sábado, 17 de maio de 2025

O Mago da Banda de Música

O músico xapuriense Antônio Cosmo da Rocha, o Magão – ou Magrão, como ele mesmo deixa escapar com um sorriso discreto que prefere ser chamado - aquele mesmo que o inesquecível Wando Barros denominava de “Mago” – é da rara estirpe dos que vivem da música e, mais do que isso, vivem para a música.
Cinquenta anos se passaram desde que ele ingressou, ainda jovem, na Banda Municipal Dona Júlia Gonçalves Passarinho. Meia década de dedicação ininterrupta a um dos mais respeitáveis patrimônios culturais do município. Ali, entre trompetes, clarinetes e tambores, Magão escreveu sua história com a paciência dos que sabem que a beleza verdadeira é feita de constância e entrega.
Mas seu amor pela música nasceu muito antes, lá nas cabeceiras do Rio Xapuri, no Seringal Nazaré. Um menino de seis anos chegou à colônia Sumaré carregando nos olhos o verde da mata e no peito uma inquietude melódica herdada do irmão mais velho, José Carlos da Rocha, mestre de muitos instrumentos e grande incentivador. Com apenas 10 anos, Magão já arriscava as primeiras notas; com 17, veio para a cidade, e dali em diante sua jornada sonora ganhou o mundo – ou, pelo menos, tornou o mundo um pouco mais belo onde quer que ele tocasse.
Na virada dos anos 70, integrou o conjunto The Super Sonic, ao lado de outros talentos que deixariam marcas na cena local, como Adalcimar, Náder Sarkis e Luiz Brejeira. E como se não bastasse, em 2008, criou o inesquecível projeto Resgate Cultural Baile Show “De Siderais a H-UELEM”, um verdadeiro ato de resistência e celebração da memória musical de Xapuri. Em 2012, levou ao palco do Festival Acreano de Música a canção “20 anos sem Chico”, uma homenagem comovente ao líder sindical que transformou a história da cidade – e com ela, a de todos nós.
Mas Magão não é só história, é também raiz e herança. Pai de Michelle, Lennon e Arathana, perpetuou a paixão pela música nos filhos – os dois primeiros foram membros do grupo H-UELEM “Nova Geração”. Com a companheira de vida, Evanildes Oliveira, construiu não apenas uma família, mas um pequeno coral de afetos que acompanha cada acorde que ele ainda insiste em tocar.
Recentemente, amigos de longa data organizaram uma festa “quase surpresa” para celebrar sua trajetória de 50 anos na lendária Banda de Música. O gesto, liderado pelo também músico Carlinhos Castelo, que tem feito um reconhecido trabalho de valorização da “Dona Júlia”, é reflexo do carinho e da reverência que Xapuri tem por esse homem que, com sua humildade e talento, ajudou a moldar a identidade cultural da cidade.
Magão é, sim, um militante da música. Mas mais que isso: é um guardião do som que ressoa entre as palmeiras e os rios, entre a memória e o futuro. Seu legado não cabe numa partitura – ecoa nas ruas, nas escolas, nos corações daqueles que sabem que a verdadeira revolução começa quando alguém decide fazer da sua vida uma canção. E que privilégio o nosso poder ouvir essa canção há 50 anos.

domingo, 11 de maio de 2025

O tempo que cura silêncios


A vida, às vezes, nos costura com linhas tortas, pontos soltos, arremates incertos — e, ainda assim, forma algo belo. Como quem acompanha minhas publicações já está cansado de saber, não fui criado por minha mãe biológica, e essa ausência, esse vácuo de origem, cavaram em mim marcas profundas. 

Cresci com um peso que eu não sabia nomear, uma espécie de exílio interior. No lar que me acolheu, tive amor, sim. Tive colo, pão, cuidado e, acima de tudo, conselho. Mas o afeto, por mais sincero que seja, nem sempre consegue vencer o abismo do que nos falta.
Minha segunda mãe — essa mulher de alma imensa — me deu tudo o que pôde. Com ela aprendi o que é segurança, o valor do abraço que permanece mesmo quando o mundo parece ruir. Mas havia em mim uma mágoa muda, uma pergunta sem resposta, um espinho fincado na carne da memória: por que fui deixado?
Arrastei esse sentimento como quem carrega uma mala cheia demais por uma estrada muito longa. E, ainda assim, segui. Segui por amor à vida, por obstinação, talvez por esperança. Tornei-me o que sou: alguém feito de lacunas, mas também de reconstruções.
O dia em que reencontrei minha mãe biológica foi como abrir uma carta esquecida por décadas. Cada palavra sua era um fio puxado do novelo de minha história. Pela primeira vez, ouvi o silêncio dela com ouvidos atentos. Compreendi, com o coração já mais amadurecido, que o amor também pode se expressar na dor da ausência, na renúncia feita não por fraqueza, mas por desespero. Maria Virgínia — esse nome agora me habita com outra temperatura. Ela me amou, mesmo de longe, mesmo no escuro.
E Zizi — Ricarda Figueiredo — foi a mulher que sustentou meu caminhar. Com ela aprendi que ser mãe não é apenas dar à luz: é iluminar o caminho do outro, mesmo quando se caminha na penumbra.
Hoje, com olhos mais brandos e alma menos rígida, vejo a maternidade em suas múltiplas formas. Não precisei compreender tudo — e nem poderia. Mas aprendi que amar é, às vezes, aceitar o que não se explica. Que a vida não vem com roteiro, e que o amor não se mede por presença constante, mas pela marca que deixa — seja no gesto, na ausência, ou na memória que resiste.
Neste dia, ergo o coração em homenagem a essas duas mulheres que me deram vida, cada uma à sua maneira. A elas, meu amor inteiro, sem reservas. Porque, afinal, o amor mais verdadeiro talvez seja esse: aquele que não exige explicações para existir.
Obrigado, mães. Por tudo.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

O comércio do Acre em 1915

No início do século XX, a cidade de Xapuri, situada no coração do Território Federal do Acre, era uma das principais sedes urbanas da região, marcada pelo dinamismo do ciclo da borracha e pelas transformações sociais que este proporcionava. As edições de junho e outubro de 1915 do jornal o Commercio do Acre revelam um panorama expressivo da atividade comercial local, destacando comerciantes, produtos, serviços e até mesmo o surgimento de iniciativas fabris que começavam a moldar o perfil urbano da cidade.

O comércio xapuriense em 1915 mostrava-se diversificado e abastecido, com casas comerciais que ofereciam desde tecidos e calçados até gêneros alimentícios importados e artigos de luxo. O estabelecimento Bon Marché se destacava pela variedade de produtos anunciados: oferecia calçados para todas as idades e gêneros, além de uma ampla gama de tecidos e miudezas. Este tipo de casa comercial funcionava como verdadeiro armazém geral, atendendo às mais variadas necessidades da população urbana e dos seringais da região.

