Pressionados por Evo Morales, brasileiros vão deixar a Bolívia
Lucas Ferraz, iG Brasília
Pelo menos 400 famílias que vivem há décadas na Bolívia, na faixa de fronteira com o Acre, comunicaram ao Itamaraty que vão retornar ao Brasil. Diante da ameaça de serem expulsas do país vizinho, cuja Constituição proíbe a permanência de não-bolivianos na faixa de 50 km a partir da linha fronteiriça, elas serão reassentadas pelo governo federal em área ainda não definida.
A divergência entre os governos de Brasil e Bolívia começou há três anos, quando o presidente Evo Morales determinou o cumprimento do artigo 25 da Constituição do país. Segundo ele, estrangeiros não podem ter propriedade em área de fronteira. Nos cálculos do Itamaraty, entre 550 e 600 famílias de brasileiros vivem nessa parte do departamento (similar a Estado) de Pando, principalmente em sua área rural. A maioria tem propriedade na região e trabalha em atividades como compra e venda de castanha, seringais, e ainda com gado e madeira.
Até o momento, segundo apurou a reportagem do iG, apenas duas famílias concordaram em ficar na Bolívia - elas deverão ser reassentadas em outras áreas do país, longe da fronteira. O governo brasileiro contratou a Organização Internacional para Migrações (OIM), entidade com experiência em migrações na África e no Leste Europeu, para tentar resolver o impasse. O Congresso aprovou R$ 20 milhões para serem usados no caso, inclusive para comprar propriedades para a instalação dos brasileiros na Bolívia. Outra medida adotada pelo governo foi instalar na cidade de Puerto Evo Morales (próximo a Plácido de Castro, no Acre), um consulado sazonal para atender as famílias que estão na região.
O número de pessoas que querem regressar ao Brasil ainda é parcial e pode aumentar, segundo o embaixador Eduardo Gradilone, diretor do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior, do Itamaraty. O órgão termina no final deste mês uma recontagem para iniciar a eventual retirada dos brasileiros, que devem ser realocados em áreas próximas da fronteira, no Estado do Acre.
Segundo o embaixador, o reassentamento na Bolívia deve ocorrer num prazo muito menor que no Brasil, previsto para levar meses e que vai envolver órgãos como o Ministério de Desenvolvimento Agrário e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A retirada das benfeitorias dos residentes no país vizinho também não foi definida. “Às vezes levar fica mais caro do que deixá-las lá mesmo”, comenta Eduardo Gradilone. Carlos Portela, policial rodoviário federal que mora em Epitaciolândia, no Acre, cidade vizinha a Cobija, capital de Pando, e que acompanha a situação dos brasileiros no país, diz que “muitos já estão vendendo suas coisas, só que não acham bons preços”.
Reciprocidade
Há dois meses, a OIM realizou levantamento no qual cerca de 300 famílias de brasileiros disseram ter vontade de permanecer na Bolívia. O quadro, no entanto, mudou radicalmente de setembro para cá. Como disse o embaixador Gradilone, no levantamento feito pela organização internacional só havia alternativa “em termos de permanecer Bolívia”. No recadastramento atual, sob responsabilidade do Itamaraty, foi apresentada a opção de retornar, o que levou a mudar a situação. “É natural o direito de todo o brasileiro residente no exterior voltar ao seu país de origem”, completa ele.
A decisão do governo Boliviano de cumprir o artigo da Constituição que prevê a saída de estrangeiros causou mal estar entre as autoridades brasileiras. Fontes ouvidas pela reportagem do iG disseram esperar reciprocidade da Bolívia, já que em julho o governo Lula anunciou anistia que regularizou milhares de estrangeiros que viviam ilegalmente no país. Até outubro, mais de 25 mil pessoas foram regularizadas. Os bolivianos foram os mais beneficiados, segundo dados da Polícia Federal: 8.236 foram anistiados. A maior parte vive atualmente em São Paulo.
Segundo relatos de moradores que vivem na fronteira entre Brasil e Bolívia, a tensão aumenta com a proximidade das eleições presidenciais no país, em 6 de dezembro, quando Morales deve ser reeleito, e com a política do presidente de incentivar a mudança de bolivianos do altiplano (região do país onde Evo Morales conta com grande apoio popular) para Pando, um dos departamentos oposicionistas.
Procurada, a embaixada da Bolívia em Brasília disse que “é um direito do presidente incentivar” o deslocamento de bolivianos no país, e que isso não tem nada a ver com a situação dos brasileiros residentes na região de fronteira. “Isso vai ser solucionado, respeitando os direitos dos brasileiros”, afirmou a diplomacia boliviana.
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