas e de tantas outras regiões brasileiras deram seu sangue para que fossem demarcadas nossas derradeiras fronteiras. Essa contingência histórica explica o profundo senso de brasilidade que tão bem caracteriza o povo acreano, que se sente tributário dos brasileiros de todas as latitudes.
Há dez anos tenho a suprema honra de representar o Acre nesta Casa. Com firmeza e serenidade, respeitando e sendo respeitado, procurei sempre aprender. Referências políticas, intelectuais, morais e de vida é que não me faltaram. Com a humildade própria dos que querem acertar, procurei contribuir com a obra meritória que, em quase dois séculos, o Senado vem realizando em prol do Brasil. Nesta década de atividade parlamentar, procurei ser digno do legado de nomes exponenciais que enobreceram e enobrecem esta Casa. Do primeiro Presidente, o Marquês de Santo Amaro, a Lauro Campos e Darcy Ribeiro; de Otávio Mangabeira a José Américo de Almeida e Humberto Lucena; de Juscelino Kubitschek a Tancredo Neves e Mário Covas; de Ruy Barbosa a Marcos Freire e Teotônio Vilela; de Afonso Arinos a Antonio Carlos Magalhães e Luís Viana Filho; de Nilo Coelho a Luís Carlos Prestes e Jefferson Peres, entre tantos outros que poderia mencionar, além dos nomes atuais cuja obra ainda está em curso, busquei ensinamentos e modelos.
Com idealismo, determinação e confiança, expresso minha mais elevada consideração pelo Poder Legislativo. Enquanto muitos o consideram corroido, limitado e fragilizado por suas próprias crises, prefiro entendê-lo como Poder essencial ao Estado democrático, federalista e presidencialista que edificamos desde o nascedouro da República. Ademais, tenho consciência de que o atual contexto histórico exige das democracias redobrada atenção para que a demonstrada capacidade de intervenção do Executivo não subtraia dos demais Poderes os espaços que legitimamente lhes pertencem. A um Executivo que insiste em ultrapassar as fronteiras recomendáveis para a perfeita divisão de forças no Estado democrático a única resposta cabível é a altivez em favor da harmonia entre os Poderes.
Estou consciente da História do Senado em nossa Pátria e dela me orgulho. Comprometo-me a ser digno dela e, com todos os colegas, agir para engrandecê-la. Não há momento importante algum da História do Brasil após a Independência em que o Senado não tenha sido protagonista de primeira grandeza. Foi assim no difícil período de formação do Estado Nacional, insurgindo-se contra a vocação absolutista do primeiro Imperador. Foi assim nos episódios que culminaram na abdicação e, sobretudo, no esforço em fazer da fase regencial o laboratório para a descentralização político-administrativa, ampliando a autonomia das províncias.
Foi o Senado o grande responsável pela estabilidade política do Segundo Reinado, conduzindo em larga medida o regime parlamentar instituído em 1847. Deu lições imorredouras de sabedoria política ao longo do complexo processo abolicionista, que culminou com a Lei Áurea, em 1888. Com o advento da República, coube-lhe a responsabilidade maior de assegurar o pacto federativo e, para defendê-lo, bem como na defesa da própria democracia representativa, não foram poucas as vezes em que teve que se defrontar com as imposições de força do Executivo. Nesses embates, conheceu derrotas, como sob o Estado Novo, e foi atingido em sua dignidade, como em determinado período sob o regime instaurado em 1964. Mas sobreviveu, impulsionado pela missão que a sociedade lhe conferiu. Por isso, foi importante na redemocratização pós-1945 e imprescindível na transição do poder militar ao civil, na primeira metade dos anos 1980. Como é do conhecimento geral, a partir das eleições de 1974 o Senado Federal investiu-se de natural liderança na condução da luta pelo retorno do Estado Democrático e de Direito.