Outro exemplo notável é o espólio do comerciante Bartholomeu Girão, levado a praça judicial, cuja extensa lista de mercadorias revela o perfil do comércio local. Entre os bens estavam charutos, cigarros, fitas de seda, tecidos nacionais e importados, sabonetes, bebidas alcoólicas finas (como vinho do Porto e uísque), produtos alimentícios (bolachas, sardinhas, arroz, banha, leite condensado) e até munições e material de pesca. Essa diversidade de itens evidencia a complexa rede de abastecimento da cidade, sustentada pelas vias fluviais e pela intensa circulação de mercadorias entre os centros urbanos e os seringais.

O comércio também mantinha conexões regionais e interestaduais. O comerciante Antonio Alves, filho, representava a firma Ferreira & Jobin, de Capatará, e o nome de Bellarmino Freire, atuante em Paraguassú, aparece entre os visitantes comerciais da cidade, ilustrando o fluxo constante de agentes de negócios. O Capitão Júlio Mascarenhas, além de atuar como responsável pela propaganda do jornal, esteve envolvido com o recenseamento da população, demonstrando a sobreposição frequente entre as esferas administrativa e comercial.

Entre as iniciativas de destaque, merece especial atenção a Fábrica Aurora, que se revelava como um empreendimento multifuncional, símbolo de um novo perfil urbano e fabril da cidade. Em 1915, a Aurora não apenas produzia bolachas de água e sal e soda, mas também ampliava significativamente sua atuação: fabricação de cigarros e gelo; torrefação de cafés, oferecendo café moído de fabricação própria; grande variedade de marcas de vinhos para mesa, sobremesas e licores, indicando um público consumidor com gostos refinados; jogos de bilhar e entretenimento no local, revelando que o espaço também servia como ponto de encontro e lazer; e uma menção especial serviços de iluminação elétrica pública e particular ato notável numa época em que tal infraestrutura era limitada, o que reforça o caráter moderno e inovador do estabelecimento.

A Fábrica Aurora ia, portanto, além da produção: representava um espaço de sociabilidade e consumo, com múltiplas funções comerciais, industriais e recreativas. Isso a tornava um verdadeiro marco na vida cotidiana de Xapuri, antecipando os moldes de empresas urbanas multifacetadas.

Outro aspecto relevante da vida na cidade era a presença de serviços médicos qualificados. O Dr. Luiz Abinader, médico-cirurgião com formação e prática nos hospitais de Beirute e Paris, atendia à população com especialização em moléstias nervosas, doenças internas e da pele. Notavelmente, oferecia atendimento gratuito aos pobres, uma postura humanitária rara e digna de registro, que demonstra a complexidade social de Xapuri naquela época.

Em síntese, o comércio de Xapuri em 1915 reflete não apenas uma economia extrativista, mas uma sociedade em transição, aberta à modernização e às novidades do mundo urbano. O dinamismo comercial, a presença de agentes regionais, os primeiros sinais de industrialização e os compromissos sociais de figuras como o Dr. Abinader e os empreendedores da Fábrica Aurora compõem um quadro vibrante de uma cidade amazônica que, mesmo isolada, pulsava com o desejo de progresso e sofisticação.

Fonte: Commercio do Acre, jornal publicado em Xapuri. O ano é 1915. Acervo digital da Biblioteca Nacional.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

O dia em que Xapuri vestiu as suas melhores cores - Uma crônica que nunca foi escrita

 

Naquela manhã de domingo, Xapuri acordou mais cedo. A alvorada parecia diferente. O canto dos pássaros, mais afinado; o perfume da mata, mais doce. As crianças já sabiam de cor o hino, e os operários, orgulhosos, davam os últimos retoques na sede que, com muito suor e sacrifício, haviam ajudado a erguer. Era dia de festa. Um dia em que a pequena cidade do Acre se enchia de grandeza.

Era 1948, e Xapuri vivia um de seus momentos mais simbólicos. O novo prédio do Grupo Escolar “Plácido de Castro” seria inaugurado com toda a pompa possível. Um edifício imponente, erguido com perseverança ao longo de anos, em meio a promessas, pausas e retomadas. Um símbolo do que a educação representa: paciência, esforço, esperança.

A cidade parou para receber o governador José Guiomard dos Santos e sua comitiva. Um povo simples, de fala mansa e espírito forte, fez da recepção um espetáculo de civismo. Bandeiras tremulando, fogos estalando, e no coração de cada xapuriense, a certeza de que algo importante estava acontecendo.

Teve missa campal, discursos inflamados, saudações escolares. A menina Maria Angelina Fecuri, em sua voz pequena mas firme, entregou simbolicamente a chave do novo educandário. Era mais que uma cerimônia: era o gesto de uma geração que entregava à outra o futuro sonhado.

O Centro Operário também teve seu brilho. Seus membros homenagearam o governador com o título de sócio benemérito. A fala do operário Clovis Barros França, simples e emocionada, soou como poesia nas paredes recém-construídas da sede. Era a força do povo reconhecendo quem estendia a mão — e pedindo, com respeito, que a ajuda continuasse.

Naquela tarde, as palavras foram mais que formalidades. Elas eram sementes. “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade”, disseram alguns. Outros, mais diretos, apenas agradeceram pelas máquinas, pelas escolas, pelas estradas. Todos, no entanto, sabiam: aquele dia era um marco.

E, de fato, foi.

Porque ali, naquele chão de histórias e seringais, uma cidade que já havia escrito capítulos de coragem voltava a reafirmar sua vocação para a liberdade, para a educação, para o futuro.

Xapuri, naquele domingo, vestiu suas melhores cores.

E sorriu.

A foto acima é do fotógrafo húngaro Tibor Jablonsky, do IBGE. Ele fotografou várias regiões do Brasil em seu trabalho profissional. Chegou ao Brasil em 1948 com 24 anos. O jovem foi contratado pelo IBGE para compor a equipe de fotógrafos profissionais que acompanhavam as expedições geográficas do Instituto pelo país. O olhar fotográfico de Jablonsky, que chegou a chefe do Laboratório de Fotografia logo se tornaria complemento indispensável aos grupos de pesquisadores que percorriam o Brasil em busca de um registro geofotográfico ainda inexistente. Em pouco mais de uma década e meia (1952-1968), período durante o qual Tibor Jablonsky acompanhou geógrafos excursionando pelo país, foi reunido um admirável acervo de 9.254 fotos para o Arquivo Fotográfico do IBGE. 


