
Eis um trecho do que os acadêmicos escrevem sobre Chico Mendes, destacado pelo jornalista Altino Machado e publicado em seu blog:
"Nunca pegou numa enchada (sic), era um preguiçoso e tinha vida conjugal dupla. A amante virou esposa e ficou com o dinheiro da pensão da outra. Chico liderava somente a cachaça no seringal. Assim como Moisés no mar vermelho (sic), Chico Mendes abriu o Rio Acre e atravessou com os seringueiros escravizados para a terra que nunca foi prometida, depois caminhou sobre as águas do Igarapé São Francisco. Chico Mendes não é Deus, mesmo depois de morto continua sendo o melhor marqueteiro e vai continuar trabalhando. Antes de ser assassinado Chico fez a "última ceia", repartiu a macaxeira e o gole de cachaça e entregou a seus discípulos (Jorge, Tião, Marina, Binho, Carioca, Angelim e Lula...)"
A postagem foi retirada pelos editores do blog, entre os quais está o repórter da TV Acre, Francisco Costa, depois que Altino Machado fez uma dura crítica à forma e ao conteúdo da página. Em seguida, todo o restante do conteúdo foi retirado do ar e o blog foi reformulado, pelo menos na aparência. Na manhã de hoje postaram, em tom de ironia, o Hino Acreano e imagens das bandeiras nacional e acreana, de Chico Mendes, Plácido de Castro e da Floresta Amazônica.
Leia a seguir a manifestação da filha de Chico Mendes:
"Sabemos que o meio acadêmico se constitui em ambiente ideal de questionamento dos padrões ditados pela sociedade. Todos que tiveram a oportunidade de cursar uma faculdade sabem do que estou falando, porém a liberdade de expressão no ambiente universitário jamais pode extrapolar o respeito ao indivíduo como pessoa detentora de padrões éticos e morais.
Podemos livremente questionar determinada ação de um individuo sem atingir mortalmente a sua honra, ou caluniar a sua índole. Podemos não concordar com os ideais de um grupo sem que haja animosidade e falta de caráter na crítica. Mas tudo isso só é possível se considerarmos que o sujeito que se expressa livremente seja alguém que detenha condições éticas, morais, emocionais e, acima de tudo, intelectuais para fazê-lo.
O conteúdo do blog Aldeia Sideral, sob a responsabilidade de alguns universitários do Iesacre, se revelou no mínimo degradante à memória das virtudes idealizadas em defesa da floresta por meu saudoso pai, o seringueiro Chico Mendes. É uma vergonha que no grupo esteja o estudante Francisco Costa, que já atua no mercado como repórter da TV Acre, emissora afiliada à Rede Globo. Como uma metralhadora anticultural, o grupo disparou uma rajada de inverdades acerca da figura de Chico Mendes, o que denota falta de equilíbrio intelectual ao publicá-las. Caso pretendam seguir a carreira jornalística, pelo tom que adotaram, deverão fazer parte do jornalismo marrom, sensacionalista e medíocre.
Como ficou provado pleno desconhecimento de tais universitários em relação à vida de Chico Mendes, recomendo que tenham a coragem de sair de suas salas de aula climatizadas, que abdiquem por algumas semanas das suas farras e visitem as comunidades seringueiras de Xapuri. Chico Mendes lutou para que o povo de sua terra tenha pleno domínio da verdade, visto que nos seringais não estava assegurado pelo poder público o direito fundamental à vida ou à dignidade de manutenção da vida.
Meu pai jamais direcionou sua luta àqueles que hoje e sempre estiveram ao lado dos ubres fartos do poder político. Se muitos dos amigos de luta dele estão no poder, isso decorre da verdade assumida democraticamente pelo voto da maioria. E também é a prova de que a ideologia de um mundo melhor, pregado por Chico Mendes, não era uma utopia, mas uma possibilidade real que podemos concretizar a cada dia.
Os estudantes de jornalismo do Iesacre, asseclas da imbecilidade dominante de certas classes, deveriam no mínimo aprender a respeitar a vida pessoal de figuras que na compreensão popular se concretizam como marcos de extrema significância. Chico Mendes é fator de sensibilização da continuação de um ideal, de uma realidade social mais digna a todos que estão à margem das políticas públicas.
Infelizmente, para universitários desse naipe, é bem mais prático acompanhar a disputa do Big Brother, saber a escalação dos times cariocas e paulistas, ou, ainda, folhear a ultima edição da revista masculina preferida, do que pesquisar de fato a vida de Chico Mendes.
É inconcebível que tenhamos ainda que suportar tamanha falta de conhecimento e de identidade cultural no contexto acreano a partir de jovens de uma universidade particular. Quiseram 15 segundos de fama afrontando a memória do movimento sindical, dos povos da floresta, ultrajando sobremaneira a figura do líder Chico Mendes.
Desnecessário relatar a importância que meu pai tem para lutas e conquistas que hoje beneficiam o povo do Acre. Mas quero ressaltar que os pretensos universitários deveriam aprender a analisar fatos históricos e não a deturpá-los.
Eles ofenderam à minha família e à memória do povo de Xapuri, que reconhece por direito o significado da luta de meu pai. Mas o que esperar de pessoas que certamente fazem parte de uma camada social que sempre se pautou por explorar a classe que Chico Mendes defendia?
Que a virtude da sabedoria desça sobre os universitários apedeutas e junto com ela o espírito da responsabilidade e da sensibilidade social".
Elenira Mendes
2 comentários:
José Maurício de Oliveira deixou um comentário sobre a postagem "Agressão à memória de Chico Mendes", que foi recusado acidentalmente por mim. Ei-lo:
"Como bons estudantes de jornalismo, eles estão treinando para trabalhar em empresas como a Abril (de preferência na Veja) e a Globo. Têm um grande futuro pela frente na profissão".
Chico Mendes ja serviu de escada para muitos, não custa nada tornar mais essas pessoas conhecidas.
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