Jorge Viana
O mundo inspira novos ares, ou pelo menos tenta se inspirar para a busca de algo novo no Reino da Dinamarca. É que o concerto das nações já vive as preparações da Conferência do Clima em Copenhague. Ou a 15 Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontece em dezembro próximo para consolidar um novo acordo mundial em substituição ao Protocolo de Kyoto.
Rumo a Copenhague, cada um se prepara como deve e pode. Em abril passado, 175 nações se reuniram em Bonn, Alemanha, abrindo oficialmente as discussões e deixando claro que a restrição das emissões de gases estufa terá o maior destaque na agenda. Antes, no fim de janeiro, o Fórum Social Mundial, em Belém do Pará, já colocava em questão a justiça climática. E lembrando que Tolstoi avisava a quem interessasse ser universal para falar da sua própria aldeia, um encontro com frei Leonardo Boff no Acre me faz recordar quanto o Brasil pode contribuir para a conquista de um acordo climático mais avançado em Copenhague.
Desta vez Leonardo Boff veio ao Acre proferir palestra sobre ética e ecologia. Em Rio Branco, fui vê-lo falar para um teatro repleto de pessoas de todas as idades. Confesso que me emocionei ao vê-lo do alto de seus 70 anos de idade falando com a mesma vitalidade de 30 anos atrás. Mais que lembranças, isso me recobrou toda esperança que o frei Leonardo ajudou minha geração a descobrir na juventude.
Aqui se diz que quem bebe água do Rio Acre sempre volta. Nos anos 80 Leonardo Boff navegou pelas águas do Acre e do Purus, conduzido pelo quase santo padre Paolino Baldassarri para beber sabedoria na fonte dos ribeirinhos acreanos. Então ele fez questão de reencontrar algumas amizades daquela época, quando ele e seu irmão Clodovis, a convite do bispo D. Moacyr Grechi, ajudaram na criação e multiplicação das Comunidades Eclesiais de Base, que deram vida ao forte movimento social na floresta e contribuíram para o surgimento de lideranças hoje globais como Chico Mendes e Marina Silva.
Leonardo Boff é um dos poucos intelectuais brasileiros que sabem porque a temática ambiental, muito antes de ganhar o mundo, já pautava o movimento social do Acre. Claro que, quase 30 anos atrás, a ecologia não tinha a formulação complexa de hoje em dia, com as mudanças climáticas e o aquecimento global assustando a todos. Mas é de Chico Mendes o pioneirismo da defesa da floresta para os povos que nela habitam, raiz da idéia de justiça social com sustentabilidade que hoje justifica as teses ambientalistas mais avançadas em todo o planeta. E foi a seringueira Marina Silva, chegando por mérito ao Senado e ao Ministério do Meio Ambiente, quem, com apoio do presidente Lula, transformou em políticas públicas a valorização das florestas e a redução das emissões provenientes das derrubadas e queimadas, levando o Brasil a fazer a parte que lhe cabe para as metas de Kyoto.
Há muito da sabedoria dos povos da floresta no alerta profético de Leonardo Boff para que o mundo mude seus padrões de consumo sob pena de esgotamento dos recursos de que a Mãe Terra dispõe e oferece. Reencontrá-lo no Acre, 30 anos depois dos primeiros encontros, falando com a mesma vitalidade para a nossa nova juventude, é renovar nossa esperança, é confirmar a necessidade de resistir, é dizer de novo da precisão de navegar.
Tenho orgulho de pertencer a uma geração de acreanos que entendeu que defender a floresta era nosso jeito de ajudar na construção de um mundo melhor para todos. Quando chegamos ao governo, trocamos a frieza do verbo "administrar" pelo compromisso do verbo "cuidar", e a florestania como forma de promover a sustentabilidade holística nas dimensões ambiental, econômica, social, cultural, política e ética.
Frei Leonardo Boff contribui para isso, então acredito que ele também possa contribuir para que essa nova juventude encontre o seu jeito de melhorar o mundo. Acho isso muito importante, porque tenho viajado por muitos países e visto o vazio de sentido na vida dos jovens, principalmente nos países mais desenvolvidos, onde até o número de suicídios entre jovens é algo assustador. E se a história universal ensina que a juventude se alimenta de causas, também acredito que a defesa do planeta é a única ideia capaz de motivar os jovens nesses tempos de tantos conflitos e saturação das perspectivas individuais.
Gosto de ver Leonardo Boff vindo encontrar nossa juventude e fico feliz que ele tenha no Acre uma de suas fontes de inspiração, logo ele que compreende e faz compreender com tanta clareza as torturas que sofre e as curas por que clama a Mãe Terra. Isso nos remete novamente a Tolstoi e à universalidade das nossas aldeias. Para se qualificar no debate das mudanças climáticas, o Brasil precisa agregar os conhecimentos dos povos da floresta à sua participação na Conferência do Clima em Copenhague. Só assim pode ajudar o mundo a respirar algo de novo no reino da Dinamarca.
Jorge Viana foi prefeito de Rio Branco (1993-1996) e governador do Acre (1999-2006).
Fonte: jornal O Globo
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