A inauguração do Grupo Escolar “Plácido de Castro” em 1948

A cidade de Xapuri testemunhou em maio de 1948 um dos momentos mais simbólicos de sua história cívica e educacional: a inauguração do novo prédio do Grupo Escolar “Plácido de Castro”. Mais do que um evento oficial, a solenidade marcou o fortalecimento de uma identidade construída com luta, esperança e o desejo coletivo de ver a cidade crescer pelo caminho do saber.

Com a presença do então Governador do Território do Acre, major José Guiomard dos Santos, e de diversas autoridades, Xapuri viveu um domingo inesquecível. Desde o hasteamento da bandeira ao som do Hino Nacional, até a missa campal celebrada pelo padre Felipe Galerani, tudo foi preparado com esmero e emoção. Alunos, professores, religiosos, comerciantes, operários e donas de casa tomaram conta da praça Barão do Rio Branco para saudar o futuro.


A menina Maria Angelina Fecuri, aluna do Grupo Escolar, protagonizou um gesto que simbolizou toda uma geração: entregou ao governador a chave do novo prédio, em nome de todas as crianças xapurienses que sonhavam com uma escola digna. Era a representação viva de que a educação não é apenas uma política pública — é um pacto social.


Um prédio, muitas histórias


O novo grupo escolar foi projetado em 1942, ainda no governo do coronel Luis Silvestre Gomes Coelho, e sua construção levou anos até ser concluída. Passou por administrações e reformas, enfrentou escassez de recursos, mas nunca perdeu o apoio da comunidade. O edifício recebeu o nome de “Plácido de Castro”, em justa homenagem ao herói da Revolução Acreana, reafirmando os laços históricos e afetivos da cidade com sua própria origem.


Ao discursar na cerimônia, o prefeito Minervino Bastos emocionou os presentes ao destacar que aquele prédio era uma “maravilha para a cidade, nestes confins do Oeste do Brasil”. Um edifício que simbolizava o esforço de todos — do operário ao engenheiro, do aluno ao administrador público — na construção de um território mais justo e alfabetizado.


A força dos operários e o civismo da juventude


O dia também foi marcado por homenagens ao governador. O Centro Operário de Xapuri lhe conferiu o título de “sócio benemérito”, em reconhecimento ao apoio dado à entidade. O discurso emocionado do presidente Clovis Barros França, homem simples e de fala humilde, deu o tom da cerimônia: “Para o Centro Operário de Xapuri, o dia de hoje representa a maior data de sua história”.


Outro momento marcante ocorreu no Instituto Divina Providência, onde alunas se apresentaram em números de canto e dança, e onde o governador foi saudado com flores e versos pelas crianças da instituição dirigida por irmãs religiosas. A festa mostrou que educação, fé, cultura e cidadania caminham juntas na formação das futuras gerações.


Um legado que inspira


Setenta e cinco anos depois, o registro desse episódio nos permite mais do que recordar. Ele nos convida a refletir sobre o papel da escola pública, da união entre poder público e comunidade, e da importância de valorizar a memória de nossa terra. A inauguração daquele grupo escolar não foi apenas a entrega de uma obra — foi a reafirmação de que Xapuri acredita na educação como caminho de transformação social.


Num tempo em que o Acre ainda dava seus primeiros passos institucionais, Xapuri mostrou, mais uma vez, que é feita de coragem, coletividade e visão de futuro.


E, como dizia o jornal O Acre, na edição de 30 de maio de 1948: 


“Era o povo todo em festa, saudando o novo tempo que chegava pelas portas de uma escola”.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

De forasteiro a guardião da memória: Xapuri recorda o legado do "Prezado" Antônio Zaine

Nesta quinta-feira, 10 de abril, Xapuri recorda com saudade e profunda gratidão a partida de Antônio Assad Zaine, o inesquecível "Prezado". Há dez anos, a "Princesinha do Acre" perdia um de seus mais dedicados cronistas, um homem que, embora nascido longe destas terras, abraçou a história e a cultura local com uma paixão contagiante, tornando-se um pilar fundamental na preservação da memória da cidade e de todo o Acre.

Durante muitos anos, para quem visitava Xapuri, uma parada na Casa Kalume era uma imersão na própria história do município. A antiga casa aviadora, outrora coração do comércio de borracha que impulsionou a economia local, transformou-se, pelas mãos de um visionário, em um vibrante centro de memória. 

Foi o paulista de Corumbataí, Antônio Assad Zaine, carinhosamente apelidado de "Prezado" pela comunidade, quem viu nesse espaço adormecido o potencial para resgatar e apresentar as ricas narrativas que moldaram Xapuri.

Chegado ao Acre em 9 de julho de 1954, a convite do primo Jorge Kalume, o jovem Antônio encontrou aqui não apenas a beleza da região, mas um lar. Xapuri o cativou, e ele retribuiu esse afeto com mais de meio século de dedicação incansável. 

Enquanto o modelo comercial da aviação declinava, "Prezado" percebeu a urgência de preservar os vestígios desse passado glorioso e da vida cotidiana que o acompanhava.
Com a persistência admirável de quem ama o que faz, Antônio Zaine preencheu esse vazio, transformando a Casa Kalume em um museu informal, um tesouro de elementos da vivência acreana. 

De forma cronológica e intuitiva, ele organizou um acervo que narrava a trajetória da cidade, desde a chegada dos primeiros nordestinos até os eventos contemporâneos, passando pelo marco da Revolução Acreana.

Entre as paredes carregadas de história, conviviam rifles "papo-amarelo" da Revolução, instrumentos dos seringueiros, artefatos indígenas, a elegância de vasos europeus e a simplicidade de ferros de passar à brasa e fogões a lenha, objetos que evocavam o modo de vida dos antepassados. 

A atenção de "Prezado" estendia-se também à memória impressa, com uma impressionante coleção de recortes de jornais e revistas antigas, testemunhas dos acontecimentos políticos e sociais que marcaram a história de Xapuri e do Acre, incluindo registros visuais raros do desenvolvimento da cidade.

À medida que o acervo crescia, impulsionado pela generosidade dos moradores que confiavam a "Prezado" seus objetos antigos, o espaço da Casa Kalume tornou-se insuficiente. Com a mesma dedicação, ele expandiu o museu para o antigo armazém de borracha e para a casa de sua sogra, transformando cada item encontrado em uma valiosa peça de memória.

A luta inglória de Antônio Zaine para oficializar a Casa Kalume como museu era um reflexo de seu compromisso em garantir a perenidade desse legado. Seu desejo era ver o espaço adequado e preservado para as futuras gerações. Seu trabalho e amor por Xapuri e pelo Acre transcenderam as fronteiras locais, sendo reconhecidos em todo o Brasil.