Conquistamos a democracia, avançamos a concepção de cidadania, reduzimos os níveis da absurda desigualdade histórica que nos envergonha. Todavia, muito há que fazer. Sabiamente, a Constituição de 1988 restituiu ao Congresso Nacional a condição de grande vetor da política nacional. O pluripartidarismo tornou mais real a representação e fortaleceu a qualidade do debate político. Daí a necessidade de o Poder Executivo buscar acordos que assegurem maioria em ambas as Casa do Congresso Nacional, para garantir-lhe a governabilidade. Por se tratar de política de coalizão, nada há de ilegítimo ou reprovável nessa atitude, que se enquadra nos princípios da interdependência e da harmonia entre os Poderes.
Sou candidato porque acredito na competência do Parlamento e na capacidade do legislador brasileiro. Tenho clareza quanto às crescentes demandas da sociedade em torno de um Congresso Nacional afirmativo, firme e propositivo. Um Congresso Nacional capaz de cumprir fielmente suas obrigações e decisivo na promoção das grandes reformas do Estado, a começar pelas inadiáveis reformas política e fiscal-tributária. Um Congresso Nacional disposto e apto a ampliar a agenda nacional, como a que diz respeito às questões ambientais, bem como afirmar-se no estudo e no debate relativo ao crucial tema das relações internacionais e da política externa brasileira.
Proponho construirmos o Legislativo do tempo presente. A partir da Casa da Federação, que o Congresso Nacional sinta-se comprometido com o desenvolvimento econômico do País, com o bem-estar da população e com a estabilidade da vida democrática. Nessa perspectiva, creio na eficácia de uma agenda ousadamente positiva, capaz de sobrepor-se à agenda da crise e de impedir que o Parlamento fique a reboque dos acontecimentos. Uma agenda voltada para a sociedade, com ela partilhada, sempre assentada no diálogo e conduzida de modo a fortalecer os partidos políticos, o colégio de líderes e o próprio mandato parlamentar.
Para tanto, enfatizo minha posição contrária à judicialização da política, bem como à gana legiferante do Executivo, de que o excesso de medidas provisórias seria a perfeita ilustração, prática que subverte terrivelmente a agenda legislativa. Estou convencido de que há saídas para o problema e, na Presidência, gostaria de debatê-las com os colegas. Afinal, se as condições históricas contemporâneas exigem rapidez na tomada de decisões por parte do Executivo, nada há que justifique o atropelo dos procedimentos inerentes à democracia representativa, ou seja, a usurpação do campo de atuação do Poder Legislativo.
Uma verdade é incontornável: nenhuma das grandes crises institucionais vividas pelo Brasil teve sua origem no Parlamento. Antes, é do Parlamento que sempre saíram as soluções para os graves problemas que envolveram a nacionalidade. Não será diferente agora. Podemos nos orgulhar do Senado Federal, quer pela força do mandato conferido pelo povo, quer pela integridade de seus integrantes, quer, ainda, pela excelência de seu corpo funcional.
A grandeza do Senado da República, provada e comprovada ao longo do tempo, permite-me afirmar que o desafio que ora se lhe apresenta é o de compreender um País em construção, interferindo nesse processo. Ante a magnitude da tarefa, para a qual haveremos de reservar nossos melhores esforços e toda nossa responsabilidade, os conflitos relativos à dicotomia governo versus oposição passam a ser secundários.
Vaidades costumam levar à pretensão de feitos extraordinários, mas não passam de mera ilusão. Prefiro acreditar na força do diálogo, na busca do entendimento, na primazia do esforço coletivo. O Congresso Nacional possui uma história de honra e de inteligência que em muito supera as mazelas de eventuais disputas pelo poder. Acredito ser esse o caminho, por muitos já trilhado e que haveremos de seguir. Para cumprir o que nos compete, como sugere a inspiração amazônida do poeta Thiago de Mello, encontraremos um jeito novo de caminhar.
Acredito no Senado Federal. Prezo e estimo as Senhoras e os Senhores Senadores. Será imensa a honra de poder contar com o seu voto e, na Presidência, com sua participação na condução de nossa Casa e nos trabalhos do Congresso Nacional, com o olhar permanentemente voltado para o engrandecimento do Poder Legislativo."
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