Éden Barros Mota
Estive por dois dias em Xapuri - 30 e 31 de outubro - e me deparei com uma cena deplorável, para não dizer vergonhosa.
Dirigi-me até a casa do saudoso Chico Mendes e verifiquei in loco o que todos me diziam e eu não acreditava. Comprovei que, realmente, a rua Doutor Batista de Moraes e o final da Pio Nazário se encontram intrafegáveis há mais de um ano, ou seja, quem quiser chegar até a ex-residência de Chico Mendes, se for de carro, tem que largar o mesmo a uns 100m e seguir viagem a pé, posto que as ruas não oferecem trafegabilidade.
Gostaria que alguém da Prefeitura de Xapuri desse uma resposta não só para mim, mas principalmente para a população xapuriense e para os turistas que para ali se dirigem.
Em relação a esse episódio, ouvi uma explicação tão vergonhosa quanto o estado em que se encontram as ruas. Informaram-me que a Prefeitura de Xapuri ainda não havia tomado uma providência, visto tratar-se de patrimônio histórico cultural. E eu pergunto: desde quando um patrimônio histórico não pode ser restaurado?
Para adentrarmos nesse tema é importante esclarecermos o que é tombamento.
Vejamos: o tombamento é uma modalidade de intervenção na propriedade privada por meio da qual o Poder Público procura proteger o patrimônio cultural brasileiro.
Quatro são as espécies de tombamento: o voluntário, quando o proprietário consente o tombamento; o compulsório, quando o Poder Público realiza a inscrição do bem como tombado, mesmo diante da resistência e do inconformismo do proprietário; o provisório (que é o caso da Casa de Chico Mendes) enquanto está em curso o processo administrativo instaurado pela notificação do Poder Público e o definitivo, quando depois de concluído o processo, o Poder Público procede à inscrição do bem como tombado, no respectivo registro de tombamento.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN através do DOU – Diário Oficial da União de 13/02/2008, notificou (tombamento provisório) a respeito do tombamento da Casa de Chico Mendes e se seu acervo. Queremos deixar claro, que esta fase de notificação quanto ao processo para tombamento do bem ainda não é conclusiva ou final, uma vez que as fases do processo de tombamento são as seguintes: a) o parecer do órgão técnico cultural; b) a notificação do proprietário, que poderá manifestar-se anuindo com o tombamento ou impugnando a intenção do Poder Público de decretá-lo, c) decisão do Conselho Consultivo da pessoa incumbida do tombamento, após as manifestações dos técnicos e do proprietário; d) possibilidade de interposição de recurso pelo proprietário, contra o tombamento, a ser dirigido ao Presidente da República.
No momento, após pesquisas, verifiquei que a Casa de Chico Mendes ainda não chegou à última fase, qual seja a do tombamento definitivo, encontrando-se, ainda, em fase de notificação. Mesmo nesta fase, há de se ressaltar que o bem já se encontra sob uma proteção legal, desta forma, realmente, sem autorização do órgão competente, não poderá ocorrer qualquer tipo de restauração. Em palavras mais claras, desde que devidamente autorizado, pode sim haver a restauração do bem. Aliás, um dos motivos que levam o tombamento é justamente a proteção do bem.
A afirmação acima se encontra devidamente consubstanciada no Art. 17 do Decreto-Lei n° 25/37 que trata do Patrimônio Artístico Nacional. Assim reza o referido art.: “As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena da multa de cinqüenta por cento do dano causado”.
Já que as imediações da Casa de Chico Mendes são parte provisória do Patrimônio Histórico Nacional e a população de nossa cidade é a mais interessada na conservação de tal bem, o que impede que a Prefeitura de Xapuri ou o próprio governo do Estado do Acre procedam a arrumação da rua, já que dizem ser um obstáculo a questão do tombamento? Resposta: a autorização do órgão competente. Pela forma como tratam do assunto, pelo visto, esta autorização nunca foi pedida, pelo menos foi o que deixaram transparecer. E vou além, tenho a certeza absoluta que o IPHAN não iria em hipótese alguma se opor à restauração, uma vez que o bem estaria sendo conservado.
Enquanto isso, praças, avenidas, parques são construídos em Rio Branco em nome de Chico Mendes e a nossa cidade não recebe nem as migalhas, nem a atenção que o líder sindical queria.
Na administração anterior não se fazia porque os governos municipal e estadual eram opositores. E agora qual a explicação? Particularmente, acredito mais na falta de interesse e na falta de vontade dos administradores ante o próprio desinteresse do povo de Xapuri, que infelizmente se encontra órfão de verdadeiros representantes municipais.
Desta forma, é por demais cômoda a resposta de que não se arrumam ou restauram às Ruas Pio Nazário e Doutor Batista de Moraes em razão da impossibilidade face ao tombamento. É a inoperabilidade devidamente justificada. Isto é uma vergonha!
◘ Éden Barros Mota é xapuriense e escrivão da Polícia Federal.
Nota do blog: No dia 21 de fevereiro do ano passado, a promotora Nelma Araujo Melo Siqueira, da Promotoria de Justiça Especializada em Direitos Difusos e Coletivos de Defesa do Meio Ambiente da Bacia Hidrográfica do Alto Acre, recomendou à prefeitura de Xapuri que fossem suspensos imediatamente os serviços de pavimentação asfáltica das ruas Pio Nazário e Dr. Batista de Moraes (leia aqui). Fato é que os serviços não estavam sendo nem nunca foram realizados nessas ruas.
Na mesma recomendação, a promotora deixava claro que o município deveria solicitar autorização prévia ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, bem como comunicar ao Ministério Público Estadual e ao Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Cultural para poder realizar a "execução de obras, intervenções, instalação de anúncios ou cartazes na vizinhança da 'Casa Chico Mendes', o que incluia obras de pavimentação de ruas".
Leia o comentário que faço sobre o assunto no post Coisas de Xapuri).
Nos convênios firmados em junho deste ano entre Estado e município de Xapuri constam recursos da ordem de R$ 340 mil para a execução das obras de drenagem da famosa cratera existente na rua Dr. Batista de Moraes - nas proximidades da Casa de Chico Mendes - com tubo de concreto diâmetro de 1.200 milímetros e pavimentação em tijolos de 7.040 m² da mesma via pública.
Recentemente, o prefeito Bira Vasconcelos informou que os serviços não haviam sido iniciados em razão de um outro problema: o embargo das obras de um projeto de saneamento básico do Ministério da Saúde, via Funasa, cujos canos permanecem enterrados em algumas ruas do centro da cidade, entre elas a rua Dr. Batista de Moraes. Com a retomada da obra, tudo indica que em breve os serviços de recuperação da rua Dr. Batista de Moraes terão início.
O prefeito não falou, no entanto, sobre a necessidade de pedir autorização ao Iphan para executar as obras nas proximidades da Casa de Chico Mendes como orienta o Ministério Público.
Leia também: Dinheiro enterrado.
Foto: arquivo do blog.
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