Dez anos passados da sua partida, o legado de Antônio "Prezado" Zaine, infelizmente, reside mais na memória de algumas pessoas atentas ao valor do trabalho realizado por ele que na antiga Casa Kalume. Em 2015, o ano em que Xapuri lamentou a perda do querido "Prezado", a cidade enfrentou uma dura realidade: a maior enchente do Rio Acre em sua história. A força das águas impiedosas invadiu a antiga casa aviadora e, tragicamente, destruiu grande parte do acervo que ele havia reunido com tanto esmero ao longo de décadas.

Contudo, Antônio Zaine permanece vivo na lembrança das pessoas, nas muitas histórias que ficaram, como uma das personagens mais importantes da cidade que o adotou como um de seus filhos mais ilustres. Sua dedicação, mesmo sendo um "forasteiro" de nascimento, demonstra que o amor por uma terra e sua história não conhece fronteiras, mas se enraíza na alma daqueles que escolhem abraçá-la. Xapuri e o Acre jamais esquecerão o guardião incansável de sua memória: o Prezado Antônio Zaine.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Tesouro sonoro do início do Século XX em Xapuri

Esta relíquia pertence ao acervo de João Mendes, o Garrinha, e está em exposição no relicário instalado na Pousada Chapurys, de sua propriedade. Apaixonado pela história de Xapuri, Garrinha se dedica a resgatar objetos valiosos que muitas vezes se encontram esquecidos em velhos depósitos e fundos de quintal. É reconhecido como uma espécie de guardião da memória da cidade, mantendo viva a conexão entre o passado e o presente.

A peça rara é um fonógrafo original da marca Victrola, fabricado pela Victor Talking Machine Company, fabricado entre 1904 e 1907, nos Estados Unidos. Com sua imponente corneta externa dourada e base de madeira esculpida, representa uma das primeiras formas de reprodução sonora mecânica doméstica — muito antes da era do rádio e dos tocadores eletrônicos.

O logotipo com o famoso cão "Nipper" ouvindo a voz do dono no gramofone — registrado em 3 de fevereiro de 1904 — é um símbolo clássico da história da música gravada, conhecido como "His Master's Voice".


Este tipo de aparelho tocava discos de 78 rotações por minuto e funcionava inteiramente de forma mecânica, com corda, sem uso de energia elétrica. É conhecido como gramofone externo ou external horn phonograph, muito comum entre 1901 e 1909, antes da popularização das Victrolas com gabinete.

Com base no estilo da corneta, no braço de reprodução e na base de madeira, o aparelho é muito provavelmente um dos modelos do tipo Victor Monarch ou Victor Type M, fabricados por volta de 1904 a 1907. O logo na placa com o cão “Nipper” e a inscrição “3 de Febrero 1904” também confirma que é um aparelho desse período.

As fotos mostram um fonógrafo com corneta externa grande de metal dourado, montado sobre uma base de madeira esculpida. Isso indica que não é uma Victrola tradicional (com corneta embutida), mas sim um modelo mais antigo da própria Victor Talking Machine Co., ou até anterior ao nome “Victrola” ser usado comercialmente (em 1906). Sem nenhuma dúvida, uma raridade histórica. 


Ainda faltam informações adicionais a serem obtidas com o João Garrinha, como a quem o aparelho pertenceu, por exemplo, e como ele adquiriu a raridade - o que pretendo obter em breve nas costumeiras conversas durante o café da manhã. 

Mais do que um equipamento, este fonógrafo é um testemunho vivo do início da indústria fonográfica e da magia do som no século passado. Uma verdadeira joia da memória musical — que passou a fazer parte, também, da história de Xapuri.

'Xapuri Agora!' resiste ao tempo

Para aqueles que acompanharam a  trajetória da comunicação em Xapuri ao longo dos anos, o nome
 Xapuri Agora!, certamente evoca boas lembranças. Por um longo período, esta página se tornou um ponto de encontro virtual, um espaço dedicado a narrar as múltiplas facetas da nossa querida Xapuri e do Acre. Aqui, a cultura local tinha destaque em cada relato, personagens ganhavam vida em seus "causos", a história se desvendava em suas nuances e o cotidiano se tornava notícia e reflexão por meio de vários colaboradores.

Para mim, como profissional da comunicação, especialmente no rádio desde a mais tenra idade, o blog Xapuri Agora! foi mais que um projeto que me fez tornar um pouco conhecido: foi um laboratório de ideias, um palco para dar voz à nossa gente e um elo fundamental com a rica tapeçaria que compõe a identidade xapuriense. Ver essa página se tornar referência para outros veículos de comunicação do estado, quando o assunto era Xapuri, encheu-me de orgulho e reforçou a convicção da importância de mantermos viva a chama da nossa história e cultura.

O avanço tecnológico e a ascensão das novas mídias trouxeram consigo novos hábitos e plataformas. A praticidade do smartphone, inegavelmente, redirecionou o fluxo da informação, e o ritmo frenético das redes sociais, por vezes, ofuscou o espaço dos blogs tradicionais. Xapuri Agora!, naturalmente, sentiu esse impacto, permanecendo online, mas com o ritmo de publicações diminuído.

No entanto, a paixão por Xapuri e o desejo de continuar compartilhando suas riquezas nunca se apagaram. É com essa motivação renovada que anuncio um retorno discreto a este espaço que tanto significa para mim. Não será um retorno com a mesma frequência de outrora, mas sim com publicações pontuais, focadas em destacar o que faz de Xapuri uma das cidades mais importantes do Acre: sua história marcante, sua cultura vibrante e, acima de tudo, a força e a beleza da sua gente.

Essas novas publicações encontrarão eco nas redes sociais, alcançando novos públicos e reacendendo a memória daqueles que já acompanhavam o Xapuri Agora!. O objetivo permanece o mesmo: celebrar Xapuri, seus encantos e sua gente.

Convido a todos a ficarem atentos. Em breve, novas histórias de Xapuri voltarão a circular, unindo o legado deste espaço com o alcance das novas mídias. Afinal, Xapuri continua a inspirar, e suas histórias merecem ser contadas e compartilhadas. O agora de Xapuri pulsa forte, carregando consigo a riqueza de seu passado e a promessa de um futuro promissor para todos nós. 

Não sei até quando o Google manterá o Blogger no ar, mas enquanto essa página existir, ela será uma fonte receptiva a quem buscar por informações sobre Xapuri, essa terra mais do que especial para mim e para tanta gente.  
 

sábado, 13 de novembro de 2021

HQ reflete sobre a realidade dos seringueiros na Amazônia

Bruna Martins

Mapinguari, história em quadrinhos que tem como título a lendária criatura que protege a Floresta Amazônica dos caçadores, traz em um visual deslumbrante uma narrativa que reflete a realidade dos trabalhadores da floresta, os seringueiros. Além disso, a HQ, escrita por André Miranda e ilustrado por Gabriel Góes, também aborda questões como proteção ambiental, folclore e cultura indígena. A revista foi publicada pela FTD Educação em parceria inédita com o WWF-Brasil.

