Miguel Ortiz
A risco de ser criticado por ainda ser considerado estrangeiro, apesar de meus 35 anos de Acre, 20 de brasileiro, seis de riobranquense e quase três de acreano, ademais de eleitor contumaz, de vez que a questão entrou na seara jurídica, onde vem sendo deturpada até por peritos na área, sinto-me obrigado a também expor meu convencimento sobre o tema.
Acredito que estão buscando chifre em cabeça de cavalo. A questão do horário acreano, nos termos da lei, está resolvida desde o dia em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou a homologação do resultado da consulta submetida a referendo pelo Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC). Tentarei ser didático.
Antes de esmiuçar o assunto, digamos primeiro que a Constituição Federal no seu Capítulo IV - onde trata dos Direitos Políticos - artigo 14, define que "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos...”
Essa “soberania”, que é poder perpétuo e absoluto de uma população definida, é resultante da vontade geral. Vontade que, por sua vez, é manifestada em plebiscito, ou em referendo, ou iniciativa popular (art. 14, I,II,III).
O presidente Fernando Henrique Cardoso, em 18 de novembro de 1988, promulgou a Lei 9.709, regulamentando o artigo 14 da Constituição Federal, ou seja, regulamentando as maneiras através das quais o povo manifesta sua decisão soberana.
No artigo 2o dessa lei, é definido que “Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa” e, nos seus parágrafos descreve ambas formas de consulta da vontade do povo, explicando que:
§ 1o O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido.
§ 2o O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.
Esse preâmbulo é necessário para deixar claro, em primeiro lugar, que a mudança de horário no Acre foi enfiada goela abaixo ao povo deste Estado de forma ilegal, porque inconsulta. Tratando-se de uma questão que atingiria toda a população, jamais, apenas um político poderia decidir sobre essa questão administrativa.
O “jamais” é porque, até prova em contrário, o Acre enquanto integrante da federação brasileira é um estado democrático e de direito. Aqui não há soberano que não seja o povo acreano e como tal, somente ele – povo acreano – tem poder perpétuo e absoluto para decidir sobre o que ele deseja.
Pois bem, apesar de ter havido usurpação da soberania do povo acreano, a mudança de horário foi autorizada por uma lei ordinária. Lei que passou a vigorar quase que de imediato.
A lei que impôs o novo horário no Acre era um ato legislativo. Porquanto o objeto desse ato legislativo foi questionado pela população depois de consolidado, o TRE-AC corretamente interpretando o disposto no parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 9.709/98 – lei complementar que regulamentou o dispositivo constitucional definidor da soberania popular e sua forma de manifestação – decidiu consultar o verdadeiro soberano e promoveu o referendo.
Recordemos que referendo é convocado com posteridade a ato legislativo enquanto que plebiscito é convocado com anterioridade ao ato legislativo.
Assim sendo, conforme manifestado na lei complementar, cabia ao povo do Acre ratificar ou rejeitar o tal ato legislativo. E os acreanos rejeitaram soberanamente a Lei ordinária nº 11.662/2008, na parte que o afetava.
Daí porque a lengalenga de se exigir outra lei é incabível. Não há suporte legal nenhum para tal pretensão a não ser o desejo de continuar ludibriando a vontade soberana do povo do Acre.
A lei 11.662/2008 foi rejeitada através de um referendo legal e democraticamente convocado e efetivado.
Isto posto, conforme regulamentado pelo artigo 10 da Lei 9.709/1998, uma vez homologado o resultado do referendo pelo Tribunal Superior Eleitoral, o ato legislativo que modificou o horário do Acre, deixou de existir.
Recordemos que esse também foi o entendimento da Assessoria Jurídica do Congresso quando afirmou que bastava a declaratória formal de tal situação e a exclusão do mundo jurídico da lei rejeitada, ou da parte dela.
Basta, pois, de enganação.
Miguel Ortiz é advogado. O título do post remete à nota da Carta Capital sobre o assunto (Clique aqui e leia). O texto foi publicado originalmente no blog do Altino Machado sob o título “Entrei na briga”.
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