Como uma disputa entre os herdeiros de Chico Mendes levou a uma investigação sobre desvio de dinheiro público no Acre
Juliana Arini
A casa mais visitada do Acre fica na Rua Batista de Moraes, 487, em Xapuri, cidade de 14 mil habitantes a 180 quilômetros da capital, Rio Branco. Pequena, feita de madeira, foi nela que o sindicalista e ambientalista Chico Mendes foi morto a tiros por dois fazendeiros quando saía para tomar banho. Vinte anos depois do assassinato, a casa é mantida intacta, como estava no dia da morte, inclusive com a mancha do sangue de Chico Mendes na parede. Nela funciona uma espécie de museu, com guia e tudo, sustentado pelo Instituto Chico Mendes. Criado pelos herdeiros para manter viva a memória de Chico Mendes, o instituto enfrenta acusações sérias na Justiça. O Ministério Público do Acre denunciou seus administradores por desviar R$ 685 mil em recursos públicos.
Chico Mendes começou a vida como seringueiro, passou a líder sindical e se tornou um ativista ambiental. Com o apoio de um grupo de antropólogos e ambientalistas, ele se projetou no cenário internacional como protetor de florestas e recebeu prêmios da Organização das Nações Unidas. A fama de Chico Mendes atingiu o auge em 1987, quando, em uma viagem aos Estados Unidos, foi recebido por senadores e por representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No encontro, Mendes fez uma denúncia: o asfaltamento da Rodovia BR-364, que liga Porto Velho, em Rondônia, a Rio Branco, no Acre, provocaria o desmatamento de uma porção ainda intacta de floresta e diversos conflitos. Sua morte o transformou em um dos símbolos mais poderosos da luta ambiental.
Em 2005, a filha de Chico Mendes, Elenira, fundou o Instituto Chico Mendes com o objetivo de administrar a imagem do pai e associar seu nome a cursos de educação ambiental. Três convênios foram firmados com o governo acriano, pelos quais o instituto passou a receber verbas públicas para ministrar os cursos e as palestras sobre educação ambiental.
Segundo o Ministério Público, parte do dinheiro recebido do governo não foi gasta de acordo com o firmado no convênio. Os dirigentes do instituto teriam usado notas fiscais frias para esconder os gastos indevidos.
O genro de Chico Mendes confessa que adulterou notas fiscais
O acusado pelo Ministério Público de ser o autor da fraude nos recibos é Davi Cunha, marido de Elenira, a filha de Chico Mendes. Ele era o responsável pela prestação de contas do instituto. Cunha confessa o crime de falsificação. Ele nega, porém, que a fraude tenha sido feita para desviar dinheiro em benefício próprio. “Eu sei que errei ao alterar os recibos e vou ter de pagar pelo que fiz”, afirma. “Mas não aceito dizerem que roubamos o dinheiro do governo.” Cunha diz que cometeu a falsificação para driblar a burocracia dos convênios firmados com o governo acriano. “O convênio não permitia o pagamento dos encargos trabalhistas dos funcionários”, afirma Cunha. “Por isso, fiz as alterações nos recibos: foi tudo para pagar os direitos trabalhistas dos funcionários.”
No processo, Cunha confessa também que usava o dinheiro público para pagar o salário de sua mulher, Elenira. De acordo com a investigação, a filha de Chico Mendes recebia R$ 4 mil mensais, um pagamento irregular segundo o próprio estatuto do instituto. Para maquiar o pagamento do salário de Elenira, um irmão de Davi assinaria os recibos de pagamento. Para ÉPOCA, Elenira negou que recebia salário do instituto.
A mãe de Elenira e viúva de Chico Mendes, Ilzamar Gadelha Mendes, é acusada na ação do Ministério Público de ser funcionária fantasma da instituição. De acordo com a investigação, Ilzamar recebia um salário mensal de R$ 3 mil sem exercer nenhuma função. Em seu depoimento ao Ministério Público, Ilzamar reconheceu que não trabalhava na entidade. ÉPOCA a procurou e a encontrou em sua casa ao lado de um cão pit-bull e três vira-latas. “Não vou dar entrevista. O processo está seguindo em segredo de Justiça”, afirmou Ilzamar. O promotor Mariano de Sousa Mello pediu a quebra do sigilo bancário do instituto. “Se comprovarmos que esses salários foram pagos de forma irregular, tanto a mãe quanto a filha terão de devolver o dinheiro aos cofres públicos”, diz Sousa Mello.
Elenira culpa o governo do Acre e o marido pelos problemas no instituto. “Eu não sabia o que o Davi fazia, eu assinei muita coisa sem ler”, afirma. “Eu viajo muito e, por isso, acabei não dando a devida atenção às contas do instituto. Eu reconheço minha culpa por essa omissão.” Elenira afirma que o governo do Acre também é responsável pelo processo. “Eles sempre souberam que usávamos o dinheiro do convênio para pagar os funcionários. Mas faziam vistas grossas, pois a questão sempre foi manter a casa de meu pai aberta para visitação”, afirma. “Hoje, tudo o que o governo do Estado faz é vendido a partir da história do meu pai.”
Clique aqui e aqui para continuar lendo a reportagem completa publicada pela revista Época.
Nota do blog: Foi a partir do Xapuri Agora que as denúncias contra os dirigentes do Instituto Chico Mendes ganharam repercussão nacional. Publiquei aqui as informações divulgadas pelo Ministério Público e repassei os detalhes ao jornalista Altino Machado, que também postou sobre o assunto no Blog da Amazônia, de Terra Magazine, dando grande projeção à notícia.
Um comentário:
fiquei comovido com o texto acima, a Elenira e o davizinho agiram em prol dos direitos trabalhistas dos funcionários da fundação, só esqueceram de falar da exploração que faziam aos mesmos, sem folgas nem mesmo aos domingos e carga horária acima de 8 horas diárias e ainda tinha mais, quem achasse ruim era só pedir pra sair como dizia o Davi fazendo pressão aos que reclamavam.Mais de um mês já se passou da grande explosão que explodia todo dia e que todos sabiam lá em Xapuri era só conversar com qualquer funcionário durante alguns minutos e qualquer um já falava o que o mundo inteiro agora sabe, recibos em branco, descontos trabalhistas no salário e que até hoje não foram contabilizados e é por isso que estão alegando as irregularidades... Pergunto e os projetos que foram investidos os recursos, só ouço falar de um, que era realizado em um antigo prédio de uma delegacia e que não tem nenhuma benfeitoria no local e que a elenira havia prometido comprar para continuar sendo utilizado pelo grupo e que até o dinheiro já tinha e agora foi comprado por um comerciante.Esperamos que tudo isso não acabe em pizza, o circo já foi desfeito e tudo parece que voltou ao normal.
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