A trama é baseada no Seringal Santo Antônio, no interior do Acre, e gira ao redor do personagem José, filho do líder seringueiro que deixou sua comunidade para trabalhar na capital, Rio Branco. Uma história que aqueles que não moram em centros urbanos devem conhecer bem. 

José passa a trabalhar em uma empresa que atua na compra e venda de terras da comunidade em que cresceu e que assedia moradores de sua terra natal. Isso põe o protagonista em um dilema e conflito entre suas raízes e seu projeto de vida pessoal. Ao retornar para o seringal, José redescobre a história de sua família e os valores locais – o folclore, o movimento seringalista, a cultura indígena e as riquezas da floresta amazônica. Numa narrativa conduzida sobre a fina linha que separa realidade, mito e sonho, o ser lendário Mapinguari simboliza os mistérios incompreensíveis pela marcha do progresso que incendeia a mata.

“Desigualdade social no campo e na cidade, a devastação da Amazônia, as formas sustentáveis de economia, a relação do país com seus povos indígenas – em um enredo absolutamente literário, criação do roteirista de cinema André Miranda”, resume Bruno Rodrigues, editor de texto da FTD Educação.

Ele ainda acrescenta como a história desenvolve uma narrativa verdadeira e profunda, na qual os leitores podem se relacionar: “Brasil profundo não é mera expressão aqui; esta é uma história de raízes, desenraizamentos e novos enraizamentos. No coração da Amazônia acontece a história do protagonista José, que vive um dilema com o qual o leitor pode se identificar e aprender”.

Bruna Martins é jornalista em formação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Fonte: O Eco

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Jornalista diz que o Acre deixou passar com antecedência a boiada do desmatamento

Em artigo publicado pelo site de jornalismo ambiental ((o))eco, nesta segunda-feira (27), o jornalista acreano Fabio Pontes afirma que o Acre, que por 20 anos exerceu certo protagonismo na preservação de sua cobertura florestal, hoje é referência naquilo que há de pior em termos de política ambiental.

De acordo com Pontes, o ritmo sem precedentes de devastação da Amazônia no Acre, que foi o terceiro estado que mais desmatou no mês de agosto deste ano, é consequência tanto do desmonte das políticas de proteção do meio ambiente promovida pelo governo federal quanto pelo local. 

“Por aqui, a estratégia de deixar a boiada passar foi adotada com muito mais antecedência pelo governo de Gladson Cameli (PP) do que aquela exposta por Ricardo Salles diante de um país assustado com a pandemia da Covid-19”.

O jornalista diz ainda que durante sua campanha para governador, Cameli tinha como promessa fazer do agronegócio o carro-chefe da economia acreana. Para isso, ele garantiu desburocratizar e flexibilizar as normas ambientais do Estado e tirar a fiscalização do pescoço de quem queria produzir.

“A principal missão de Gladson Cameli ao assumir o governo do Acre, em janeiro de 2019, era destruir todo o arcabouço institucional de proteção da Amazônia construído durante as duas décadas de governos do PT. Tal política gestada durante o chamado governo da floresta de Jorge Viana (1999-2006), conhecida como Florestania, passou a ser o inimigo público número um de Gladson Cameli”.

Em agosto de 2021, o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon) detectou 1.606 quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia Legal, um aumento de 7% em relação a agosto de 2020, quando o desmatamento somou 1.499 quilômetros quadrados.

É a maior taxa para o mês em 10 anos. Com isso, o acumulado desde janeiro também foi o pior da década. O desmatamento detectado em agosto de 2021 ocorreu no Pará (40%), Amazonas (26%), Acre (15%), Rondônia (10%) e Mato Grosso (9%).

O que disse o governo

Por meio da Agência de Notícias do Acre, o Governo do Estado argumentou, também com base nos dados do Imazon, que os números mostram que o estado apresentou uma redução de 12% no desmatamento no mês de agosto de 2021, em relação ao mesmo período do ano passado.

“Mesmo não sendo uma fonte considerada oficial, a redução demonstra que as ações adotadas pelo governo do Estado têm sido fundamentais para conter o avanço do desmatamento”, disse a agência estatal.

O governo também citou um dado do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Deter/Inpe), órgão oficial de promoção de informação de dados sobre desmatamento, que afirma que o Acre teve uma redução da extensão de alertas de desmatamento de 35,3% no mês de agosto em relação a 2020.

A diretora executiva da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e das Políticas Ambientais (Semapi), Vera Reis Brown, explicou que os dados de desmatamento devem ser analisados com critério.

“É um assunto complexo que exige a adoção de metodologia que permita comparação dos dados ao longo da série histórica. No entanto, as informações geradas pelo Imazon, MapBiomas, entre outras, têm sido fundamentais na complementação dos dados gerados pelo Inpe e pelo Centro Integrado de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental, o Cigma”.

O jornalista acreano Fabio Pontes escreve há mais de uma década sobre Amazônia, cobrindo meio ambiente, povos indígenas e comunidades extrativistas, crises migratórias, mudanças climáticas e a política regional para veículos de imprensa do Acre e do país.

terça-feira, 17 de agosto de 2021

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Enquanto a ponte não vem

O governador Gladson Cameli esteve em Xapuri mais uma vez nesta segunda-feira, 16. Na bagagem ele trouxe mais uma balsa, além de máquinas para recuperar ramais no interior do município. 

Inevitavelmente, foi cobrado pela Ponte da Sibéria, promessa que mantém desde a sua eleição. Com bom humor, reafirmou que a ponte é uma realidade, que vai fazer, e desafiou com musiquinha quem transpareceu duvidar.

"Pula, pula, pula e passe a acreditar", disse parodiando uma musiquinha muito usada em campanhas eleitorais. Muita gente realmente acredita na construção da ponte, mas há também aqueles que começam a perder as esperanças. É que já viram muitos "pula, pula" sem qualquer resultado. Mas enquanto a tão esperada ponte não vem, as balsas e catraias - bem ou mal - vão fazendo o seu papel.

sábado, 14 de agosto de 2021

“Ponte da Sibéria”, a redenção ilusória de uma Xapuri maltratada pelo tempo e pela política

Há mais de duas décadas, um movimento que tem origem em uma pequena comunidade acreana chamada Sibéria, no lado oposto do rio Acre, em Xapuri, intercala momentos de ebulição e de hibernação, mas se mantém vivo no anseio de estimados dois milhares de moradores da região e compartilhado por um outro bom tanto de habitantes do município.

