Marcello Casal/ABr
Josias de Souza, colunista da Folha
O processo de fritura de Ciro Gomes introduziu na cozinha do governo uma novidade. Trocou-se a frigideira pelo forno de microondas.
Durante oito meses, Ciro Gomes passeou pela cena política sem se dar conta de que estava bem passado.
Gerente do forno, Lula preparou a mesa munido de duas receitas. Numa, os ingredientes para arrancar Ciro do tabuleiro nacional, acomodando-o em São Paulo.
Noutra, o tempero que empurrou o PDT e o PCdoB, potenciais aliados de Ciro, para dentro da coligação de Dilma Rousseff.
Durante repasto servido na noite de 12 de agosto de 2009, no Palácio da Alvorada, Lula começou a preparar o assado.
Durou cerca de três horas e meia. Presentes, as cúpulas do PSB e do PT. No total, dez pessoas.
Além do anfitrião e dos dirigentes partidários, recostaram os cotovelos na mesa de jantar do Alvorada o próprio Ciro e Dilma Rousseff.
A conversa transcorreu ao redor de duas opções de prato: um peixe amazônico, tambaqui; e carne, filé mignon.
Ciro chegou por volta de 21h30. Imaginou que fora convidado para jantar. Ao final, perto de uma da madrugada, estava jantado.
Primeiro a falar, Lula disse aos comensais que, se o PSB decidisse fazer de Ciro seu candidato à presidência, respeitaria.
Depois, expôs a estratégia que considerava, já então, ideal: uma disputa “plebiscitária” entre Dilma e José Serra.
Levou à mesa a hipótese de Ciro concorrer ao governo de São Paulo. Uma alternativa que, disse ele, merecia ser “muito bem avaliada”.
Nas pegadas de Lula, falou o governador pernambucano Eduardo Campos, presidente do PSB. Expôs um compromisso e uma inquietação.
O compromisso: a prioridade do PSB seria preservar o projeto conduzido por Lula, um empreendimento ao qual o partido se associara em 2003.
A inquietação: achava que a tática do plebiscito seria arriscada. Poderia levar a uma derrota de Dilma no primeiro turno.
Ciro ecoou Campos. Disse que sua presença na cédula garantia, no mínimo, o segundo turno. Concordou, porém, em analisar o projeto São Paulo.
No mês seguinte, setembro de 2009, Ciro transferiu seu título eleitoral do Ceará para São Paulo. Com esse gesto, pulou dentro microondas.
São Paulo converteu-se, na crônica da fritura, numa espécie de pousada de beira de estrada. Na portaria, Anthony Perkins disfarçado de aliado petista.
Em reuniões com operadores do PT, Lula deu ao seu partido uma licença para matar. Ordenou que a legenda arrumasse a cama de Ciro em São Paulo.
Em conversa com o grão-petê Antonio Palocci, Lula instou-o a abrir mão de uma sonhada candidatura ao governo de São Paulo.
Lula acomodou Palocci na coordenação da candiatura de Dilma. E o PT montou para Ciro uma supercoligação paulista.
À medida que crescia o cheiro de queimado, Ciro reforçava a cantilena presidencial.
Diante da resistência do pseudoaliado, Lula, autoconvertido em neo-Hitchcock, encaminhou Ciro para o chuveiro da hospedaria.
Em telefonemas e reuniões subterrâneas, escalou Eduardo Campos para o papel de Janet Leigh.
Ficou entendido que caberia ao presidente do PSB a atribuição de programar a descida da faca.
Para preencher o vácuo de São Paulo, Lula escolheu o senador petê Aloizio Mercadante. Tirou do caminho dele cinco pretendentes petistas.
Programada para março, a degola de Ciro acabou sendo adiada para abril. Houve falhas de sincronismo.
Entre a montagem do cadafalso e a incineração, Ciro perambulou, sem cabeça, por uma semana. Gritou além do desejado.
No jantar da noite de 12 de agosto, Lula citara Marina Silva. A senadora trocava o PT pelo PV. Empinava uma candidatura que conspirava contra o plebiscito.
O petismo apelara a Lula para que interviesse. À mesa do Alvorada, o presidente evocara sua própria história.
Dissera que, tendo disputado a presidência quatro vezes, não se julgava no “direito de pedir a ninguém para não ser candidato”.
Ciro acreditou em Lula. Agora, diz que seu partido "errou". E considera-se traído pelo presidente. Bobagem. Lula não corrompeu as palavras ditas no jantar.
Não pediu a Ciro que desistisse. Assou-o sem lhe dirigir palavra.
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