domingo, 8 de novembro de 2009

Os neocaretas

Luciano Pires

Geysi tem 20 anos, carnes fartas e - suprema arrogância - gosta de si a ponto de usar um vestido vermelho e curto, deixando de fora um bom naco das coxas generosas. E vai vestida assim para a escola, justificando-se:

- Depois da aula vou numa festa.

Convenhamos: não é de bom tom ir à aula de minissaia, qualquer que seja a cor, certo? Pode provocar tumulto. E foi exatamente o que aconteceu neste ano de 2009 do novo milênio. Além de usar a minissaia, Geysi subiu a rampa que dá acesso às salas de aula... E alguém sentiu-se incomodado com o vestido e as coxas da moça e falou para outro alguém, que também se incomodou. Outros alguéns compartilharam da incomodação e começaram a xingar a moça, juntando mais gente e encurralando-a numa sala de aula da universidade Uniban, em São Bernardo, SP.

Foi necessário que a polícia fosse chamada para Geysi ser retirada do local em segurança, vestindo um jaleco branco sobre o vestido escandaloso.

Pelas cenas, calculei que umas 300 pessoas estiveram envolvidas na confusão.

Tenho certeza de que pelo menos 270 estavam no tumulto pelo tumulto. Queriam fazer algazarra, tirar fotos e participar da bagunça. Mas alguns estavam realmente irados e dispostos a dar um corretivo na moça que ousou usar uma minissaia na escola.

O ser humano em grupo é um perigo. Perde o senso do ridículo, o medo, a capacidade de usar a lógica e é capaz de cometer as maiores barbaridades. É assim com as torcidas organizadas, nas brigas na balada, e com aqueles grupos de jovens que destroem os orelhões.

Em grupo, somos irracionais.

E ali, dentro de uma universidade, local que tradicionalmente chama a si a vanguarda pelas "lutas democráticas", assistimos a uma demonstração de intolerância, brutalidade e estupidez como há muito não se via. Provavelmente a maioria dos "defensores da moral e bons costumes" eram garotos e garotas que não veem mal em dançar aqueles funks com letras pornográficas, navegar por sites de sacanagem, dar audiência para a mulher melancia - que mostra o útero em rede nacional de televisão - ou consumir algumas substâncias pra "ficar mais alegre". Essa gente tão liberal ficou zangada com o vestido da Geysi. E decidiu partir para a porrada.

E o Brasil conheceu a versão atualizada dos cara-pintadas: os neocaretas.

Parece que apenas um professor defendeu a garota. Ninguém mais. Até dá para entender: o medo de apanhar pode ter espantado os defensores habituais... Mas e depois? Cadê as declarações estridentes daquelas ONGs que defendem a mulher? Cadê as ameaças daqueles grupos que se mobilizam pelos direitos humanos? Cadê a pastoral do bairro? Ninguém se manifestou. Geysi está só.

Geysi Arruda é a Geni do novo milênio. Mas, diferente da Geni da música de Chico Buarque, não sofre preconceito por ser prostituta. O mal de Geysi é ser loira. Ter olhos claros. Não ser miserável. Não ser negra. Não ser homossexual. Não ser bolsista pelo sistema de cotas.

O pecado de Geysi é não defender alguma bandeira "dos oprimidos".

No Afeganistão, ela teria sido apedrejada.

Ainda chegaremos lá.

Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.

Nota do blog: A Uniban anunciou, na noite desse sábado (leia), a expulsão da estudante Geysi Villa Nova. A instituição publicou anúncio nas edições deste domingo (8) de alguns dos principais jornais de São Paulo informando que a aluna do curso de turismo Geysi Villa Nova Arruda foi desligada “do quadro discente da instituição, em razão do flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade”. É mole?

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