A aspiração dos moradores da Sibéria acreana é pela construção de uma ponte sobre o rio Acre, ligando o hoje bairro à área central da cidade. A histórica dificuldade da travessia, antes feita apenas pelas tradicionais catraias e atualmente reforçada por uma pequena e precária balsa metálica mantida pelo governo do estado, por meio do Deracre, cresce a cada dia e enerva os usuários.

A ponte é hoje, ao mesmo tempo, a maior reivindicação do município e a maior promessa do governo para Xapuri. Já teve investimentos anunciados em ato oficial e o governador já disse, na cidade, que se não fizer a obra ou pelo menos não a iniciar no atual mandato muda de nome. Apesar disso, o ânimo dos xapurienses vem arrefecendo com o passar dos anos.

Ocorre que nem de longe, apesar de sua inegável importância, a sonhada ponte sobre o rio Acre representa o que Xapuri mais precisa. Ela é, em verdade, a ilusória redenção de uma cidade que segue sendo extremamente maltratada pelo tempo, que é implacável, e pela política, que ao contrário do que deveria fazer, a tem mantido entre a estagnação e a decadência.

A terra de Chico Mendes sofre hoje duas grandes deficiências, além de outras tantas que são comuns aos demais municípios do interior acreano. A primeira é a falta de um hospital com estrutura mínima para atender a demanda de um município de 20 mil habitantes e a segunda a ausência de uma rede de esgotamento sanitário que sane os problemas decorrentes dessa grave necessidade.

O “além de outras tantas” citado acima, no caso de Xapuri se refere a muita coisa, no que tange às necessidades mais básicas negligenciadas por todas as esferas administrativas - da displicência com a oferta de medicamentos aos mais necessitados, passando pela péssima coleta e destinação do lixo à falta de investimentos de peso na infraestrutura local.

Se a ponte da Sibéria não for entendida como mera parte de um processo longo e contínuo de investimentos públicos que possam, pouco a pouco, mudar a cara da cidade e melhorar a vida de seus moradores, seguiremos nessa estafante rotina de ilusão e de promessas vazias que se renovam a cada eleição, alimentado um ciclo vicioso de bajulação e pajelança.

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Juntos e misturados

Deixando as diferenças momentaneamente de lado, prefeito e vereadores de Xapuri foram bater à porta do governador Gladson Cameli em busca de ajuda para o município. 

Junto com Bira Vasconcelos, foram oito vereadores dos nove que compõem a Câmara Municipal. Só faltou Ronaldo Ferraz, do MDB, que estava acometido de  gripe. 

Na pauta, pedidos de ajuda ao município em várias áreas. Saúde, Educação, Segurança Pública, ramais e até a folclórica ponte que sob Cameli tem promessas firmes de concretização. Mas enquanto a obra não sai, os pedidos foram de extensão do horário de funcionamento da balsa que faz a travessia do Rio Acre.

Bira Vasconcelos propôs assinatura de convênio para aquisição de combustível e requereu uma patrol para auxiliar na reabertura de 600 km de ramais na região. 

“Temos quase mil e duzentos quilômetros de ramais e sozinho a gente não tem como dar conta. O governador tem nos ajudado desde o nosso primeiro mandato sem nunca olhar para essa questão de partido. Sou grato por todo apoio e espero que essa parceria seja mantida”, disse o prefeito.

Gladson prometeu ajudar e garantiu que fará investimentos. Disse que entregará uma nova ambulância (não ficou claro se é do Samu) ao município e prometeu pedir à Secretaria de Segurança Pública que reforce o contingente da Polícia Militar no município.

“É muito importante ouvir os vereadores, porque eles são quem de fato estão onde os problemas existem. Eu não faço nada sozinho, e sempre vou está aberto para críticas e sugestões. Quando as queixas chegam pra gente dessa forma, respeitosas e necessárias, não posso ficar de braços cruzados. Já acionei todos os setores responsáveis por cada problema aqui colocado e vamos agir, ajudar, resolver, porque nosso compromisso é cuidar de vidas, da nossa gente”.

Resta aguardar.

Saneamento mais próximo dos pequenos municípios

Ricardo Lazzari Mendes (*)

Os gargalos do saneamento estão presentes em municípios de todos os portes. A falta de abastecimento de água potável ainda é um problema para 35 milhões de brasileiros e aqueles que vivem sem acesso à rede de esgoto somam 100 milhões de pessoas.

Porém, a população dos municípios menores tem maior dificuldade para acesso aos serviços de infraestrutura básica de saneamento. A escassez de recursos financeiros e a falta de mão de obra qualificada para atender às demandas de empreendimentos do setor são alguns dos fatores determinantes desse atraso.

A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2017, divulgada em 2020, mostra maior presença de rede de coleta de esgoto nas cidades mais populosas, alcançando 97,6% entre aquelas com mais de 500 mil habitantes. Nos municípios com população com 100 mil a 500 mil, o serviço de coleta de esgoto aparece em 92,9%.

Na outra ponta, cidades com população até 5 mil habitantes, 57,6% contam com esses serviços. Na faixa intermediária, entre 5 mil a 10 mil habitantes, 50,2% dispõem de empreendimentos de sistemas de esgoto contra 56,4% entre as localidade entre 10 mil a 20 mil habitantes.

O Novo Marco Legal do Saneamento traz um novo modelo de organização dos municípios capaz de atender às demandas das cidades menores. A nova legislação determina que os Estados devem criar unidades regionais de saneamento básico, que são agrupamentos de municípios, não necessariamente limítrofes.

Apesar da participação facultativa nas prestações regionalizadas, os municípios só contarão com recursos federais se integrarem esses blocos. A proposta de operações regionalizadas é alcançar o subsídio cruzado, seja por cidades de uma mesma região, bacia hidrográfica ou região administrativa. O modelo permite ampliar a escala com a prestação de serviço e construção de empreendimentos reunindo essas localidades. Com o aumento da produtividade das prestadoras de serviço, há potenciais ganhos de eficiência. Assim, a modelagem de blocos e operações regionalizadas devem possibilitar às companhias estaduais deficitárias e também aos municípios menores, sem recursos suficientes para investimentos em saneamento, soluções mais adequadas e de melhor eficiência.

O esforço para cumprir os objetivos de universalizar o abastecimento de água e chegar a 90% de atendimento do esgotamento sanitário, até 2033, deve ser de todos os entes da federação. O novo marco legal do saneamento é apenas o pontapé inicial de uma mudança significativa na qualidade de vida da população brasileira, que deve ser implantado com planejamento e acompanhamento das agências reguladoras.

