Gustavo França
No dia 5 de dezembro de 1963, o senador Arnon de Mello fazia, na tribuna do Senado Federal, um discurso carregado de raiva, lançando acusações contra seu adversário político em Alagoas Silvestre Péricles. Dentro de seus olhos arregalados, viam-se feições psicóticas. No meio do pronunciamento, Arnon de Mello sacou sua arma e fez três disparos contra o inimigo. Não acertou nenhum. Acabou atingindo acidentalmente o senador do Acre José Kairala, que morreu. Devido à imunidade parlamentar, Arnon de Mello não foi sequer cassado (também, naquela época, a política brasileira tinha assuntos mais importantes em pauta, visto que estávamos em meio à tensão política que levaria à deposição do presidente Jango).
Vinte e seis anos depois, em 1989, o filho de Arnon de Mello, que carrega o mesmo olhar que salta assustadoramente das órbitas do pai, foi eleito presidente da República, numa das nossas maiores demonstrações de incompetência eleitoral. O homem candidatou-se pouco tempo antes da eleição, com um discurso totalmente vazio de ideias, e venceu políticos conhecidos no cenário nacional, tanto na esquerda (Lula, Brizola), quanto na direita (Ulysses Guimarães, Mário Covas).
O resultado não poderia ter sido outro. Há alguns dias, tivemos um "déjà vu". Lá estava esse mesmo homem, no Senado Federal, ocupando a mesma posição que o pai ocupava, ouvindo um discurso do senador Pedro Simon, do PMDB do Rio Grande do Sul, que lhe deu pequenas alfinetadas enquanto falava mal do senador de Alagoas Renan Calheiros. Subitamente levantou-se e, com as pálpebras bem erguidas e a respiração ofegante, lançou impropérios contra o orador, fazendo todos reviverem a cena de 1963. Tenho certeza de que foi por isso que Simon parou, com medo de que as suspeitas de psicopatia viessem a se confirmar.
Não restam dúvidas de que o político em questão é Fernando Collor. Ele pode ser considerado a personificação do despreparo do povo brasileiro. Com fortes indícios físicos contra a sua sanidade mental, com um histórico familiar deplorável, ele militou como deputado federal no PDS, partido do governo militar, chegando a votar em Paulo Maluf nas eleições indiretas de 1984. Mesmo assim, foi eleito presidente da República, sofrendo impedimento depois de uma chuva de acusações que o ligavam ao esquema de corrupção mais escancarado da história da política brasileira. Aí está ele novamente, senador da República, demonstrando que é o mesmo de sempre. Não está por livre e espontânea vontade, está por que nós o elegemos. Essa é a triste realidade.
Enfim, este é o Brasil. As sensações de "já vimos isso antes" vão continuar acontecendo. Políticos execrados há 20 anos estão roubando a cena de novo (Sarney, Collor, Renan). A desgraça política brasileira é cíclica. O nosso masoquismo é impressionante. Elegemos os políticos errados, sentimos nossos erros na pele, nos revoltamos contra eles e os elegemos de novo. Considerando que Collor é neto de Lindolfo Collor, velho figurão gaúcho que apoiou Getúlio Vargas na Revolução de 1930, acho que a dinastia dos aloprados não para por aí. Que surpresas nos reservarão seus filhos e netos?
Gustavo França é leitor do jornal O Globo.
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