domingo, 28 de junho de 2020

O princípio da impessoalidade sob os pés do interesse político

O requerimento encaminhado à Câmara Municipal de Xapuri, na semana passada, pelo policial federal aposentado e agora advogado Eden Barros Mota, solicitando informações sobre os critérios usados pela instituição para a contratação dos servidores não efetivos que constam no quadro de pessoal, suscita uma reflexão sobre uma realidade que se arrasta sob o sono da população e das autoridades incumbidas de proteger o que está escrito na Constituição Federal.


Não é segredo para ninguém que em todas as esferas administrativas não são escassos os meios pelos quais o princípio da impessoalidade, consolidado no caput do artigo 37 da Carta Magna, é pisoteado sem nenhum tipo de escrúpulo. As manifestações mais comuns se mostram por meio da apropriação indevida de ações de governo em benefício político individual e a criação de cargos comissionados que objetivam o favorecimento pessoal em detrimento da coletividade.

Contextualizando, recorro a alguns exemplos bem visíveis em Xapuri, quando ações de cunho puramente administrativo, como a recuperação de um aparelho de raio-x do hospital ou a realização de uma edição do programa Saúde Itinerante, são atribuídas à atuação de determinados políticos, por meio de propaganda disseminada nas redes sociais, além de atos presenciais sob o barulho de fogos e rojões, ao desconhecimento ou omissão do governo.

Outro ponto que merece atenção do povo e dos fiscais da lei é quanto às artimanhas para o beneficiamento de pessoas escolhidas a dedo para ocupar cargos ou funções de cunho temporário, de maneira direta ou pelo serviço terceirizado nas esferas administrativas. Seja por meio das empresas terceirizadas ou pelas chamadas CECs, esses empregos estão nas mãos de políticos amigos do poder que os distribuem a seu bel prazer.

Não estou aqui assegurando que a distribuição das CECs esteja em desacordo com a legislação vigente, mas que vai de encontro ao princípio da impessoalidade, isso eu afirmo plenamente. As CECs são tidas como cargos de confiança, mas não as são de maneira absoluta. As pessoas que as detêm, especialmente as de menor valor salarial, em uma escala que vai de 1 a 7, em grande parte executam serviços comuns, que nada têm a ver com função de chefia, direção ou coordenação, como deveria ocorrer.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou sua jurisprudência dominante no sentido de que a criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, ou seja, cargos que são de livre nomeação e exoneração, sendo imprescindível a existência de um vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado, mas não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais.

Isso significa que centenas de cargos que poderiam ser objeto de concorrência pública, seja por meio de concurso efetivo ou processo simplificado, se mantêm sendo loteados aos partidos apoiadores que deles se utilizam como maneira de angariar dividendos eleitorais e manter os tradicionais currais, que nunca deixaram de existir. E vejamos que o atual governo reduziu, segundo afirma, esses cargos da casa dos 2,5 mil para apenas 900.

Em Xapuri, o olho grande por essas posições na folha governamental promove uma verdadeira caça às bruxas de modo a se remover dos postos aqueles que não contribuem politicamente com o projeto político vigente por outros que sejam compromissados com o voto de cabresto. Em plena pandemia, servidores temporários têm sido demitidos sem justificativas plausíveis e alguns até mesmo sem aviso prévio.

O caso da Câmara de Xapuri, requisitada a explicar como nomeia ou contrata os servidores que não são efetivos – dizendo se existe lei que cria os cargos comissionados e se há processo público para a admissão desses funcionários, deve ser estendido também ao município e ao estado, caso as informações não constem nos obrigatórios portais de transparência.

As vagas disponíveis no serviço público por meio
 da criação de cargos comissionados que não estejam contemplados na citada jurisprudência do STF podem ser objeto de contestação judicial. O acesso a esses cargos e funções deveria ser aberto à concorrência seja por qual processo for, desde que legal. Qualquer ato que não siga esse objetivo ficar sujeito a invalidação por desvio de finalidade. A administração não pode atuar com vistas a beneficiar ou prejudicar pessoas. 

O advogado e engenheiro civil José de Andrade Mota Neto, afirma no artigo O princípio da impessoalidade e sua efetividade na Administração Pública Brasileira que “como resquício de uma cultura herdada do Absolutismo, em que a pessoa do Estado se confundia com a pessoa do Monarca, e passando por outras situações, onde se destaca a naturalidade e normalidade como se encara e se pratica o nepotismo, vê-se que a impessoalidade é um princípio que carece de maior efetividade”.

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