(*) Ricardo Lazzari Mendes é presidente da Apecs (Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente), engenheiro pela Escola de Engenharia de São Carlos da USP e doutor em engenharia hidráulica e sanitária pela Escola Politécnica da USP.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Projeto de rodovia deixa em risco área intocada da Amazônia

No Acre, propostas para conectar ‘municípios isolados’ a estradas principais tendem a avançar desmatamento já em alta para regiões intactas do bioma; após o Alto Juruá, o Alto Purus é o alvo de políticos

No momento em que a Amazônia registra taxas recordes de desmatamento impulsionado, principalmente, pelo desmonte da política de proteção ambiental promovida pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido), lideranças locais se articulam para tirar do papel projetos de infraestrutura que colocam, ainda mais em risco, a preservação do bioma. É o que acontece, por exemplo, no Acre, com articulações políticas para abrir estradas em regiões hoje intocadas pela ação humana. 

Após o projeto da rodovia entre as cidades de Cruzeiro do Sul, no extremo oeste do estado, e Pucallpa, no Peru, na bacia do rio Juruá – que concentra uma das maiores biodiversidades do mundo – agora começam as tratativas para construir uma estrada na região do Alto Rio Purus. A proposta é fazer a conexão rodoviária entre os municípios de Manoel Urbano e Santa Rosa do Purus. 

Leia reportagem do jornalista Fábio Pontes, no site ((o))eco

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Política ambiental é decisiva para o País

João Guilherme Sabino Ometto

A mudança de discurso do presidente Jair Bolsonaro quanto à política ambiental brasileira, na recente Cúpula do Clima promovida por seu colega norte-americano, Joe Biden, foi positiva para o Brasil. Ao anunciar mais verbas para fiscalização, antecipação em dez anos, para 2050, da meta de neutralidade na emissão de dióxido de carbono e erradicação até 2030 do desmatamento ilegal, sinalizou uma nova atitude do País num tema crucial para a humanidade.

Contudo, o ceticismo referente à postura brasileira somente será reduzido se ações concretas confirmarem o teor do pronunciamento de Bolsonaro. Temos boa oportunidade de apresentar uma nova política ambiental até a 26ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima (COP 26), em novembro deste ano, em Glasgow, na Escócia. Cabe-nos demonstrar, na prática, o comprometimento com o combate às mudanças climáticas e, principalmente, a proteção das florestas, revertendo o aumento do desmatamento e queimadas na Amazônia verificado nos últimos dois anos.

O Brasil precisa inserir-se novamente como protagonista na agenda global do meio ambiente. Não pode mais ser excluído de eventos importantes, como ocorreu, em dezembro último, na reunião Climate Ambition Summit, preparatória à COP 26, pois está à frente de muitas nações desenvolvidas na redução da emissão de carbono e é estratégico nessa questão, considerando suas hidrelétricas, biocombustíveis e as energias eólica e solar. Liderou o debate do clima, apresentando o renovável etanol na ECO-92 e, na Rio + 20, levantou bandeiras contra o aquecimento global, ao contrário de países hipócritas, que nunca mexeram uma palha nesse assunto, praticando a diplomacia do faz de conta.

O fato é que o Brasil precisa de uma nova atitude referente à Região Amazônica e medidas concretas para conter o desmatamento ilegal, sem o que ficará isolado e perderá recursos e negócios. Não me refiro apenas a eventuais sanções oficiais de governos, mas também às decisões de investimentos produtivos. Para os detentores do dinheiro, os princípios de ESG (do inglês Environmental, Social and Governance, ou Ambiental, Social e Governança) são cada vez mais decisivos.

Além do discurso, precisamos de ações congruentes com a importância do País para a sustentabilidade global, considerando suas dimensões, clima, biodiversidade, reservas hídricas e potencial como produtor de alimentos e energia limpa. A política ambiental também precisa fazer justiça à postura avançada da agropecuária, que conservar imensa área de matas nativas e mananciais fluviais.

Sessenta e um por cento da cobertura vegetal nativa do Brasil estão preservados, sendo que 11% do total encontram-se dentro das 5,07 milhões de propriedades rurais do País. Apenas 9% do nosso território são ocupados por lavouras e 38,7% correspondem à produção agrícola, pastagens e florestas. Na nossa matriz energética, 42,9%, contra 13,8% na média mundial, provêm de fontes renováveis, sendo 17% referentes ao setor sucroenergético.

Temos muito o que mostrar e dispomos de kow how sobre como trabalhar a terra de modo sustentável. Estamos dispostos a compartilhar esse conhecimento com outros povos. Porém, não é prudente - e nem justo com os agropecuaristas e trabalhadores do campo - esconder tudo isso sob a fuligem das queimadas amazônicas.

Seria um grande avanço do Brasil, na agenda global da década que se inicia, adotar uma postura transparente, corajosa e sinérgica com os esforços das nações civilizadas, encarando de frente a questão amazônica, que não é nova, demonstrando o que sabemos fazer em termos de preservação e que estamos dispostos a enfrentar o problema. Com certeza, os produtores rurais estarão ao lado do governo nessa causa. Agindo assim, inauguraríamos uma etapa construtiva nas relações internacionais, atrairíamos mais investimentos e, sem dúvida, preservaríamos nossa floresta e, claro, nossa soberania.

João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos - EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).

sábado, 16 de janeiro de 2021

Colapso da saúde no Amazonas

A Associação Médica Brasileira (AMB) emitiu nota pública nesta sexta-feira, 15, manifestando a sua solidariedade com a população, os médicos e demais profissionais de saúde de Manaus e de todo o estado do Amazonas, onde o sistema de saúde está em colapso e com gravíssimos problemas, como falta de leitos, de cilindros de oxigênio e de equipamentos imprescindíveis ao tratamento dos pacientes com Covid-19.

De acordo com a entidade, no intervalo de uma semana, a média móvel de casos aumentou 85,3% em Manaus, sendo que apenas nas últimas 24 horas houve a confirmação de 3.816 novos casos no estado. Só na capital amazonense foram 2.516 novas infecções. Números recordes desde o início da pandemia, que já matou quase 6 mil pessoas em todo o estado desde o início da pandemia, das quais quase 4 mil apenas em Manaus.

A AMB afirma na nota que está acompanhando com atenção e muita preocupação o andamento da trágica situação dos amazonenses. 

“Entendemos ser nosso dever orientar os médicos a se pautarem pelas melhores evidências científicas e para que não adotem, mesmo nesta situação desesperadora, tratamentos que não tenham a devida comprovação científica até presente momento”, diz um trecho da publicação.

A Associação Médica Brasileira conclamou os cidadãos amazonenses a se unir à classe médica, que desde o princípio da pandemia está na linha de frente colocando muitas vezes a própria vida em risco para garantir assistência à população, mas também cobrou dos governantes legalmente constituídos e as autoridades públicas de saúde que assumam sua responsabilidade na grave crise sanitária.

