O professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UNB), Roberto Piscitelli, afirmou certa vez que o Estado brasileiro não tem tradição de cobrar, quando se trata dos grandes devedores, aqueles que têm fortes laços políticos nas diversas instâncias. O estudioso asseverou que "falta disposição política para cobrar as dívidas e a lei se torna inócua ou só é aplicada aos mais fracos".
A observação de Piscitelli se aplica perfeitamente à dramática história da produtora rural Francisca Ferreira Borges, 46, mãe de 14 filhos - dos quais 11 estão vivos - e viúva do também trabalhador rural Raimundo José Borges, assassinado há alguns anos, cujo homicida o Estado ainda não logrou êxito em capturar e aplicar a reprimenda da lei, colocando-o atrás das grades.
Francisca Borges está prestes a perder um dos poucos bens deixados pelo falecido marido: uma casa simples, em estado de conservação ruim e sem quase nenhum móvel em seu interior. A casa é habitada - acredite - por nada menos que 16 pessoas, entre filhos, netos e agregados. A moradia foi levada a leilão na manhã dessa segunda-feira (9), no átrio do Fórum da Comarca de Xapuri, como consequência de execução fiscal cujo credor é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama.
A tentativa de venda judicial do bem não prosperou, dessa vez, pela ausência de interessados no seu arremate, mas novo leilão ocorrerá no próximo dia 19 de novembro, às 9 horas, no mesmo local. Há mais de três anos, a família vem lutando, através da Defensoria Pública de Xapuri, para evitar a execução, mas os embargos interpostos foram todos julgados improcedentes pela juíza da Vara Cível Zenair Ferreira Bueno Vasquez Arantes.
A dívida da família Borges é decorrente de uma multa aplicada pelo órgão ambiental no valor de R$ 8.173,50 como punição pela derrubada de uma área de mata que Raimundo José havia comprado em meados de 2005. Segundo Francisca, o marido havia adquirido a terra com parte da vegetação já devastada. Derrubou o pouco que restava, plantou milho e depois capim, onde criava algumas poucas reses. Logo chegou o Ibama e o enquadrou pelo conjunto da obra.
Francisca não questiona a legitimidade ou não da multa. Só não quer perder o lar que abriga sua numerosa família. Mesmo sem possuir qualquer instrução formal e sem ter acesso à internet - coisa que ela não sabe o que é - ou mesmo assistir aos programas jornalísticos na televisão, ela sabe que quem tem dinheiro e influência política não costuma pagar multas e muito menos perder seus bens em razão delas.
Única a possuir renda fixa na casa, a mãe de família alimenta as quase duas dezenas de bocas com o que recebe da aposentadoria de viúva e do aluguel de um pequeno prédio comercial que também faz parte do espólio do falecido. Fora ela, apenas duas filhas se dedicam a alguma atividade fora do lar, mas a renda somada de ambas não passa dos R$ 40,00 reais mensais.
Inconformada com a situação, Sebastiana Borges, uma das filhas (de cabeça baixa na foto), faz um apelo para que alguém se sensibilize com o drama de sua família e interceda contra o que ela entende como uma grande injustiça.
"Não compreendo como o governo que divulga que trabalha para que as pessoas tenham sua moradia seja o mesmo que tira a casa de uma família como a nossa, que não possui nenhum recurso. Espero que alguém tome consciência da nossa situação e faça alguma coisa para evitar essa injustiça", desabafou.
Um projeto de lei apresentado recentemente ao Congresso pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) defende o perdão das dívidas dos "povos da floresta". A anistia atingiria ribeirinhos, seringueiros, pescadores e pequenos produtores de todas as multas ambientais por um período de 10 anos.
Segundo a deputada, o projeto é uma tentativa de conter a virulência com que os órgãos ambientais castigam os agricultores familiares. "Sabemos que a repressão fiscal imposta aos pequenos não é adotada contra os grandes depredadores do meio ambiente", defendeu a deputada.
Abaixo, fotos da casa e de parte da família de Raimundo Borges.
Termo de Intimação e Edital de Leilão
2 comentários:
Enquanto a Justiça e o Ibama se empenham ao máximo para que esta família "pague pelo não cumprimento ao que diz a lei", nós vemos todos os dias caminhões carregados de "toras" e de madeira circulando livremente pelas ruas e estradas. E o que se pode obsevar claramente é de que não se trata de madeira certificada.
impressionante o que o poder publico faz com os menos favorecidos só para dizer que a lei esta sendo cumprida.A verdade é que a lei protege os mais favorecidos e puni quase que exclusivamente os pobres.
Como pode uma juíza não poder se sensibilizar com a situação dessa pobre viuva.Isso só me leva a concluir que as pessoas só são realmente seres humanos quando se põe no lugar das outras.
O governo da mais valor para uma paca,uma cutia do que para o pobre caboclo que ta la dentro do mato buscando seu sustento. Que "governo sustentavel" é esse? que quer tirar um bem que é direito constitucional.O DIREITO A MORADIA.
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