Leonildo Rosas
Sexta-feira passada os blogs e sites de notícias se anteciparam e divulgaram que o Ministério Público Federal (MPF) havia denunciado atuais e ex-dirigentes do Deracre e empresários por terem supostamente cometido irregularidades na pavimentação asfáltica da BR-364 no sentido Rio Branco/Cruzeiro do Sul.
Os jornais impressos foram mais comedidos e discretos. Teve até quem preferisse omitir o devido destaque. A este colunista, fonte de dentro do MPF avisou que essa era apenas um das várias outras ações que serão encaminhadas após o fechamento de investigações que vêm se arrastando há cinco anos. Revelou que virão mais denúncias na área ambiental e criminal.
Sinceramente, por mais que haja um esforço grande, é impossível ficar sabendo dessas notícias sem se preocupar sobremaneira. A integração do Acre por estrada permanentemente com trafegabilidade é um sonho centenário de toda a população acreana.
A história tem nos ensinado que suspeitas e denúncias pondo em xeque a legalidade das obras sempre colocam em risco a sua execução dentro do prazo previsto. E tempo para construir estradas na Amazônia é coisa rara.
Não faz tanto tempo que houve atraso no cronograma gerado por denúncias. Aconteceu no governo Orleir Cameli (1995-98), quando o MPF pediu e a Justiça embargou os trabalhos que vinham sendo realizados.
Na época, havia indícios fortes de que os serviços estavam atolados em irregularidade. Ao fazer vistoria in loco, o procurador da República Luiz Francisco Fernandes de Souza comprovou, entre outras coisas, que máquinas da empresa do governador haviam sido alugadas pela empreiteira vencedora da licitação.
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Na época do embargo, os aliados do governador trataram de satanizar políticos petistas, em particular a senadora Marina Silva, que foi linchada moralmente em praça pública.
Marina Silva saiu quase ilesa do bombardeio adversário. Em 2002, foi eleita para um segundo mandato com votação consagradora. A história se encarregou de pôr as coisas no trilho correto da verdade, mas até hoje há quem excomungue a religiosa parlamentar.
A lembrança do que aconteceu na gestão Orleir Cameli é fundamental. É bom buscar o passado para não perder de vista as coisas que acontecem no presente.
A notícia da denúncia contra ex-membros do governo preocupa. O atual grupo que administra o Estado chegou aonde chegou porque a população acreana cansou de conviver com homens públicos que faziam dos seus postos verdadeiros balcões de negócios.
A falta de escrúpulo e de decência era assustadora. Havia uma população órfã. As instituições estavam carcomidas pelo tempo e por práticas que fugiam do que reza a cartilha da dignidade.
Em 1998, capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores, a Frente Popular do Acre (FPA) assumiu o governo. Surgiu trazendo o novo, com novas práticas. O sucesso foi garantido. A coalizão está no terceiro mandato, com chances concretas de obter o quarto. É querer esconder os raios do sol com a peneira negar que o Estado avançou como nunca antes nos últimos dez anos.
Os avanços não ficaram restritos à execução de obras. O Acre deixou de ser um local onde imperavam os governos paralelos do crime organizado para se tornar numa referência no trato com a coisa pública e com o desenvolvimento sustentável pautado no aproveitamento racional das riquezas florestais.
O Brasil passou a olhar para o Acre não como um filho enjeitado e problemático, mas como um Estado com boas práticas na gestão pública e política. O acreano voltou a sorrir. A andar de cabeça erguida e altaneira. Sua autoestima nunca esteve tão alta.
Mas o poder desgasta. É inevitável. Torna-se difícil a manutenção constante da mesma pegada. Por mais que haja um esforço para se renovar permanente, o cheiro do velho permanece. Pessoas se aboletam nos cargos e passam a se considerar donos e senhores absolutos da verdade. É nesses momentos que os equívocos começam a acontecer.
A finalidade aqui não é condenar os acusados previamente, principalmente uma pessoa como Tácio de Brito, homem de vida simples, cuja honestidade tem sido prática constante na sua trajetória. Ocorre que era sangue-novo no Deracre. Pode ter sido induzido a cometer erros.
A preocupação é outra. O temor é de que um projeto que nasceu a partir do sonho de fazer um Estado digno da sua história se desvirtue e passe a ser tratado como os outros que o antecederam.
A denúncia do MPF é grave em todos os sentidos. Mas o preocupante é que ameaça jogar na vala comum todos aqueles que durante anos carregaram as bandeiras da ética e da honestidade.
Essas são as bandeiras que ainda sustentam a FPA no poder. Os resultados das urnas têm indicado que o cidadão tem medo de retroceder. O temor do passado nada glorioso mantém acesa a lamparina política do grupo que governa o Acre. Deixar apagar a chama por um sopro de suspeita é falha imperdoável. A prática, já dizia Lênin, é o critério da verdade.
Infelizmente, a FPA sofreu um pouco de desvio na sua condução e na sua prática. Os mais antigos ensinam: quem com porcos se mistura, farelo come. Nessa mistura, antigos adversários antes satanizados passaram a ser santificados em nome da manutenção do poder. Os ex-opositores não chegaram para comer farelos. Sentaram-se em locais privilegiados, saborearam um cardápio bem mais sofisticado no banquete do poder e estão ganhando dinheiro. Muito dinheiro.
Um desses novos santos é Orleir Cameli, um homem considerado “campeão de falcatruas”. Com um caminhão de processos nas costas acumulados nos quatro anos em que governou o Acre, o ex-governador é um dos maiores ganhadores de obras na atual gestão.
A proximidade com os antigos adversários não é bem digerida pela sociedade. A população, por mais que se esforce, não consegue mais diferenciar o joio do trigo. O erro da FPA foi trazer algumas maçãs podres da política acreana para dentro do cesto dos frutos bons. Nessa mistura, os bons sempre saem perdendo.
A denúncia está feita. Caberá aos acusados apresentar a defesa. O que não vale é querer desqualificar os denunciantes. O importante é comprovar que não houve irregularidade. É isso que o povo quer. É isso que a história exige. Ficar calado e na retranca não é o mais aconselhado.
Esse tipo de denúncia deve servir para os homens e mulheres da FPA mostrarem à sociedade que foram e permanecem diferentes. Omitir-se ou tentar qualificar quem denuncia é perigoso, pois pode dar margem para que as pessoas pensem que todos são iguais.
E neste caso, tal qual no Império Romano, não basta à mulher de César ser apenas honesta. Ela tem que parecer honesta.
◙ Leonildo Rosas é um dos melhores jornalistas acreanos da atualidade. Assina a coluna Poronga, no jornal Página 20. Há um ano, comprou uma briga com a direção do jornal (veja aqui), que recheou a coluna, sem a sua autorização, com uma nota de solidariedade do senador Tião Viana aos desembargadores Arquilau de Castro Melo e Adair Longuini, vítimas, segundo a nota, de agressões por parte de um jornalista da capital.
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