A entidade exigiu que sejam disponibilizados imediatamente para hospitais os cilindros de oxigênio, conforme solicitam em ação já ajuizada o MPF (Ministério Público Federal), a DPU (Defensoria Pública da União), o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas.

“Conclamamos por providências urgentes com aumento de leitos, com hospitais de campanha e com a garantia de todos as demais necessidades que se façam obrigatórias para o tratamento da Covid-19”, diz outro trecho da nota.

Por fim, a AMB convocou a população do Amazonas a aderir à programação oficial de vacinação a ser definida pelas autoridades sanitárias nas próximas semanas, bem como manter as conhecidas medidas preventivas que reduzem a transmissão do novo coronavírus.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Nesta eleição, nem tudo foram flores

O prefeito de Epitaciolândia, Tião Flores, que trocou o PSB, partido que o elegeu em 2016, pelo PP, como forma de angariar o apoio logístico e eleitoral do recém-eleito governador Gladson Cameli para as eleições deste ano, terminou a corrida eleitoral como um dos maiores derrotados do pleito em todo o estado do Acre.

Dos 4.068 votos obtidos há quatro anos, Flores manteve inacreditáveis 741 nesta eleição, encolhendo de 47,07% dos votos válidos daquela ocasião para meros 8,20% desta. Um resultado decepcionante para um candidato que teve nas mãos a máquina administrativa por um mandato.

Fontes no município dizem que o desfecho da eleição para o prefeito era previsível. Deixar o PSB, dando as costas ao grupo que o ajudou a se eleger, foi considerado como uma manobra fatal. Sua rejeição passou a ser gigantesca e até assessores o criticavam abertamente nas redes sociais.

Nos últimos momentos da campanha eleitoral, ele tentou reverter a situação com a realização de algumas obras, com destaque para o asfaltamento de última hora de algumas ruas, o que não adiantou. Sua popularidade ruiu tal qual a cobertura de um ginásio coberto que pensou em inaugurar antes da eleição.

Ao contrário da maioria dos candidatos derrotados nestas eleições, Tião não se manifestou nas redes sociais sobre o resultado do processo. No entanto, a espirituosidade da internet não o perdoou. Os memes, que foram uma das boas marcas dessas eleições, lhe deram posição de destaque na folclórica balsa para Manacapuru. 

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Alguns esclarecimentos

Tenho sido alvo de alguns ataques em lugares incertos da internet em razão de duas matérias assinadas por mim e veiculadas pelo jornal ac24horas que tratam da averiguação de uma denúncia feita contra o médico Antônio Costa dos Santos, que mesmo tendo contrato com a Sesacre para prestar serviços em Xapuri não comparecia ao trabalho há mais de seis meses.

O médico pagava uma colega para substituí-lo nos seus dias de plantão e, assim como ela, afirmou que não havia nada de errado na situação que tinha o objetivo de permitir que ele se capacitasse fora do estado sem perder o vínculo empregatício. Ainda segundo ele, seu caso não era isolado, uma vez que outro médico, Jean Alércio, havia feito isso por três anos “sem ninguém reclamar”.

Esse preâmbulo visa situar no assunto as pessoas que lerem esse esclarecimento, que não se destina nem se dispõe a perder tempo respondendo a quem me acusa levianamente de ser o responsável pelo encerramento do contrato do clínico feito pela Sesacre ao tomar conhecimento do fato. O propósito do texto é atender a quem realmente tenha o interesse de entender o que ocorreu. Quem faz barulho atoa com o fato apenas politiza uma questão que não tem a ver com política, mas com suposta irregularidade. 

Já as críticas que tenham como base os fatos e a sua relação com a legalidade, a ética e o bom senso eu não apenas as aceito com boa vontade como me ponho à disposição para discuti-las democraticamente desde que com alicerce na civilidade e no respeito. Para quem disso não entende, opto por mandar à lata do lixo suas inúteis e mal elaboradas reclamações.

Então, vamos aos fatos

Informado da situação, procurei o gerente do hospital, o enfermeiro Josimar dos Santos, e o questionei sobre o que ocorria. Respondeu confirmando a transação entre os dois médicos e afirmando que a Sesacre já havia sido comunicada e que o contrato de Antônio Costa seria cancelado, apesar de, segundo ele, não existir prejuízo ao hospital em decorrência do combinado entre os profissionais.

Em seguida, entrei em contato com os dois médicos que confirmaram o acordo que celebraram informalmente e afirmaram que não existia nenhuma irregularidade no procedimento, uma vez que os plantões estavam sendo “cobertos”. Ocorre que a Sesacre não foi consultada previamente ou mesmo informada posteriormente do que ocorria.

Contatada por meio da Assessoria de Comunicação, a Diretoria de Assistência em Saúde da Sesacre afirmou que a Secretaria não tinha conhecimento do caso relatado e disse que iria apurar a denúncia e tomar as providências para corrigir eventuais irregularidades. Dois dias depois veio a informação do encerramento do contrato do médico.

Algumas perguntas para reflexão

Se não havia irregularidade, por que o fato era escondido da Sesacre? Por que a Secretaria encerrou o vínculo do médico ao tomar conhecimento da situação? E se outros profissionais desejassem gozar do mesmo privilégio, como a direção do hospital resolveria a questão? E, por fim, por qual razão a imprensa não deveria dar publicidade ao caso?

Apoio popular

Muita gente foi às redes sociais prestar solidariedade ao médico e criticar a quem publicitou o fato. Alguns argumentaram que ele é um bom profissional e que, por isso, não deveria ser incomodado quanto ao acordo espúrio feito à revelia do órgão público que o contratou para trabalhar e não para estudar. Encorajado por isso, me enviou mensagens nada elegantes e me xingando de “sínico”.

Como não sou chinês, creio que ele quis me chamar de cínico, o que não é, exatamente, um elogio. Respondo-lhe que a mim não interessa o quão bom ele seja ou o quanto seja admirado pela população. No exercício da função de jornalista, que exerço de maneira legítima e fora do meu horário de serviço como funcionário público, atenho-me apenas à tríade legalidade, ética e bom senso.

Há previsão de legalidade na prática de um servidor público pagar a um colega para substituí-lo por meses a fio, mesmo que o regime seja de plantões? É ético que se faça uma negociata dessa natureza sem a anuência ou autorização do órgão empregador? Há bom senso de ambas as partes – uma de renunciar a responsabilidade própria e outra de assumir a alheia?

Postas as questões, que cada um se aposse daquilo que lhes cabe, assim como eu assumo a responsabilidade por aquilo que publico. Transferir aos outros o encargo dos seus próprios equívocos é peculiar aos que se escondem por trás da falta de caráter e de decência. Já as indiretas e ofensas vazias pela internet partem de gente vadia que desperdiça o tempo em bajular os patrões.